Consternadamente (*)
Domingo. Dia estranho. Nuvens dançam no espaço anunciando chuva. Vento frio e suave acaricia as roseiras no jardim. Tempo instável. Todos em casa. Pouco movimento nas ruas. A cidade está triste e parece reclamar silenciosamente da solidão e do nostálgico amanhecer.
Quadro natural que encanta, entristece e permite refletir sobre as dádivas (que são muitas!) e a respeito dos insucessos (que nem sempre se contabilizam.)
Aquele que possui agasalho e pode abrigar-se confortavelmente quase nada se preocupa com essas coisas, fato que não ocorre com o desabrigado, que procura apoio e não encontra.
De repente -- sem que espere ou julgue haver a possibilidade tão breve -- começa a chover forte. Não há intervalo ou pausa. Tenho a impressão de que a tempestade não vai parar. Caem pedras de gelo (pimeiro pequeninas, depois maiores!), e os trovões causam certo arrepio... Relàmpagos clareiam todos os lados, quiçá tentando intimidar a população, na imagem metafórica de um sonhador.
Vivendo esse momento, recordo-me, com saudade, de quando, para estudar, morava, só, em quarto de pensão de cidadezinha do interior do meu Estado. Naquela época (nem precisa dizer), morria de medo de trovões, de relàmpagos e de tormentas. Mas isso é passado. Tenho agora outro plano de vida. Embora, recordação faça parte da história do viver.
Utopia. Enleio. Tentativa de desvendar os mistérios da natureza. Quimera. Angústia. Ansiedade. Reflexão. Menestrel que fala de morte. Poeta que homenageia a existência. Conclusão de que tudo é fantasia, talvez um bordado artisticamente feito no pano e no quadro do destino. Ali se registram acontecimentos e perspectivas: em todos os casos, realidade e promessa.
A saudade bateu mais firme, muito mais intensa do que o temporal que continua. Numa angústia e em profunda lembrança, alivio o sofrimento refrescando o cérebro e alentando o coração com revigorante vinho.
Meu amor, tua ausência é maior do que tudo isso! Volta. Espero que seja assim que termine a procela.
Não passa das dez horas. Tudo é sorumbático. Espero-te, com ansiedade.
Vem, depressa!
Teu, eternamente teu.
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(*) Brasília, DF, 02/10/1965.
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