Usina de Letras
Usina de Letras
236 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62165 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50574)

Humor (20028)

Infantil (5423)

Infanto Juvenil (4753)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140790)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6182)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Grilagem -- 16/11/2009 - 13:54 (Nezinho Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
GRILAGEM

Seu Tioca chegou em casa muito cansado. Sua esposa estava sentada na porta, em um toco tosco de madeira, com o olhar perdido no infinito; nem sequer deu conta da chegada do marido.
Seu Tioca sentou-se em um outro toco, ao lado da esposa, e com um suspiro profundo tirou o chapéu, agasalhando-o no joelho. Escorou-se na parede e ficou a olhar o horizonte, naquele fim de tarde.
Nisso chegou um rapaz, nu da cintura para cima, trazendo na cinta um facão. Tirando o chapéu de couro da cabeça, e batendo com a correia dele na perna da calça cumprimentou seu Tioca:
-- Bênça, pai.
-- Deus te dê um bom distino, meu fio - Seu Tioca respondeu.
O rapaz olhou para o rosto sereno da mãe, depois olhou para o semblante cansado do pai e continuou:
-- Enquanto o sinhô teve fora, aquele pessoal da cidade de Montes Claro veio aqui, de novo.
-- Com aquela mesma conversa? Quis saber seu Tioca, encarando o filho.
-- Dessa vez eles tavam mais brabo. O chefe deles falou que se o sinhô não vender as terra pelo preço que eles oferece, eles vai tomar isso tudo aqui, e dispejar a gente, porque a lei tá do lado deles.
-- Dispejar onde? Alarmou-se seu Tioca, pondo-se de pé e derrubando o chapéu que estava no seu joelho.
Com tal reação assustou sua esposa, que tateando em busca de uma bengala, às suas costa, indagou em voz alta:
-- Quem tá aí?
Os dois, pai e filho, se deram conta do susto que acabavam de dar em dona Marcionila. Seu Tioca aproximou-se dela, segurando-lhe firme as mãos, e tranqüilizou-a, falando alto, bem próximo ao ouvido dela:
-- É eu, minha véia. Tioca e Agnelo, seu fio.
-- Ahhh, bão! Acalmou-se ela. -- Cês já comeu? Quis saber na sequência. Seu Tioca respondeu -- Num preocupa, não. Aqui nós se ajeita.
Dona Marcionila levantou-se, apoiando-se na bengala, e entrou na casa.
Seu Tioca e Agnelo sentaram-se. Agnelo apanhou o chapéu, caído no chão, entregando-o a seu pai, e continuou a falar:
-- Eles dissero que vão voltar, inda hoje, e que o sinhô vai têr que assinar os papel, se não vai sê pió prá nós tudo.
-- Cadê seus irmão? Quis saber seu Tioca, enquanto tirava a poeira do chapéu, batendo com o mesmo na perna e depois colocando-o de volta na cabeça.
-- Tão vino aí.
Os dois se calaram.
Chegam mais três homens, acompanhados de três mulheres. Cada um tem um facão na cintura e as mulheres carregam, cada uma, um bastão.
Todos pedem bênção a seu Tioca e assentam-se em torno dele, no chão.
-- Que qui o sinhô tá pensano fazê, pai? Perguntou a filha mais velha, Evangelina.
Seu Tioca olhou para a filha e para todos os outros em sua volta.
-- Num sei, meus fio. Respondeu num suspiro, e continuou – Eu fico pensano é no que eu e minha véia vai fazê. Ocês, pelo menos já tão criado e são forte e novo, ainda güentam trabaiá. Mas, nós... ela, cega e surda, de sufrimento... eu, meio alejado do ispinhaço... Seo Tioca fez uma pausa, e depois continuou: -- hoje eu passei lá no sumitero. Fiquei oiano as carnera, onde tão interrado meus pai, os pai deles, os pai dos pai deles... nós tudo nasceu aqui, e num tem prá onde ir!...
-- Intão o sinhô tá pensano em vedê as terras? Interpelou Juvêncio, outro dos filhos de seu Tioca.
Um silêncio pesado abateu-se sobre todos. Entreolharam-se e voltaram a encarar seu Tioca. Este, rodando o chapéu nas mãos, respondeu mais como quem conversa sozinho:
-- O véio Quinzim, lá das banda do Pau-preto, amanheceu inforcado no pé de imbu do terrero de sua casa, dispois que num quis vender as terra... os animal de seu Tinim morrero tudo, da noite pru dia, tamém dispois que ele negô niguciá com esse povo da cidade de Montes Claro... o fio mais véio de dona Túnica apareceu afogado na lagoa dos gado bebê água, onde a água num dá nem no meio das canela da gente...
Parou de falar, de repente, como que para sentir o efeito de sua narrativa. O efeito, realmente, foi devastador. Todos estavam como que alarmados com os fatos dos quais tomavam conhecimento naquele instante.
Seu Tioca aproveitou-se para picar fumo, bem miudinho, com seu canivete “capa-garrote”, e depois de amassá-lo reteve-o na mão, para preparar uma palha para o cigarro. Tirou um pacote de palhas do bolso traseiro de sua calça e escolheu uma, devolvendo as demais para o lugar de onde as tinha tirado. Alisou a palha escolhida com o fio do canivete, cortando-a do tamanho certo. Depois passou-a entre os lábios, nas duas pontas, molhando-a com saliva para amaciá-la, e só então abriu-a, deitando no côncavo da mesma o fumo já picado e amaciado, passando a enrolar o cigarro, cuidadosamente. Acendeu-o com “boque”, cujas faíscas riscaram a escuridão da noite, precedidas pelo cheiro forte de algodão queimado.
Seu Tioca acendeu seu cigarro no fogo do “boque”, soltando uma baforada. Em seguida tapou o “boque”, apagando o fogo do mesmo.
Seu genro, Tiago, esposo de Evangelina, foi o primeiro a romper o silêncio.
-- Meus pai tivero que vendê as terras nossa prá esse povo, pois as criação nossa morrero tudo, num dia só. Fez uma pequena pausa e continuou: -- Só qui o preço qui eles paga é muito baixo, e só deu prá comprá uma casinha no povoado de Cachoeirinha, cês sabe disso, já.
Gumercindo, outro dos filhos de seu Tioca, quis saber, indignado:
-- Gente, num tem justiça nessa terra, não!? A gente se mata de trabaiá e um dia chega umas pessoa qui nem sabe pegá no cabo da inchada, e toma nossa terra e expulsa a gente!...
-- Mas pai tava na Janaúba. Deixa ele falá o qui resolveu lá - o aparte foi de Florêncio, filho mais velho de seu Tioca.
Seu Tioca olhou para o filho mais velho, e seu semblante transmitia tristeza profunda.
-- É, meu fio, eu fui na Janaúba, caçá nossos direito, mais num incontrei não – falou seu Tioca, continuando – Fui nas puliça e lá mim dissero qui eu tinha qui falá cum o delegado. Fui no delegado e ele mim disse qui esse problema num é dele, é das puliça – fez uma pausa, suspirou fundo e continuou – Voltei nas puliça e o comandante delas num quis mais mim recebê. Um dos puliça, um qui fica na porta, mim falô prá aceitá a proposta do povo de Montes Claro, qui seria bem mió prá nóis.
Gumercindo se levantou, esbravejando:
-- Intão o negóço tem qui cê resolvido é na bala, mesmo!
-- Ispera aí, Gumercindo! Interveio Agnelo, apaziguador. – Cê isqueceu qui ocêis tudo tem fio prá criar? Vê se toma juízo, homi. Difunto num sustenta família, não.
-- Cê fala assim só purquê é o caçula, Agnelo, num teve qui trabaiá igual nóis. E o pai mais a mãe sempre protegero ocê, inté mandaro ocê istudá na Janaúba e nós não. Ficamo aqui igual burro, sem nem sabê lê! Revoltou-se Juvêncio.
Agnelo levantou-se e dirigindo a todos falou:
-- Né bem assim, não. Ocês num foram prá escola porque num quisero. E eu nunca tive priguiça de trabaiá, não. Mais o istudo é a mió coisa qui um pai pode dá prus fio.
Todos calaram-se, cabisbaixos. Agnelo continuou, desta vez dirigindo-se ao seu pai:
-- Óia, pai, um amigo meu de Janaúba, do tempo da iscola, mim disse qui conhece uma pessoa na cidade de Montes Claro, que pode ajudar a gente. Ele até já cunversou com essa pessoa sobre nóis e marcou uma reunião, cumigo.
Seu Tioca olhou para o filho, com o orgulho transparecendo em sua face. Todos voltaram suas atenções para Agnelo, pois de repente ele se tornava a única esperança da família. Seu Tioca falou:
-- Intão, meu fio, amanhã cê já pode tomá providênça prá viaje – voltando-se para os outros filhos, seu Tioca completou, orgulhoso: -- Viu, num foi bom dá istudo pro seu irmão?!
Nesse instante o barulho de um tiro de espingarda agita a mornidão da noite. Todos se levantam, em sobressalto, vasculhando a escuridão com os olhos, e nem notam que Agnelo leva ambas as mãos ao peito, depois contempla-as, ensanguentadas. Cambaleia e ampara-se na parede da casa. Balbucia: -- Mãe...
Cai de joelhos, e lentamente tomba ao solo.
Dona Marcionilia aparece na porta, tateando com a bengala: -- Qui baruio foi esse, Tioca? Cadê meu fio, Agnelo? Agnelo, cadê ocê, meu fio, responde prá sua véia mãe, pelo amor de Deus!!!
Todos voltam os olhos para o local onde antes estivera Agnelo, e não o vêem.
Seu Tioca tira o chapéu da cabeça e aperta-o contra o peito, enquanto ajoelha-se junto ao corpo ensangüentado e sem vida de seu filho caçula, no que é acompanhado por seus filhos genro e noras.
Dona Marcionilia continua vagando, tateando com a bengala, chamando por seu filho:
-- Meu fio, num faz isso cum sua véia mãe, não. Responde. Cadê ocê? Já jantou, meu fio? Eu fiz uma cumidinha procê, do jeito qui ocê gosta, fio...

Nezinho Costa
15/11/2009
22:26 h.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui