Missiva (*)
Infelizmente, hoje estou magoado, de novo (e parece que em definitivo) contigo, meu amor. Afirmar que é uma ou outra coisa seria irresponsabilidade. São tantas, que se torna difícil enumará-las de modo gradual: maior, menor, mais grave, menos grave, indelicadeza, apatia e mais...
É provável que o saibas bem melhor, tendo em vista o teu poder de análise e síntese e, também, de provocadora de grande parte delas.
Nossos desentendimentos (segundo entendo e conforme pudemos vivenciar) não nos levaram à conclusão benéfica. Contribuíram, sim, para demolir edifício que se despencava aos poucos.
Havia, sem dúvida, propensão para o pseudomotivo -- falso e instigador -- que nos propunha constantes atritos.
Se fui poeta? é claro que sim: quem tiver o privilégio de te amar o será, inquestionavelmente! As estrelas, a lua e o céu completam o quadro que inspiras.
Escrever é diletantismo, mas escrever-te é algo mais sublime ainda. Creio que nem a mágoa nem o desprezo (a que me submete) pode parar-me a escrita.
Tentar? posso dizer que o fiz! Contudo, quiçá para o próprio bem, não obtive o êxito pretendido. Ficou apenas em tentativa.
Aprofundo o estudo da alma e faço-te três cartas pensando que seriam as últimas. Soube que leste todas. Todavia, esta -- que te encaminho agora --é a mais sentimental e contundente.
Não há condições de vivermos juntos, de tentar reunir forças para sobreviver à realidade (imcompatibilidade plena!), e, assim, inconcebíveis essas hipóteses, parto; pego minhas poucas bugigangas e vou-me. Não te preocupes.
Mesmo, desse modo (desesperançado e triste), não te quero mal algum. Desejo que sejas feliz e me perdoes se te afligi em alguma oportunidade.
Adeus!
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(*) Brasília, DF, 02/04/1966.
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