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Contos-->VIDA BESTA -- 17/11/2009 - 17:22 (Divina de Jesus Scarpim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Casas entre bananeiras,
Mulheres entre laranjeiras
Pomar, amor, cantar

Um homem vai devagar
Um cachorro vai devagar
Um burro vai devagar

Devagar... as janelas olham
Êta vida besta, meu Deus.
Carlos Drummond de Andrade

Êta vida besta, meu Deus! Como o Drummond estava certo! Que merda de vida essa! De que adianta tudo que a gente faz, qual é a perda por tudo que a gente não faz?

Olha para mim. De que serve tudo? O que eu sou agora? Qual é a diferença entre Ter sido linda ou feia, honesta ou não, triste ou alegre, rica ou pobre?

Agora sou velha, sou feia, sou triste, sou pobre. Se me olho no espelho uma tristeza tão funda! Se me recordo de algum fato, uma raiva surda, uma imensa frustração.

E as pessoas que me cercam são todas iguais a mim, uma porção de velhos, cada qual com sua coleção de doenças, fraquezas e manias, todos moendo as horas, esperando a própria morte como quem espera por algo que não dá prazer nem dor, hora desejada, hora temida, só a morte está presente e brinca e se diverte nesse lugar.

Penso nela como em uma menina sapeca, alegre e inconseqüente, uma criança que escolhe os que vão primeiro como uma menininha escolheria com qual dos velhinhos vai brincar agora. Não tem maldade, não tem cálculo, não há predestinação, apenas a vontade volúvel e imprevisível de uma criança que brinca e sorri pela casa.

Outro dia eu ouvia a neta da Luísa dizer que “ela gosta de ficar sentada no jardim olhando as flores”. Que menina burra! Será que ela acredita mesmo que a Luísa gosta disso ou daquilo? Será que ela acredita mesmo que algum desses velhos que estão aqui gostam de alguma coisa?

O pior é que ela acredita! Ela é jovem, não perde tempo pensando no que seja ser velho, por que o faria? Ninguém pensa na velhice de verdade enquanto é jovem, talvez isso tenha sido feito para ser assim mesmo. Seria muito diferente tudo no mundo se as pessoas começassem a pensar desde muito jovens na velhice, se pensassem sabendo mesmo o que é e não como dizem pensar alguns: o espírito não envelhece, o importante é manter o espírito jovem, etc. etc. Quanta baboseira! E o incrível é que algumas pessoas parecem realmente acreditar nessas frases feitas para consolar velhinhos. É mais idiota do que acreditar em cegonha ou Papai Noel.

Mas o que mais me pasma mesmo é ver que os próprios velhos às vezes fingem que tudo isso é de verdade, colocam um sorriso pateta na cara e saem distribuindo gentilezas e inocência, dizem se sentir melhor do que se tivessem vinte anos, como se isso fosse possível. E eles parecem realmente acreditar no que dizem!

Eu fico no meu canto e, para não ser perturbada, há muito adotei a surdez. Nem mesmo o médico acreditaria que a audição foi um dos poucos, ou o único dos meus sentidos não afetados pela idade. Eu vejo mal, mas esses meus óculos ajudam muito, o gosto dos alimentos é cada vez mais parecido com papelão molhado, mas para dizer a verdade não posso saber se isso se deve ao meu paladar menos sensível ou à comida desse lugar que é ruim mesmo. Os cheiros também não me entram bem pelo nariz, talvez seja melhor assim, quem quer sentir cheiro de remédio e desinfetante? Com essas garras retorcidas e escuras em que se transformaram minhas mãos é difícil dizer que posso tatear alguma coisa, tudo vai se sumindo da gente, tudo aquilo que um dia nos foi dado vai se sumindo dia-a-dia e nada há a fazer a não ser o que nós fazemos aqui: Sentar e esperar a morte.

Mas eu fico quieta, não respondo se porventura alguém fala comigo e se eu preciso dizer algo, digo aos berros, assim convenço a todos da minha “surdez” e posso gritar um pouco, embora não possa gritar as coisas que eu gostaria.
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