Uma química sutil e delicada!
Queria ter falado do sentido que você deu à minha vida. Do meu prazer. Do encantamento que sentia em estar ali, quase disponível, ao lado. De saber que a qualquer hora a porta iria se abrir, e você entraria - cheirando a colónia de banho. Nas mãos uma xícara de chá ou aquela porção de pãezinhos de queijo, quentinhos da padaria da esquina.
Você se sentaria naquele sofá branco e, olho no olho: "vida, vim te ver" - Eu ganhava o meu dia.
Queria ter dito das lembranças, das horas de almoço em que você, segurando a ponta dos meus dedos, me fazia cortar a comida com o garfo. Eu degustava o prazer da sua mão na minha e este seu doce olhar de caramelo.
Você não sabe, nem sequer imaginava que estas coisas simples me faziam sentir uma alegria tão doce, que nem precisava da sobremesa.
Queria dizer que inda sinto o cheiro de mato daquele chá de erva cidreira, que nos fins da tarde lhe acalmava a tensão, hoje, só de pensar, me acelera o coração. Coração este, que bate descompassado quando, me olhando no espelho, escuto sua voz: "- cuida bem deste nariz, ele tem dono "...
Lembranças, flashes de um abraço atrás da porta, de um presente inesperado, de cenas de um apartamento, de uma viagem a São Paulo, daquele prato de canja quentinho naquela madrugada fria do hotel.
Queria ter falado das vezes em que julguei fazer o telefone tocar, com a força do meu pensamento. Falar do poder deste seu olhar que elevava a temperatura do corpo; das vontades, do gosto da sua boca, do toque endereçado das suas mãos...
Mas, não lhe falei. Não pela falta de tempo, mas, por achar que nosso tempo seria mais duradouro do que hoje me é intenso.
Hoje sinto que preciso inaugurar um SPA particular. Só pra mim. Preciso esfoliar este meu corpo, tonificar meu coração. Hidratar minha alma com alegrias, mesmo que vez por outra sua lembrança ainda apareça como espinha no meu coração!
Preciso mudar. Mudar como quem muda de apartamento:
Separar coisas, selecionar coisas, inclusive aquela camisolinha cor de rosa guardada na última gaveta do armário. Desembalando tudo, vou procurar colocar, neste meu coração, cada coisa no seu lugar.
Tomara que seja só isso: uma questão de lugar e tempo, e que estas
lembranças não me doam mais tanto quanto doíam, enquanto eu repensava a história desta química sutil e delicada, que tanto nos contagiava!
Mario José Mayrink
"As coisas findas, muito mais que lindas, estas ficarão"
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