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Contos-->O Mundo de Júlia (Romance) -- 28/12/2009 - 14:18 (won taylor) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Número do Registro de Direito Autoral:131834996223579600






PREFÁCIO






Parece que sentimos isso todas as vezes que não conseguimos controlar uma situação que em absoluto teria que acontecer
e que provavelmente não estávamos preparados para ela e assim começamos a sentir esse sentimento falso que torna ainda mais difícil
o que estamos vivendo e depois quem pode dizer se ele vai embora e nos deixa viver.



O nosso retorno é dificultado pelos atos que provocamos depois de tentar entender algo simples o ‘acabou’, e ao contrario do que se pensa
ninguém quer que acabe nada em nossas vidas, seja amor; amizade; carinho; e toda casta de sentimentos. E o que temos para poder
manter tantos desejos assim? Seria bom que começássemos a fazer algo sobre isso; ver se reflete-nos outros tudo que estamos buscando
e se isso será bom tambem para além de nós.



O que é lindo e eterno além do que sentimos e a gente insiste em colocar preços nas coisas que sentimos, e não paramos mais de agir assim;
vendemos o mundo como forma de vida; e que vida é essa sem sentimentos claros? A nossa definição de sentir é medida pela capacidade
das coisas que possuímos ao longo dos anos. E quando perdemos aquilo que julgamos que jamais sairia do lugar e muito embora, nem queríamos
manter aquilo ali, mas olhar e ver que está lá nos faz sentir seguros e que tudo está bem, mas vivendo assim nunca vai estar, até mudarmos pra melhor do que isso que somos.




Lei da Perda - Won Taylor

Capitulo 01

Passando pelo Morro da Babilônia num dia cinzento e cheio de expectativa, embora a minha sonolência pela manha seja sempre tão desumana, mas um som vindo lá do alto me chamou atenção, era de uma das bandas que eu mais adoro uma banda inglesa chamada ‘nigthmare of you’ e eu nunca havia parado pra pensar que alguém que morasse ali pudesse ter o mesmo gosto que o meu ou eu o dessa pessoa. Tentei olhar pela janela do carro e tudo que eu vi foi o céu azul e agora com poucas pipas, uns dias antes o céu estava repleto delas, mas com a volta às aulas, elas desapareceram como por encanto.
E eu quase pedi pra que meu pai parasse o carro, cheguei a fazer um movimento involuntário com a mão em sua direção, mas me contive ao olhar nos olhos breves dele e na sua expressão ríspida causada pelo pequeno engarrafamento que se formara na nossa frente, e no seu movimento automático de quem está impaciente, passando sua mão em seus cabelos curtos e tão fino, mas com o transito tão lento nem foi preciso e musica triste me acompanhou por alguns metros e fiquei pensando em como seria a pessoa que estava escutando aquela musica, seria muito diferente de mim e tão parecida nos sentimentos?

O começo das aulas no cursinho tirava de mim qualquer momento de despreocupação e a fama do Werneck em ser rígido no ensino tirava todo humor e displicência que havia em mim. E a cobrança da minha mãe pra que eu faça tudo dentro do que seja possível e impossível me faz lembrar a todo instante que eu preciso me concentrar ainda mais nas aulas e até a minha roupa, eu tive que tomar cuidado em escolher, e creio que esse jeans com essa camiseta branca e minha Dakota marrom ‘mocassim’, e a jaquetinha de jeans por cima está dentro do que se pode ser chamado de básico.
Como os meus cabelos são negros e lisos e estão sempre soltos, desta vez eu os deixei presos num coque para não ficarem dançando pelo meu rosto e por minhas costas, com os meus olhos negros, pequenos, coloquei uns óculos pra disfarçar. Meus lábios breves, boca pequena, o rosto oval, o corpo esguio, as pernas com as coxas torneadas, o bumbum arrebitado e as mãos sempre abertas, com unhas grandes quase sempre com esmaltes escuros é raro eu usar vermelho ou rosa, e assim, eu não queria chamar tanta atenção no primeiro dia de aula, e essa coisa de ‘a primeira impressão é a que fica’, às vezes cansa a beleza. Peguei o telefone de dentro da minha bolsa e liguei pra Tânia pra saber se ela já estava indo pro curso, eu não queria ter que entrar sozinha em território desconhecido e como sei que a minha amiga é CDF de carteirinha, provavelmente ela já estaria lá na entrada a me esperar.
Tânia é franzina, mas parece aprisionar um espírito muito forte, ela não para, está sempre na ativa, faz cursos, academia, natação, mil coisas ao mesmo tempo e tão mirradinha parece não cansar nunca, sua pele clara está sempre bronzeada e seus olhos pequenos parecem estar sempre vivos e cada vez mais azuis, os lábios finos, cabelos loiros e lisos, brancos atrás do aparelho rosinha, o que a deixava ainda mais frágil em sua aparência.

“alo tatá! Já chegou ao curso, gata?”, quis saber logo de cara
“sim, Júlia! Já estou aqui e já liguei mais de 400 vezes pra Roseane e pra Dinha, e elas estão estourando por aqui”, emendou esbaforida
“valeu gata, eu já estou quase chegando também, tatá”, desliguei e dei uma olhada no meu pai meio que esperando ela falar algo, mas ele apenas deu uma risadinha com o canto da boca e depois espremeu os lábios e fez um gesto negativamente com a cabeça.

Desci do carro como se fosse enfrentar um exercito de mil olhos, e não era como se eu fosse ser examinada por todos, mas sim, de ser aceita, esse era o meu maior medo e o apoio das minhas amigas estava me deixando um pouco melhor pra começar a guerra. Ao dobrar a esquina e chegar à entrada do prédio, avistei as meninas na porta e soltei um sorriso de alivio, afinal ali estava a minha gangue e com ela toda proteção que eu precisava naquele momento.
Tatá já é super acostumada com essas situações; a Roseane é totalmente desligada, e a Dinha, essa consegue se passar por uma pedra de gelo e ninguém nota a diferença, embora ela tenha um corpo que chama atenção de qualquer um, alta, pernas torneadas, bumbum enorme, cabelos cacheados e loiros, olhos rasos e azuis claros, boca carnuda de lábios avermelhados, e seu aparelho nos dentes sempre colorido.
“meninas, tipo assim, cara, vocês estão prontas?”, disse rindo
“totalmente!”, respondeu Roseane que certamente se esqueceu do que combinamos, de não nos vestirmos pra matar, e foi usando um vestidinho azul - bebe, sandália branca e como ela tem as pernas grossas, qualquer gesto que fizesse ficava igual aquele filmes com cenas em câmera lenta, com os cabelos longos soltos, a cor de bronze deles combinando com os castanhos claros de seus grandes olhos. Roseane saiu toda farta, de seios, de olhos, de boca, de bumbum, de coxas e de concentração.
“mulher, o que foi que combinamos ontem? E você vem linda assim!”, perguntei-a tomando-lhe as mãos
“Relaxa! Nem me produzi, na boa, tipo peguei a primeira roupa que encontrei pela frente! O Cleber adora. E não sei como vocês conseguem sair de casa sem usar uma boa maquiagem...”, disse soltando uma gargalhada
“deve ter sido porque nós combinamos fazer isso hoje e vir pra cá todas muito mocorongas!”, Dinha falou em tom reprovativo
“Vamos entrar logo de uma vez, tipo assim, cara, pra ver como vai ficar”, disparei encarando a Dinha pra ver se ela se toca

As aulas foram seguindo sem muita dificuldade e o ambiente era muito favorável, depois de passar pelos olhares nos corredores, ao entrar na sala ampla e clara, e com janelas enormes, tudo ficou meio normal, as cadeiras enfileiradas dando certa distância de uma pra outra, afastava um pouco a possibilidade de notar aqueles olhares do tipo: “e ai, tudo bem?”, e toda minha timidez permaneceu quieta em mim.
Estudamos sem nenhum descanso até as onze e quarenta e cinco, e nem vi o tempo passar e estudar sempre me fez esquecer o tempo, e é algo que eu adoro fazer. Uma sirene interrompeu o silêncio e todos começaram a se levantar e a deixar a sala, juntei-me a multidão pra não ficar por última e sai no corredor lotado e procurando reunir todas as meninas apenas usando os olhos pra não ter que usar a voz no meio de tanta gente e tantas vozes, deixando o prédio, logo implorei as meninas pra irmos ao Mc Donald’s.
“cara, você está precisando é arrumar um namorado, Júlia! Olha em sua volta quantos gatinhos e você se preocupando com comida...”, Dinha nunca perdoa uma oportunidade de dar alfinetadas em quem quer que seja desde que ela se sinta mais segura e por cima.
“depois eu penso nisso, no momento meu coração está tranqüilo, e quem está desesperado é o meu estomago”, brinquei pra disfarçar
“seu coração deve é estar morto a essa altura, de tão solitário e abandonado”, insistiu ela em me atacar com sua atitude leviana
“Dinha, tipo assim, cara, eu estou muito bem assim, e tenho apenas dezessete anos e nem estou tampouco preocupada em namorar e nem em ficar e nem em amigos coloridos, em nada que se refira a amor”, disse já saindo do sério
“A Dinha pensa que todas nós temos que ser como ela...”, retrucou tatá
“ser como eu? Diga o que você pensa logo de uma vez...”, enfrentou Dinha
Metendo-se no meio das duas, Roseane disse: “Deixa a vagada da Dinha em paz e vamos fazer um lanche”, todos nós caímos na gargalhada com o modo dela falar aquilo, com tanta naturalidade e distância.

Entramos no Mc Donald’s e fomos logo para o fundo como sempre fazíamos, ali podíamos brincar, falar bobagens e rir à vontade e ainda ficar ‘examinando’ as meninas que entravam e seus estilos, isso só em si já era uma diversão pra ir lá fazer um lanche, ali era o nosso território, nosso ponto de encontro, fosse depois da academia ou praia, sempre acabávamos ali, e por sorte ficava próximo ao nosso cursinho.

E nesse momento de total despreocupação com tantas formulas de matemática que nos foi apresentada e rindo como loucas por qualquer coisa e nos divertíamos malhando as meninas que iam entrando, e de repente chegam à porta da lanchonete três garotos, todos despojados, descontraídos e felizes.

Um deles era magro, baixo de rosto oval, cabelos ruivos caindo na testa, com um jeans surrado e uma camisa amarela com um desenho do darth vadder e o chamaram de ‘ferrugem’, o outro era mais alto e mais forte, com braços de quem malhava muito, os cabelos castanhos escuros, olhos abertos e longos, as roupas no mesmo estilo do outro.

E por fim, o último, esse meus olhos brilharam, talvez pelos passos lentos que ele dava ou por seus olhos estarem voltados ao chão, como se ignorasse quem estivesse ali e por isso, eu pude notar mais detalhes nele do que nos outros, me senti como se estivesse atrás de um vidro de identificação onde eu não podia ser vista e apenas ver.
Seus passos medidos, calculados e ele se desvencilhando das pessoas e mesas, juntou-se aos dois numa mesa a poucos metros de distância de onde nós estávamos, e eu só conseguia olhar pra ele, seu rosto aberto, um riso nos lábios grossos, a voz mais baixa do que as de seus amigos, os cabelos negros e crespos, curto, a cor negra da sua pele, os músculos dos braços podiam ser claramente avistados enquanto ele colocava seus cotovelos na mesa e apoiava o queixo nas mãos.
Seus jeans pareciam que não cabiam nele, apertados desde a canela até a cintura, a camiseta branca com um desenho de uma caneta Bic, era engraçada e diferente, as mãos faziam movimentos leves, e o riso constante em seu rosto, os olhos negros pareciam perolas negras e um olhar intocado, preso e ele não falavam tantas gírias como os outros, alias, pouquissimas.

“acorda Júlia!”, tatá me catutou com força “está dando na pinta você olhando pros garotos ali na mesa desse jeito”
“para de viajar! Eu não estava olhando nada”, disfarcei
“olhando você não estava, estava era encarando mesmo! Depois eles podem escrotizar com a gente”, disse Dinha sem perder a chance
“olhando pra quem?”, quis saber Roseane
“bebe seu suco de laranja, bebe!”, disse tatá rindo
“Parem com isso! Tipo assim, cara, eu não estava olhando pra ninguém!”, pedi
“desta vez eu vou ter que concordar com a Dinha, você estava perdida, longe daqui encarando aquele garoto que está naquela mesa ali com aqueles dois”, tatá sempre era sincera
“eu não entendo você, Júlia! Se estivesse olhando qual seria o problema? Ele ser negro?”, Dinha me olhou por cima dos ombros como se exigisse uma resposta imediata
“claro que não é isso, está maluca? Eu só não estava olhando pra ninguém! Vou embora, nos vemos mais tarde”, olhei-a nos olhos como se ela tivesse culpa da solidão e do meu medo de amar.

E me levantei e ao tentar dar um passo, Dinha quis segurar o meu braço dizendo que ainda tínhamos aula por toda tarde, e eu pra me desvencilhar dela, puxei fortemente meu braços pra trás e bati na bandeja de uma senhora que passava por trás de mim e derrubei tudo ao chão.
Bastante envergonhada, me abaixei constrangida tentando pegar tudo que ficou no chão, e meus cabelos se soltaram pra complicar ainda mais e eu falando baixinho que pagaria outro lanche pra senhora e todos, absolutamente todos olhavam pra mim.
Quando eu senti aquela mão segurando na minha pra que eu pudesse me ficar de pé, e erguendo lentamente meus olhos, encarei os dele, com temor e angústia agradeci com a voz baixíssima e eu já não sabia como esconder meu rosto que devia estar em chamas.
“tudo bem, essas coisas acontecem de vez em quando e você não precisa ficar assim, está tudo bem agora!”, disse ele colocando uma de suas mãos em meu rosto e tirando meus cabelos dos meus olhos e eu senti que eles me revelaram
Para ele naquele instante, a minha pele morena ficou pálida e pelo ressecamento nos meus lábios eles devem ter ficado brancos e ele retornou a sua mesa sem desviar os olhos dos meus.


As meninas tentaram ainda suavizar a situação, mas tudo que eu queria era meter o pé e sumir dali e enquanto eu tentava me recompor, ficar em pé, pude vê-lo me olhando e notei a mesma tristeza em seu olhar que devia estar nos meus e retirei uma nota de vinte reais e coloquei na mão daquela senhora que insistia em não aceitar, só tornando ainda mais dolorosa a minha presença ali. Meio desorientada conseguia caminhar ate à porta e sair dali de dentro, muito cabisbaixa e devia pesar mais o fato ter sido flagrada fazendo algo que eu nunca havia feito e ter que dar explicações sobre isso.

E olhando dentro dos meus olhos tatá foi falando sem parar, “minha amiga, você precisa falar sobre essas coisas e parar de se esconder! Você não estava fazendo nada de errado e ele até que merecia mesmo ser olhado, lindo o garoto!”. “Está na hora de você libertar teu coração e deixar que te amem, senão você vai se acostumar em viver desse jeito tendo que se desculpar por olhar alguém na rua”, completou

“eu sei, tatá, eu sei...”, falei constrangida ainda
“Relaxe! Vamos esquecer o que houve e tentar voltar pro curso e estudar um pouco”, Dinha amenizou


Dali a pouco, voltava pra casa, mas sem esquecer por um segundo do olhar daquele garoto que eu acreditava que não fosse ver nunca mais, e assim eu voltaria a minha vida recolhida e sem sentimentos especiais pra viver. E eu querendo ser enterrada viva apenas por ter visto algo que mexeu com o meu coração e mesmo sem saber se ele poderia querer a mesma coisa que eu e assim eu parecia estar inventando desculpas pra não tentar e continuar sozinha.


Já em casa, as lembranças daquela tarde aqueciam o meu coração, aqueles olhos negros latentes diretos nos meus, a minha voz desfalecendo ao tentar dizer ‘obrigada’, e mesmo com tanto constrangimento, eu já consigo rir da cena e graças ao meu descuido, pude ficar frente a frente com ele, parecia uma cena dessas de filme romântico quando a mocinha é salva pelo herói. E o modo como ele foi se afastando sem tirar os olhos dos meus, e eu ali sem saber se dava um breve sorriso ou se ia até a ele e sentava ao lado pra conversar.


Não demorou muito pra tatá ligar pra mim e tentar me consolar, e eu nem queria atender, eu preferia mesmo era ficar deitada vendo as horas levar as lembranças daquele olhar, mas minha amiga não merecia a minha incompreensão porque eu faria a mesma coisa que ela e não a deixaria passar sozinha por uma situação que a deixasse triste e ainda por cima, se eu não atendesse ao telefone ou não entrasse no MSN, em minutos ela estaria vinda a minha casa com o corpo de bombeiros, fazendo alarde como ela sempre gostou de fazer, mas pra que serve os amigos? Senão pra estender as mãos!

Tatá entrou no meu quarto como quem chega pra salvar uma vida, mas eu ainda estou viva apesar de sentir que meu coração já não sabe mais disso, e torna ainda mais difícil pra que eu possa sentir qualquer coisa além desse vazio. E eu não sei o que me acontece porque eu vejo em minha volta todas as meninas da minha idade e até mais nova vivendo seus romances, comentando sobre eles, pondo fotos com seus namorados em seus Orkuts e espalhando fotos e frases apaixonadas no twitter. E enquanto eu vou perdendo as chances sem reagir, e não me escondo fisicamente, mas algo não chega ao meu coração pra me fazer imaginar estar com outra pessoa.

“Júlia, você está bem, amiga?”
“sim, um pouco mais melancólica do que o de costume”, balancei a cabeça olhando pro vazio do quarto
“e foi essa tarde que te deixou assim”, tatá ergueu minha cabeça com sua suave e pequena mão
“parece que eu já o esperava aparecer na minha vida, mas você lembra-se da última vez que eu pensei isso?”, perguntei desanimada
“já faz muito tempo que ele morreu e se você não abrir seu coração vai ser sempre assim, viver na tristeza e lembrança de algo que se foi e é claro que eu farei de tudo pra que você não viva assim”, tatá falou com muito cuidado porque ela sabe que esse é um assunto que eu não sei lidar ainda
“ainda é como se fosse hoje e eu sei que eu era nova demais e que aquele namoro nem era tanto assim, era mais coisa de duas crianças do que qualquer outra coisa, mas ele era meu amiguinho de infância, fazíamos planos de uma vida que nem tínhamos idéia de como seria. A gente falava em consertar tudo que existia de errado no mundo”, as minhas lágrimas desciam geladas pelo meu rosto
“mas, tipo assim, você pode seguir em frente, cuidar disso! Você é uma pessoa tão centrada, sabe o que quer fazer, é decidida, é corajosa e é linda. Você estuda, faz cursos, tem planos de ser medica, desde que te conheço você diz que vai ser medica e que vai atender quem não pode pagar e eu nunca te vi sendo idiota com ninguém, sempre soube respeitar os outros, e é tão generosa, Júlia”, tatá me olhou profundamente nos olhos cheia de compaixão

“hoje, eu senti essa vontade ao ver aquele garoto na lanchonete, pude imaginar o quanto seria maravilhoso estar com ele por ai de mãos dadas”, fechei os olhos e me joguei na cama
“Júlia! Cara, você vive na cidade mais linda do mundo, o melhor lugar pra se viver um grande amor, tipo assim, você já se deu conta disso?”, ela se jogou ao meu lado na cama
“não! E vou me trocar pra ir trabalhar”, respondi escondendo o meu rosto
“olha só, a gente mora no Leme, estamos na divisa com a Urca logo no inicio, temos o bairro de Botafogo ali atrás e Copacabana no final, e esses são lugares mais belos desse planeta...”
“está ótima de geografia, amiga!”, interrompi-a abruptamente levantando da cama


“estou falando sério, fofa! Você já foi a ‘Roca do Leme? ’, perguntou curiosa
“isso é algum barzinho?”, minha expressão já mostrava que eu nem tinha idéia do era esse lugar
“Não, sua lerda! É um mirante privilegiado, com vistas da praia Leme e Copacabana, e é ótimo pra passear com um namorado”, ela suspirou por longos segundos e depois deu uma gargalhada
“você conhece esses lugares?”, eu balancei a cabeça positivamente antes que ela respondesse
“cara, vou te dar um desconto porque você está encalhada!”, disse ela rindo e me abraçando “é claro que eu conheço meu namorado, o idiota do Beto sempre me leva a lugares assim e por que você acha que estou apaixonada por aquele Mané?” e virou-se e olhando pro teto deu uma longa risada
“apaixonada, eu duvido que esteja amiga! E onde mais você já foi?”, quis saber já que esses assuntos de namoro sempre foram evitados por mim
“eu queria muito estar, mas sei que não é amor o que sinto, mas vamos voltar a você. Na Pedra do Leme, tem o “Caminho dos Pescadores”, uma plataforma construída sobre a pedra e ao redor dela, aonde sempre encontrará o pessoal pescando e é ótimo pra ficar ali vendo o mar...” ela deu uma breve pausa e depois uma nova gargalhada

Nem sei se tatá percebia que meus olhos saiam faíscas enquanto ela falava e suspirava e eu imaginando eu e o garoto desconhecido passeando nesses lugares e sendo felizes e foi quando uma brusca pergunta vazou do meu pensamento.
“como vamos achá-lo?”, disse quase num berro, largando a roupa que eu tinha escolhido no armário
“não se preocupe com isso! Mesmo sem te consultar, eu já pedi a Roseane e a Dinha pra correr atrás disso. E como eles estavam ali e saíram a pé, devem morar aqui no leme também ou nas proximidades e nós faremos plantão no Mc Donald’s e se eles foram lá uma vez devem voltar. Não será difícil, e não dizem que o mundo é pequeno?”, ela novamente riu
“amanha, após a aula vamos lá?”, fiz a pergunta rindo
“nem vou te responder, sua lesada”, e erguendo o travesseiro pra me tacar, apanhei o outro e começamos a nos bater com os travesseiros.



Passou quase toda semana e nada de encontrá-lo e Roseane com suas idéias brilhantes entrou numas comunidades sobre botafogo, Copacabana e Urca, e contou a estória dando bons detalhes do que aconteceu no Mc Donald’s da avenida: princesa Isabel naquela tarde e deixou meu MSN pra contato e isso bastou pra que eu não tivesse mais sossego no meu MSN tamanho foi à apresentação de garotos dizendo ser o ‘tal’ garoto. Que coisa escrota!


Liguei pra Roseane querendo apertar o pescocinho dela de tanta raiva, mas é impossível ficar com raiva dela, ela é uma fofa, um docinho e assim que ela atendeu foi logo perguntando toda cheia de entusiasmo.
“ele apareceu?”, e eu pensei sim ‘milhares’ dele, mas me calei e respondi delicadamente
“ainda não, mas logo vai aparecer!”
“ele deve usar computador senão ele não é deste mundo, ele tem que ter Orkut...”, disse ela intrigada
“deve ter sim, Roseane!”, falei em tom de conforto
“ah, amiga, a sua mãe está ai?”
“nossa! Tipo assim, cara, faz quinhentos anos que não vejo a minha mãe, saio pra ir trabalhar e quando chego a noite, ela só chega bem mais tarde do que eu, acho que vamos ter que entrar em comunidades pra achá-la também”, Roseane riu do outro lado “é que eu quase nunca vejo a mamãe, ela está sempre por ai decorando apartamentos e só aos domingos é que a vejo”
“então, é sobre isso mesmo! A minha mãe quer ir ao próximo sábado ao Rio Designer Center e queria que ela fosse com ela pra poder comprar algumas peças aqui pra casa ela deixou todo o recado aqui pra eu te passar na segunda-feira e só agora é que eu vi na minha penteadeira”, ela mesma riu de seu descuido
“pode deixar que vou mandar uma mensagem pelo celular pra ela agora mesmo avisando sobre isso e pedindo a ela pra ligar pra sua mãe”

Desliguei o telefone e voltei ao computador pra limpar o meu MSN, antes de sair pra ir trabalhar e confesso que lá no fundo tive a vontade de que o plano de Roseane desse certo, afinal não seria assim tão impossível. A verdade é que meu mico agora estava na net e agora já são dois em um, tudo por conta da boa vontade da minha amiga linda que eu quis matar só um pouquinho.
A cada clique de delete em alguns MSNs que eu adicionei vinha aquela incerteza sobre encontrá-lo, mas agora não daria mais pra voltar atrás dessa busca e as meninas estão empolgadas porque é a primeira vez que elas me viram querendo tentar algo além de estudes e planos pro futuro.

O fim de semana chegou rápido, num dia tão cinza e abafado quase incomum quando agosto está no seu final e todo sábado é dia sagrado de estar no Leme Tênis Clube pela manha e as meninas já me esperando no hall de entrada do prédio em que eu moro.
Ao descer Roseane veio até a mim com uma expressão triste em seu rosto e eu achando que fosse pelo recado pra minha mãe e fui logo dizendo que minha mãe já havia ligado pra mãe dela e tinha acertado a saída delas à tarde, mas ela estava triste por não ter me ajudado e eu abracei-a e beijei-lhe seu rosto e disse que ainda vai acontecer e que ela ainda vai ver isso de perto e que vamos sair todos juntos porque afinal já não era mais gostoso bancar a vela todo final de semana.




Capitulo 02

No Tênis Clube, tudo que eu fazia era me misturar entre os que procuravam alguma atividade física, muito embora eu não me encaixasse totalmente em fazer exercícios físicos em locais fechados, e academia era mais um ponto de encontro com as amigas e o que eu gostava mesmo era de malhar na praia e nas ruas do meu bairro sem a presença de tantas pessoas juntas, detesto ser observada.
A minha capacidade física era algo que me orgulhava, mas nunca seria uma atleta profissional como meu pai sempre disse que eu seria, e eu mantinha sempre muito desanimo ao ver tanta gente malhando juntas. Minhas amigas brincavam dizendo que eu era esdrúxula demais e que sempre faço questão de ser ‘o patinho feio’, mas a verdade é que não me vejo ali como aquelas pessoas, nos aparelhos como se sugassem a vida deles, se esforçando cada vez mais pra obter algo e confesso isso me cansa demais.

Então, estar naquele ambiente que parecia mais um local de teste pra NASA e como as pessoas agindo como ratos de laboratório, sempre tão igual em seus movimentos. O ambiente muito claro e cheio de espelhos espalhados pelas paredes, o carpete fino no chão, algumas imagens em pôsteres de pessoas que mais pareciam robôs do que um ser humano, pesos espalhados ao longo dos corredores, um infinito número de toalhas de rosto e eu ali, percebíamos que podia passar despercebida, mas se olhassem de verdade, veriam a tristeza em meu rosto.

Vagando entre os aficionados e aparelhos cada vez mais moderno e pronto pra torturar uma vida, avistei do outro lado do prédio numa das quadras de tênis, o garoto do Mc Donald’s, e meus olhos gelaram, na verdade congelaram, permaneci inerte, desorientada, e minhas pernas deixaram de me obedecer por alguns instantes. As lágrimas já saiam dos meus olhos, e àquela hora não seria a de chorar e sim, de agir, mas como mandar no coração, se tudo que ele faz nessas horas é ficar parado. Fui caminhando lentamente e esbarrando em tudo que vinha pela frente, pessoas, aparelhos e tudo que eu queria era chegar até a porta de saída e ir para a quadra de tênis.

Mas, o que falar com ele quando chegar lá, eu não fazia idéia do que dizer e novamente parei e congelei-me toda, eu não sabia o que fazer o que dizer e comecei a me sentir muito idiota. E ele certamente veria a palidez que tomara conta do meu corpo todo, e todo esse meu nervosismo não seria tarefa fácil de esconder, e o resultado desse encontro poderia ser devastador, ou ele me acharia uma maluca ou que eu estivesse passando mal.







Dinha que estava na outra quadra de tênis ao me avistar andando feito um zumbi, veio ao meu encontro, com um ar de preocupação.
“você está bem, gata?”, aquela pergunta ecoou na minha cabeça e apesar da minha aparência física não demonstrar a fragilidade que carrego por dentro, naquele instante eu devia estar mesmo horrível.
“sim, estou!”, murmurei
“não parece! Você está muito pálida, absorta e lerda”, ela resumiu tudo de uma vez só
“Olha naquela outra quadra ali adiante!”, apontei discretamente para o garoto
“Meu Deus, é ele mesmo! Você o encontrou, minha amiga!”, disse pulando e me agarrando sem parar
“Calma, calma”, pedi
“tá esperando o que?”
“eu não sei o que fazer!”, disse envergonhada
“Putz, vamos até lá e vamos nos apresentar e certamente ele vai se lembrar de você também!”, afirmou ela me arrastando pelo braço

No pequeno trajeto fui tentando organizar as palavras e tentar não dar nenhum vacilo depois daquele desastre na lanchonete, mas eu mal podia me recompor porque Dinha praticamente me arrastava na direção dele. Ele ali tão perto de costas pra mim, seus braços fortes saiam da camisa branca de pólo, a bermuda branca apertada mal cabiam as coxas dele e ainda tinha os bolsos cheios de bolas de tênis, mostrava que ele também era um dos associados do clube e seria ele um jogador profissional de tênis? Ao pensar nessas possibilidades senti que minha condição física voltava ao normal.

“Oi!”, disse Dinha em tom todo meloso

Ao se virar, os olhos dele vieram de encontro aos meus e eu fiquei petrificada e mal conseguia sorrir ou abrir a boca pra dizer uma palavra sequer,
E ele ali me encarando sorrindo.

“você é a garota do Mc Donald’s, não é?!”, ele não havia esquecido e me chamou como eu e minhas amigas o chamavam ‘o garoto do Mc Donald’s’
“sim, eu sou aquela desastrada”. Foi só o que pude dizer
“procuramos pro voce até pelo Orkut”, Dinha falou rindo
“sério? Como fizeram isso?”
“Cara, tu não faz noção... a nossa amiga entrou em algumas comunidades, ah é uma longa estória... diz aí, voce mora aqui no Leme?” perguntou Dinha olhando para mim
“moro no morro da Babilônia! Vocês estão precisando de alguma coisa?”, perguntou ele mudando o tom de voz “é que eu não posso conversar aqui, estou trabalhando no momento, e se me pegarem de conversa terei sérios problemas, uma das normas é não conversas em horário de serviço”, alertou ele


O olhar de Dinha em minha direção parecia estar dizendo pra eu me afastar dali, correr e salvar a minha vida, e eu olhando em seus olhos de perolas negras pela segunda vez e nem identifiquei o que estava sentindo, era como se uma festa de fogos de artifícios houvesse começado a explodir bem ali na minha frente.
“e daqui mais ou menos 01 hora estarei livre e se quiser ainda podemos conversar se vocês estiverem por aqui”, disse olhando diretamente em meus olhos e eu mordi os lábios inferiores e prendi um sorriso pra não deixar escapar que estava feliz escutar o que ele acabara de falar
“vou esperar sim”, disse sorrindo colocando as duas mãos pra trás e balançando a cabeça de um modo feliz
“estarei lá na área do remo, mas precisamente no píer”, disse apontado para o píer lá adiante

Nós nos despedimos dele e fomos atrás das meninas e pelo caminho eu podia ver o descontentamento de Dinha que nem fazia questão de esconder que não gostara nada do que acabara de presenciar.

“Cara, você não está pensando em ir lá e encontrar com ele, está?”, ela perguntou isso aflita se jogando na minha frente pra que eu parasse de andar
“claro que vou! E se voce não quiser ir lá, eu não vou te impedir! Mas, por que eu não deveria ir lá?”, perguntei cruzando meus braços
“você ainda pergunta! Aquele garoto só vai trazer problemas para a sua vida...”, disse colocando as duas mãos na cabeça
“do que está falando?” quais problemas?”, minha reação era de desconcerto total
“você ainda pergunta! Esse garoto mora no morro, caramba!”, a voz dela ficou insuportável dentro dos meus ouvidos
“e só por isso tenho que me afastar dele?”, a minha voz já estava um tom acima
“você não está vendo isso da forma correta, Júlia...”
“caraca! e como é pra se ver, anh, me diga por que eu não vejo problema nenhum nisso!”, eu já não controlava mais a minha emoção e nervosa começava a chorar

Vindo correndo em nossa direção, Tatá e Roseane chegaram, e eu me senti aliviada em vê-las ali, e sabia que a reação delas não seria igual a de Dinha que agiu como se eu tivesse prestes a cometer um crime ou que eu fosse jogar a minha vida fora.

“o que está rolando aqui?”, perguntou tatá
“vocês duas estão brigando, amigas?”, Roseane foi falando e entrando entre mim e Dinha como se quisesse evitar que uma agredisse a outra
“é que eu encontrei o garoto do Mc Donald’s aqui”, contei apenas a metade da estória



“que maravilha! Onde está ele?”, disse Roseane procurando primeiro com os olhos e depois girando a cabeça pra encontrá-lo
“qual era então daquele bate-boca? Eu não entendi porque vocês suas estavam brigando, podem me explicar que discussão era aquela?”, tatá desconfiava que algo estivesse errado e quis saber
“é que o garoto trabalha aqui e moro na Babilônia e provavelmente seja pobre e Dinha quer que eu me afaste dele”. Expliquei com tristeza estampada no rosto e uma angústia em ter que esperar a reação delas pra saber se será igual à de Dinha
“não entendi! Tipo assim, cara, ser pobre é ter uma doença contagiosa!”, Roseane disse olhando com indignação pra Dinha
“se ele trabalha aqui é porque ele está tentando fazer algo de bom com a vida dele, isso já mostra que ele tem valor de caráter”, finalizou tatá
“vocês duas acham que eu deva ir me encontrar com ele no píer daqui a pouco?”, perguntei em voz baixa
“você vai deixar escapar a sua chance de ser feliz por causa de uma aceitação estúpida?”, a mão de tatá veio de encontro ao meu rosto e ergueu a minha cabeça

Durante a minha vida toda escutei meus pais falando sobre não usar a injustiça para punir ou escapar de um julgamento e, eu cresci vendo meus pais tratarem a todos com respeito, carinho e gentileza e porque agora eu teria que fugir dessa situação, e é chegada uma hora em que você tem que acompanhar a sua ideologia.

Eu realmente não sei por que a Dinha ficou agindo daquela forma, reprovando com os olhos depois que soube da condição do garoto, e até a poucos dias atrás estava me ajudando a encontrá-lo, e morar na favela para ela foi a gota d’água pra ela entornar o balde em cima de mim.

“que horas vamos encontrá-lo? ’”, a voz suave de Roseane desmanchou meus pensamentos
“logo!”, disse timidamente
“escuta aqui, Júlia! Se ele não prestasse, eu jamais concordaria com uma aproximação sua, morando numa favela ou numa cobertura na Viera Souto, eu jamais daria força pra você estar com ele”, tatá se aproximou de mim e me deu um longo e carinhoso abraço
“obrigada!”, agradeci encostando a cabeça no ombro dela e olhando cheia de compaixão pra Roseane
“olha só, eu não quero bancar a bruxa aqui! Eu apenas disse o que eu penso que vai acontecer, mas eu não quero ser a chata...”, cheia de si Dinha nem terminou a frase e se juntou ao abraço e depois veio a Roseane




Ficamos abraçadas por alguns instantes e eu tinha que mudar a minha expressão preocupada antes de estar com ele ou estragaria o primeiro encontro da minha vida amorosa.
“que tal bebermos um suco na cantina antes do grande momento da Júlia?”, disse tatá com suas mãos pequenas em sua cintura fina
“a gente podia brindar aos dois novos apaixonados porque se ele não estiver apaixonado pela Júlia, eu bato nele!”, a risada sempre generosa da Roseane ecoou pelas quadras

Eu sabia que eu queria muito estar com aquele garoto desde a primeira vez que eu o vi, e eu não sei por qual motivo as meninas não repararam nele como eu reparei, e foi como se elas não tivessem o visto como eu pude ver. Será que isso é o amor que aconteceu naquele instante, foi naquele momento que eu comecei a gostar dele, mesmo sem saber seu nome ou qualquer coisa da vida dele. E tudo que eu sei é que eu quero mesmo estar com ele, e ainda nem tenho um nome pra chamá-lo, mas meu coração diz que tudo que eu preciso saber estão nos olhos dele e ali, eu não vi nada que me fizesse querer desistir dele, e ao contrario aqueles olhos negros me encantaram.

“vamos logo pro píer! Já brindamos ao casalzinho”, puxando uma a uma, tatá impacientemente foi seguindo na frente

Pela primeira vez na minha vida, eu estava indo ao encontro de algo que eu não pensei que pudesse existir pra mim, e eu me sentia forte, segura e feliz e diferentemente de tudo que eu já conquistei anteriormente, desta vez era algo que me fazia sentir boba e infantil.

“depois que a gente saber algumas coisas sobre ele, a gente vai deixá-los sozinhos e vamos ficar de longe assistindo porque não vamos querer perder um detalhe dessa cena inédita, a Júlia namorando num lance desses...”, Roseane adiantava as coisas numa facilidade e inocência incomum
“quem disse que vamos namorar? Nem sabemos se ele já tem uma namorada...”, revelei o meu receio que devia estar quieto no meu subconsciente
“o destino não seria tão burro em unir duas pessoas que não podem ficar juntas! É claro que vai rolar!”, a afirmação dela parecia uma frase desses filmes românticos, mas seria mesmo injusto comigo se ele já tiver namorada
“nem vamos pensar nessa possibilidade, vamos acreditar no que disse a Roseane”, tatá também tinha aquela ruga de preocupação na testa, mas procurou mostrar segurança


Eu que tinha apenas o desejo de morrer sozinha sem nunca ter sido amada, via um clarão explodir diante dos meus olhos e mudar todo o destino que eu achava que estava preparado pra mim porque eu via isso acontecer tantas vezes, menos comigo e agora acontecia e era verdade.

Ele veio chegando e notei seu andar reto acompanhando os seus olhos que pareciam gostar de encontrar os meus, e com um olhar arrasador, ele me deixava nervosa, estruturada e mexida. Educadamente ele cumprimentou as meninas e antes mesmo de alguém falar alguma coisa, ele abriu a boca e se apresentou.

“eu me chamo Evandro, prazer”, aquilo pareceu um trovão saindo da sua boca e alcançando os meus ouvidos
“Cara, você tem NA... MOR... ADA?”, perguntou Roseane num ímpeto que nem tive como tapar a boca dela apesar de ter tentado
“não, eu não tenho namorada!”, ele respondeu sorrindo
“desculpe a minha amiga, ela é meio sem graça”, disfarcei minha vergonha, mas meu rosto deve ter corado porque eu o sentia em chamas
“nós vamos dar um role pelo píer e assim vocês podem conversar em paz”, tatá saiu carregando as meninas

Pronto, agora era eu e ele e nenhum medo ia me deter de ter o que eu queria, e enquanto ele falava, eu ia olhando seu rosto, pescoço, ombros e voltava aos olhos negros e sorridentes. Eu queria tocá-lo, chegar mais perto dele, e eu sentia que ele não estava alheio a minha presença também, mas eu continha os meus impulsos indo contra a minha vontade. E olhando em seus olhos é que eu percebi o quanto era solitária a minha existência, e porque parece que já vivi além da idade que tenho, é que uma pessoa sozinha a vida fica mais longa e chata.

Eu havia enterrado o meu coração e sem perceber eu fazia isso a cada dia em que eu me levantava da minha cama e ia até a minha penteadeira e me olhava no espelho, e aquele reflexo que eu via de mim mesma todos os dias, não pertenciam a mim, era de outra pessoa que eu pensei que eu conhecia. O perfume dele entrava por minhas narinas, a minha cabeça girava lentamente ao som das palavras que ele soltava no ar, e no meu rosto um sorriso feliz ficava indo e vindo e tudo em nossa volta ficou em silêncio.

O mar ali tão perto, a um passo de onde estávamos os barcos mais adiante ancorados, atletas remando ao nosso redor, o cheiro da água do mar, o sol refletindo na água, perfeito. De vez em quando o sol refletia no rosto dele e eu podia me ver dentro de cada olho dele, e era mesmo, eu estava nele e era ali que eu queria ficar pra sempre, dentro dos seus olhos.

Eu estava além dali esperando que ele gentilmente colocasse seus braços em volta da minha cintura e me puxasse pra perto dele e com seus lábios tocasse nos meus, mas eu não pedi por isso e ele não faria aquilo se eu não desse um passo nessa direção.



“você disse que mora na Babilônia, e eu tive um contato com aquele morro num outro dia, estava passando com meu pai de carro de manha pra ir para o cursinho e ouvi uma musica vindo lá de cima e foi a primeira vez que minha atenção foi levada até o morro...”, eu olhei pra ele e ele estava sorrindo
“as pessoas têm mesmo esse distanciamento do que seja favela, não se sinta culpada, envergonhada, talvez, mas culpada não!”, desta vez, eu é que fiquei séria
“para quem sempre sonhou em salvar o mundo, eu devo mesmo me sentir culpada”, disse cabisbaixa
“que musica chamou sua atenção naquela manha?”
“era da banda nigthmare of you...”, antes mesmo que eu dissesse o nome, ele completou
“I want to be buried in your backyard…”
“sim, era essa mesmo... como sabe?”, fiquei curiosa
“toda manha, a radio da comunidade coloca musica e eu passo lá toda manha onde um amigo trabalha e ficou um tempo com ele e eu pedi pra ele colocar meu MP3 pra tocar e escolhi essa musica que eu adoro”, eu podia ver os olhos deles brilharem
“você também acredita em destino?”, quis saber
“claro que sim! Por que você acha que eu coloquei aquela musica naquele instante em que você passava bem lá embaixo?”, disse rindo e tocando pela
segunda vez em meus cabelos e no meu rosto
“não brinque com isso, por favor!”, pedi
“quem disse que estou brincando?”, ele insistiu em olhar dentro dos meus olhos e por longos segundos segurei a minha respiração para que ele não pudesse escutar nada além das batidas aceleradas do meu coração e que assim, ele soubesse o que se passava dentro do meu coração
“o que será depois disso?”, interferi no silêncio
“venha comigo na favela, quero te mostrar algo e não se preocupe você vai estar segura”, aquele convite pareceu tão honesto
“o que quer me mostrar lá?”, minha voz tremula denunciava o meu medo
“você não quer salvar o mundo? Então, essa é a sua chance de ver algo que vai te fazer um bem maior, confie em mim, apesar de ter acabado de me conhecer”, a força daquelas palavras me livrou do medo
“quando?”, perguntei
“agora mesmo! Não posso perder a chance de estar lá com você!”, sua boca se abriu num belo sorriso
“vamos! Deixa eu só avisar as minhas amigas que vou sair com você”, levantei a cabeça e toquei com a minha mão no rosto dele fazendo um carinho tímido e sorrindo tão próximo do rosto dele que podia sentir o ar saindo dos seus pulmões e vindo direto no meu rosto.






Capitulo 03

Fui andando em passos primeiramente lentos e a cada metro, olhava por cima dos ombros pra dar uma olhada nele, e soltava um sorriso doce e assim que me distanciei os passos já foram mais apressados e meus olhos procuravam pelas meninas, tinha que contar aquela novidade. E não conseguia conter meu nervosismo, afinal eu estava prestes a fazer algo diferente de qualquer coisa que eu tenha feito, e estava com meus nervos a flor da pele, e assim que me aproximei delas prendi a respiração e contei o que eu faria a seguir.
“Meninas, vocês não tem noção aonde eu vou agora! Eu vou lá à favela!”, deixei que elas mastigassem a noticia antes de continuar a contar
“tá maluca?”, Dinha se descontrolou
“que barato, Júlia!”, sorriu Roseane
“cara, explica isso direito!”, pediu Dinha
“então, a gente estava conversando e vocês lembram que eu contei a vocês sobre aquele dia nessa semana que eu escutei aquela musica vindo da favela e tal... vocês nem vão acreditar... era ele que tinha colocado...”
“você vai subir à favela por conta de uma musica que escutou naquele dia?”, Dinha me cortou abruptamente colocando sua mão no meu ombro
“claro que não! É que eu tinha falado sobre nunca ter prestado atenção naquela favela e que passava ali diariamente, e logo eu que sempre tive o sonho de salvar o mundo e disse estar com vergonha de ter sido tão negligente a esse respeito e ele me convidou pra subir com ele e que ele quer me mostrar algo lá em cima...”, enquanto falava eu observada cada expressão nos rostos de cada uma delas
“amiga, você sabe que eu sempre estou ao seu lado pra tudo, e se você acha seguro ir até lá e acha que pode confiar nesse garoto, eu te dou a maior força, mas peço que deixe seu celular ligado e nos envie mensagens enquanto estiver por lá até a hora que descer tudo bem?”, o carinho e cuidado na voz dela era quase tocável
“e se seus pais souberem disso, o que dirá a eles?”, a pergunta de Dinha tinha uma atmosfera pesada
“assim que eles chegarem à noite, eu contarei a eles, Dinha, não se preocupe com isso”, às vezes é difícil me segurar pra não ser desagradável com ela
“tire fotos de lá, Júlia!”, pediu Roseane dando pulinhos
“vocês estão todas loucas! Parece que a Júlia está indo subir no corcovado! Gente, hellow! A Júlia está indo pra favela! Eu sou a única lúcida aqui! Olha o perigo que essa garota vai correr por conta dessa estupidez”, os gestos agitados com os braços e os rodopios que Dinha fazia mostravam que ela estava realmente preocupada comigo
“Dinha, eu sei que está falando assim porque se importa comigo, mas amiga, eu senti que quero fazer isso e vou fazer e se for algo ruim e eu perceber qualquer risco, eu juro que jamais volto lá, prometo! Confie em mim, eu nunca fiz nada de errado...”, segurei as mãos dela sorrindo
“Firmeza! tudo bem, Júlia! Mas, eu ainda acho isso tudo muito sem noção!”, ela sorriu de volta
“vou indo, meninas!”, despedi tentando deixá-las menos aflitas

Estávamos na entrada da favela agora, e havia bastantes pessoas transitando, crianças indo para escolas sozinhas, outras acompanhadas, motos descendo e subindo, um movimento intenso e eu observando a tudo em silêncio e de vez em quando sorria palidamente pro Evandro. Começamos a subir as escadarias e a favela foi-se abrindo diante dos meus olhos e eu pensando que os moradores pudessem se sentir ofendidos com a minha presença, mas não é esse o clima, e eu estava sendo muito bem recebida por onde passávamos.
Subindo a favela tive suprimir a minha tristeza, para que ela parasse de me afogar por dentro porque não era nem justo que eu me sentisse tão sem vida e inútil depois de presenciar aquilo que ia se desvendando diante de mim, e percebi que todas as minhas inquietações e angústias não tinham nenhuma importância ou valor diante de tudo que eu estava vendo.
Evandro, talvez para que eu pudesse ter a minha própria idéia, mantinha-se calado e apenas segurava a minha mão e me olhava com compaixão, e como eu suava frio nas mãos. Algumas pessoas o cumprimentavam o chamando de ‘eva”, o que eu estranhei mas, não pedi pra que ele me explicasse porque eu estava entretida e não queria perder o foco. Os moradores não são passivos a presença de pessoas que eles sabem que não são moradores, pessoas que estão ali apenas visitando e eles reconhecem esse olhar e lança seus olhares também, e um desafio para eles como é para quem está ali como eu, visitando, tirando fotos de tudo. E com cuidado, eu tirava algumas fotos, e enviava pras meninas, mandavam mensagens de textos, mas eu não sabia se algumas pessoas estavam gostando que eu tirasse fotos de seus barracos e sua favela, e contudo, eu fingia estar escolhendo o que fotografar enquanto continuava a subir por entre estreitas escadas.
Perdi a dimensão entre risco e segurança, mesmo não esquecendo onde eu estava e o que estava fazendo ali, mas o sentimento era bom e não causava nenhum medo e agora, o que acho incrível é que em todos esses anos eu nunca imaginei que ali pudesse existir aquele tipo de vida. As crianças sorridentes brincando na pracinha, mães com seus filhos batendo papo despreocupadamente, outras crianças jogando bola, tudo o mais normal possível e toda a minha tensão desapareceu. Paramos num ponto e eu pensei que ele quisesse que eu descansasse um pouco, mas ele queria me mostrar cinqüenta crianças em idade entre cinco e catorze anos que jogam xadrez duas vezes por semana, participam de aulas naquela escolinha com um mestre fide do jogo, terceira categoria mais alta do xadrez profissional. Fiquei absolutamente encantada com a disciplina delas e revi todos os meus conceitos, parecia que um véu cobria a minha face durante todos esses anos, e tirei algumas fotos porque falando seria difícil que lá embaixo alguém pudesse acreditar nisso.






Passando mais adiante escutei um som de violino e dei de cara com uma garota de aproximadamente 15 anos e um garoto de uns 13 anos num quintal em pé com os violinos em seus ombros tocando afinadamente e imediatamente, Evandro me disse que eles fazem parte de um projeto social da prefeitura na rede pública de ensino que dá aula de musica erudita aos alunos e de técnica vocal. Minha visão desabou de vez, Mozart na favela, eu fiquei de braços cruzados, parada, imóvel e lúcida como jamais pude estar, e as fotos agora tinham outro sentido, não era mais pra registrar barracos, mas sim pessoas e vida.
“está gostando?”, Evandro com sua voz perto dos meus ouvidos me trouxe de volta ao chão
“eu não tinha noção disso!”, suspirei
“não pense que aqui sempre foi assim, e garanto que se fosse há algum tempo atrás jamais traria você aqui em cima, mas agora aqui tem a policia pacificadora, uma unidade UPP e depois que eles se estabeleceram aqui e acabaram com o trafico de drogas, o morro vive em paz e depois de mais de trinta anos de abandono, serviços sociais estão chegando, como coisas simples; coleta de lixo; luz; creches; um posto de saúde e outras coisas”, disse entusiasmado
“é, eu estava em outro planeta mesmo! Nem tinha idéia que isso estava acontecendo aqui, acho que há um bloqueio na mente de quem vive lá embaixo em tudo que diz respeito à favela”, um rubor tomou conta do meu rosto
“não fique assim, as coisas mudam e não vai ser preciso que todos subam aqui pra ver as coisas boas acontecendo”, havia muita empolgação na sua voz
“era isso que você queria me mostrar quando me trouxe aqui?”, perguntei
“não! Voce me disse que queria salvar o mundo, e então quero te mostrar algo”, nem terminou a frase e me puxou pela mão e ainda fui andando e escutando a musica do violino.

Chegamos ao ponto mais alto da favela e Evandro sem largar a minha mão, cobriu meus olhos com a outra mão e pediu que eu fechasse bem os meus olhos, e quando ele tirou a mão, e disse que eu podia abrir, eu deixei um suspiro sair e cortar o silêncio.
“Nossa, que coisa linda!, meus olhos já haviam visto o pão de açúcar muitas vezes, mas daquele ângulo, jamais
“eu gosto de olhar daqui a Urca, a praia vermelha, Botafogo...”, ele ia me mostrando os lugares e os detalhes absolutamente lindos vistos dali

As lágrimas saiam dos meus olhos, uma alegria boa ria dentro de mim, eu nem dava mais importância aqueles lugares, e agora, eles pareciam novos, nunca vistos por mim, tinham vida nova.







Evandro passou um braço por cima dos meus ombros, e eu segurei a sua mão e encostei a minha cabeça no peito dele e notei que o céu era muito azul, e de um azul claro intenso, as poucas nuvens no céu eram brancas e espalhadas parecia uma tela pintada e um samba do Zeca pagodinho, a mesma musica que eu ouço sempre na minha casa estava tocando em alguma casa por ali por perto.

“o que está pensando, Júlia?”, Evandro me perguntou com delicadeza
“nesse céu azul lindo!”, respondi
“não a culpo por isso, Uma pesquisa promovida pelo site "The Blue Sky Explorer",(o explorador do céu azul) escolheu, entre 19 concorrentes em seis continentes, o céu do Rio de Janeiro como o céu mais azul do mundo seguindo os critérios do NPL-The Nacional Physical Laboratory”, eu olhei para o rosto dele e ri timidamente
“então deixa que eu vou tirar umas fotos dele e mandar pras meninas e escrever uma mensagem de texto pra elas”, meu riso saia fácil
“seu GPS está ligado?”, brincou
“meu celular tem GPS, tá!”, devolvi a brincadeira rindo

As mãos dele seguraram meu rosto de forma gentil, mas segura, e eu não queria fugir dali, e ele ficou olhando nos meus olhos, fazendo com que eu me sentisse congelar por dentro, meu coração saltava do meu peito, e eu sabia o que estava prestes a acontecer naquele instante. Mas, esse momento dava mais tremor, e minhas mãos caíram em seu peito e se acomodaram ali, abertas, espalmadas, firmes e um calor começou a descongelar o meu coração, e estávamos tão próximos um do outro, os corpos unidos, colados, minha pele queimava e ele inerte, seus olhos negros brilhavam, era o instante que eu sem perceber desejei acontecer.
Seus lábios desceram e espremeram gentilmente os meus, a boca recebia o beijo, e movi minhas mãos pras costas dele e o apartei contra meu corpo, de forma que aquele beijo durasse por toda uma vida e imediatamente minhas pernas ficaram bambas, e minha respiração foi sumindo, e eu suspirei forte, como um afogado que acaba de receber uma respiração boca a boca e que voltava a vida. E era assim que eu me sentia voltando a vida sendo salva de mim mesma, por alguém que eu acabara de conhecer e que já tinha de mim, o que eu tinha de melhor.

“era isso que queria me mostrar?”, respirei um pouco mais forte pra que ele entendesse o que queria dizer
“ainda não!”, e ele voltou a cobrir meus olhos e disse: “só abra quando eu disser”, e foi me levando vagarosamente e cheio de cuidados, a mão na minha cintura e a outra a frente dos meus olhos cerrados, e os meus pensamentos sobre o que mais ainda eu tinha para ver ali, e os pensamentos iam de um lado para o outro e ainda não podia abri os meus olhos, e tinha apenas que confiar e esperar.



Quando finalmente meus olhos foram liberados, eu estava diante de uma construção enorme e uma enorme placa na entrada que dizia:

‘Coopbabilonia; Ecoturismo, Reflorestamento e Responsabilidade Social
Uma das mais belas Unidades de Conservação cravada entre os dois mais famosos pontos turísticos da cidade do Rio: A Praia de Copacabana e o Pão de Açúcar. Você vai conhecer agora, os trabalhos de ecoturismo, o reflorestamento e os serviço social do Morro da Babilônia’.

“esse é o meu segundo trabalho, faço parte do grupo de reflorestamento da Babilônia”, e novamente eu vi seus olhos brilharem
“nossa, essa mata aqui é reflorestamento?”, minha aflição na voz até me assustou
“sim, essa área toda estava desmatada, os animais silvestres dessa região desapareceram, tem aqui na parede uma foto de como estava toda essa área, venha ver aqui”, ele abriu a porta e eu pude ver a foto enorme na parede e tinha uma frase embaixo dela que dizia:

‘Nunca mais será assim!’

“venha que quero o viveiro, onde tem muitas plantas!”, a animação tomava conta dele

Saímos correndo por dentro do mato, passando por trilhas, e ele segurando a minha mão; cheio de cuidado, seguia na frente e eu sem conseguir saber como eu podia sentir tanta alegria.

Mais uma placa enorme com os dizeres:

‘O VIVEIRO COM AS ESPÉCIES NATIVAS DA MATA ATLÂNTICA ENCANTA A TODOS QUE CAMINHAM NA TRILHA DA BABILÔNIA E É UM IMPORTANTE PONTO DE PARADA DURANTE A CAMINHADA, ONDE O TURISTA TEM UMA PEQUENA AULA DE MEIO AMBIENTE E PRESERVAÇÃO’.

“quer dizer que vem turista aqui sempre?”, eu perguntei
“sim, mas tem os dias especificados lá embaixo na pedra do leme senão pode ser prejudicial à mata e toda essa conservação que fazemos aqui”, respondeu
“estou adorando tudo isso, Evandro!”, disse baixinho
“então, me deixa falar com o meu amigo pra ele ir lá a radio e colocar uma musica pra gente escutar enquanto te mostro algumas espécies de planta”, ele se virou e caminhou até a um garoto que estava um pouco mais adiante e abriu a sua mochila e tirou seu MP3 dela e passou pro garoto, e ainda pude escutar ele dizendo algo sobre a faixa 19 e logo estava vindo em minha direção todo feliz



“qual musica pediu pra tocar?”, minha curiosidade é maior do que a minha capacidade de ser surpreendida
“não sei! Mas, espero que goste dela”, ele sorriu
“seu bobo!”, ri de volta
“é que eu esqueci no caminho de volta”, ele riu novamente
“eu não sou curiosa, tá?”, virei às costas pra ele fingindo aborrecimento
“logo começa a tocar e você vai me perdoar por ter esquecido o nome da musica”, brincou
“se for uma musica ruim, você vai conhecer o meu outro lado ou pensa que eu seja essa garota frágil o tempo todo?”, ameacei
“espero nunca despertar esse seu lado selvagem”, disse se afastando de mim e colocando as duas mãos na frente como se eu fosse atacá-lo
“eu não disse que era selvagem!”, acabei de dizer e fui pra cima dele tentando tirar suas mãos da frente

E pensar que um dia atrás tudo que eu tinha dentro de mim, era medo, dor, vazio, desilusão e falta de vontade, um cansaço que me impedia sentir, e agora aqui estou no meio de um vendaval de sentimentos bons, devorando tudo por dentro, lutando por mim, fazendo com que eu me sinta bem. Eu passei tanto tempo me recusando a sequer pensar numa possibilidade dessas, que achei mesmo que eu fosse escapar ilesa de uma tristeza penitente que já era crônica pra usar um termo mais justo.

E de repente começou a tocar Interpol no alto-falante, e ele veio pra mais perto de mim ficando ao meu lado, e num gesto rápido, passou a ficar frente a frente comigo e colocou suas mãos na minha cintura e ficou olhando em meus olhos por alguns segundos e disse baixinho com a voz mais doce do mundo:
“venha ver como eu faço pra salvar o mundo!”
E eu apenas obedeci e segui-o por entre as arvores e chegamos a um viveiro lindo, cheio de mudas e a musica ecoava dentro da minha cabeça e ele ia descrevendo cada planta e com uma emoção que parecia uma criança que vê seu brinquedo embaixo da árvore de natal pela manha
“qual é o nome da musica que está tocando?”, aproveitei que ele ficou em silêncio
“No, I in threesome”, respondeu sorrindo
“vou baixá-la assim que chegar na minha casa, quero guardar esse momento pra sempre”, meus olhos saltavam faíscas
“quer se recordar da musica?”, ele estava tão envolvido com as plantas que achei que não me notava ali
“quero lembrar tudo e principalmente que não preciso mais ter medo de nada”, eu murmurei
“do que tinha tanto medo?”, perguntou virando-se pra mim






Lembrei quando uma vez estava me sentindo tão perdida, que colocava toda a minha energia em coisas superficiais, coisas que mal fazia sentido, e mesmo sabendo que aquilo não me levaria a lugar nenhum, eu continuava empenhada a fugir, apenas pra não sentir o meu coração.

“agora sei que todo meu medo era o de não sentir nunca isso que você está me dando hoje!, minha felicidade falava por mim e Evandro veio lentamente pra perto de mim e pegando a minha mão, ele falou suavemente
“mas, isso não vai ser sempre assim! Você já parou pra pensar quem é você e quem sou eu?”, o suor foi caindo da testa dele e escorrendo por seu rosto
“somos seres humanos, apenas isso!”, o sol forte começava a deixar ainda mais quente onde estávamos
“vai haver uma guerra quando isso chegar aos olhos do mundo lá embaixo, especialmente sob o olhar do seu pai e de sua mãe”, as mãos dele tremiam
“eles vão entender”, eu me sentia exposta as duvidas dele porque por instantes atrás elas pertenciam a mim também
“eu não quero que você sofra por minha causa e se preciso for te proíbo de me procurar e você vai prometer agora, aqui, que vai ser sincera sempre e me contar sempre a verdade e nunca vai esconder nada de mim!”, suas palavras estavam mais pesadas e pareciam cheias de pedras
“sempre serei sincera com você e espero que também seja sempre sincero comigo”, eu queria um abraço, um gesto que me fizesse mostrar que eu estava agindo corretamente
“então, me deixa dizer que farei tudo que puder pra que sempre possa se orgulhar do namorado que tem”, e seus braços alcançaram a minha cintura e me puxando contra seu corpo, Evandro deixou seus lábios tocarem nos meus e outro beijo aconteceu, mas desta vez, foi um beijo cheio de carinho e proteção

Percebi que ele também tinha um medo guardado, um pavor que toma conta do corpo e da mente, e eu me sentia tão pesada como se minhas roupas que eram uma blusa comum de algodão e uma bermuda de linho, que pareciam feitas de chumbo, me puxando pro chão, pesando. Mas, eu conseguia ficar de pé e passar que ali era a melhor realidade que eu tinha presenciado, e que era ali que eu queria estar e Evandro era essa realidade, era aquilo que eu sonhava quando ainda nem estava dormindo.

“qual é o seu medo, Evandro?”, a pergunta saiu gentil, mas, como uma flecha pontuda e cruel
“uma vez, quando eu nem tinha completado dois anos, a minha mãe cansada de viver na miséria abandonou meu pai e a mim, em muitas vezes eu consigo até entendê-la e perdoá-la, é difícil viver sob pressão, de olhar adiante e não ver esperança. E vi meu pai sofrer durante anos da sua vida porque ele a amava, e quando eu já estava com 12 anos, eu decidi tentar fazer meu pai voltar a ser feliz, e prometi a ele a mesma promessa que fiz a você hoje”, a voz embargada e emotiva dele me deixava tão sensibilizada


“deve ter sido tempos difíceis pra vocês dois”, temporizei
“e vai ser pra nós dois a partir de hoje, Júlia!”, ele me manteve em seus braços todo tempo
“sim, eu sei”, disse com minha voz carregada de tristeza
“como vamos sair dessa estória, sem sair machucados?”, o abraço ficou ainda mais apertado e um silêncio varreu toda a mata por alguns instantes
“não sei, não sei”, repeti
“você consegue esquecer tudo que houve aqui hoje? Porque se você for capaz disso, a gente pode evitar qualquer sofrimento possível...”, eu senti medo com aquelas palavras e com a palidez que tomou conta da pele negra dele
“você consegue?”, devolvi a pergunta
“não consigo te esquecer desde o dia lá no Mc Donald’s e depois de hoje, eu teria que esquecer a mim mesmo pra poder esquecer você”, seus olhos estavam lacrimejados e vermelhos, mas escutar aquelas palavras foi de certa forma um alivio muito grande
“eu também não quero e não vou fazer nada para te esquecer, nunca!”, eu tinha definitivamente saído do local onde eu estava escondida nesses anos e estava ali totalmente exposta


É claro que nenhum de nós dois podíamos fazer um plano em longo prazo naquele momento, mas saber o que a gente estava sentindo era obvio demais pra ser desonestos e fazer do medo mais uma vez a nossa desculpa de não querer nem tentar. E eu podia estar querendo voltar a viver confortavelmente segura na minha casa ou simplesmente continuar fingindo estar vivendo como eu fazia durante esses anos, e mesmo contra a vontade dos meus pais que sempre me aconselhavam sair, namorar, ver pessoas de verdade, além das minhas amigas.

“assim que meus pais chegarem, eu contarei a eles tudo isso que estou vivendo, e vou confiar em tudo que eles sempre passaram para mim, e seja o que Deus quiser!”, estava decidida a não esconder dos meus pais
“você está certa, e deve ser honesta com eles, afinal você deve respeito a eles em primeiro lugar! Por favor, pegue seu celular e anote meu numero e passe seu numero pra eu anotar no meu”, eu fiquei olhando pra ele sem me mexer e ele tirando o celular do seu bolso e pronto, números anotados e e-mails pra variar
“liga a qualquer hora, eu vou esperar ansiosamente pra saber de tudo, e se eles te proibirem, apenas obedeça aos seus pais por mais que isso doa, apenas faça o que eles mandarem, tá?”, a preocupação dele era tão exata e honesta que sua voz ficava ainda mais carregada e saturada de carinho
“pode deixar, eu vou ligar sim e não fique preocupado assim, vai dar tudo certo, essa é a primeira vez que faço algo além de cursos, estudos, viagens, afinal, eu mereço um desconto, não acha?”, brinquei




Capitulo 04

“vamos descer que está ficando tarde e ainda quero te mostrar a minha casa”, havia tristeza nas palavras que ele acabara de dizer

Sua mão parecia não querer soltar da minha, fui caminhando com a cabeça baixa, olhando pro chão, os cabelos caindo no meu rosto, às pernas seguravam o peso do meu corpo e suas toneladas pousadas em meu ombro. Uma das minhas mãos enfiada no bolso da bermuda pra disfarçar a minha apreensão, e era claro que eu preferia continuar ali, vivendo o meu dia perfeito, mas acontece que a realidade sempre tem dois lados, embora eu estivesse muito feliz, a tristeza da insegurança do que aconteceria a seguir tirava do meu rosto toda alegria que devia estar alojada nele.

“aqui está o meu lar, Júlia!”, parado diante de uma casa ainda não terminada, com tijolos expostos, na frente, uma porta de ferro com o vidro trincado de fora a fora, e entre aquela porta duas janelas, que não tinham o mesmo desenho da porta. No pequeno quintal havia um monte de areia lavada, e uns sacos de cimento em cima de uma madeira, cobertos com outra madeira, um pouco de entulho e uma gambiarra com uma lâmpada para clarear o quintal. E uma antena do tipo 24dBi, estranha,depois eu percebi que era pra suar internet sem fio que é dada de graça pros moradores dali.
“vamos entrar!”, eu me convidei
“sim! Mas, eu espero que você se recupere logo!”, ele ficou sério
“do que tenho que me recuperar do quê?”, perguntei assustada tirando a mão do bolso
“do susto da visão da minha casa! Aposto que algo assim jamais foi visto por você!, inclinando-se para abrir o portão, ele o empurrou e gentilmente espalmou a mão encurvando-se diante de mim. A casa por dentro não combinava com a fachada, a sala era clara, tinha um jogo de sofá creme, uma mesa de centro de vidro, a televisão pequena pendurada na parede e na outra parede um quadro de um ovo frito e da sala podia-se ver a cozinha tão pequena que mal cabia uma geladeira branca e na mesma cor um fogão e um armário de duas portas na parede.
“pode pegar um pouco de água pra mim?”, pedi sedenta
“claro! Sente-se! Vou trazer a água num instante!”, voltando com um copo na mão, ele sentou-se ao meu lado
“não parece uma casa onde vivem dois homens sozinhos!”, disse bebendo a água gelada








“eu e meu pai somos organizados e estamos terminando essa obra pra que pelo menos na parte de dentro, a casa fique do jeito que queremos”, ele se encostou ainda mais no sofá e esticou as pernas
“pronto, já me recuperei! Podemos ir agora?”, levantei-me e fiquei olhando pra ele quase deitado no sofá
“ainda quero te mostrar o meu quarto...”, sua mão alcançou a minha e ele foi me conduzindo ao quarto “é aqui que eu gosto de estar quando o dia chega ao fim, ponho umas musicas pra tocar no meu MP3, abro a janela e veja o que eu vejo antes de me deitar”, ele abriu a janela e dava ver algumas montanhas lá atrás do pão de açúcar, lindas chegando até o mar, a água azul do mar, as montanhas, a cidade, combinação perfeita da natureza
“Lindo demais, Evandro!”, falei extasiada com aquela imagem lá fora
“sabe Júlia, um dia eu vou poder comprar um barco e vou passear por ali, eu gosto de ver lá em botafogo os iates ancorados, daquele ponto que te levei hoje, eles todos ficam branquinhos feitos papel picado na água
“então foi por isso que disse que gosta de olhar pro Botafogo, e pra Urca, o que te atrai lá?”, me aproximei da janela aberta e fiquei de frente pra ele colocando minhas mãos no batente e sentei-me na janela esperando a resposta dele.
“talvez a estória do bairro, que meu pai não cansava de me contar, sobre a TV tupi, e antes havia o cassino da Urca, que além de jogos, tinha um belo teatro e até o Walt Disney já esteve ali, e dizem que o Zé carioca foi criado para que o Brasil se aliasse aos Estados Unidos a segunda guerra mundial, mas o Walt Disney, o criou dentro do Copacabana Palace pro ter gostado muito da sua visita ao Rio e do povo carioca que quis deixar um presente, os amigos dele disse na época que ele ouviu muitas piadas de papagaio em suas passagens por aqui no Rio, e o morro onde o papagaio vivia era essa que ele via lá da Urca. A Carmem Miranda se apresentava ali no teatro semanalmente e meu pai dizia que a minha mãe gostava de escutar essas estórias sobre a Urca porque ela queria ser atriz, e eles começaram a namorar em 1980, ela tinha 16 anos e foi nesse mesmo ano em que foi fechado e a TV tupi teve seu fim e hoje lá no lugar do cassino da Urca está o Instituto Europeu de Designer”, eu o observava falando e sua expressão ficava distante
“vocês não tiveram mais noticias dela?”, percebi que aquele assunto era delicado ainda pra ele, mas eu não podia me omitir porque era visível a falta que a mãe dele fazia em sua vida












“meu pai comprava a revista manchete direto, e estava sempre se informando através de jornais pra ver se ela havia conseguido se tornar atriz depois que foi embora, mas eu nasci em 93 e ela foi embora com quase trinta e dois anos, ela já estava fora do padrão pra essa área artística e meu pai disse que eles esperaram por treze anos pra que pudessem ter o filho porque durante esses anos de namoro e noivado, eles batalharam essa chance dela se tornar atriz, e dele conseguir fazer com que conjunto de pagode conseguisse tocar por ai; mas não havia dado certo e eles resolveram fazer essa peça rara que está aqui com você agora”, abrindo totalmente os braços e com um sorriso pálido no rosto, ele ficou tentando rir


“e ela teria muito orgulho do que você é hoje, Evandro!”, tentei confortá-lo
“ainda espero dar muito orgulho ao meu pai, sei que ele se esforçou para que ela e eu tivéssemos mais chances, e isso chegou a impedi-lo de ser um bom cantor, hoje ele toca num conjunto de pagodes, com o pai do Gustavo e do Pedro numa casa de shows lá na Lapa. Ele deu toda força que podia dar a ela, dedicando todo seu tempo correndo atrás de oportunidades pra ela, e comigo faz a mesma coisa, me incentiva a estudar, a trabalhar. Muitos amigos que cresceram comigo se perderam se envolvendo no trafego, e esse apelido que você escutou algumas pessoas me chamarem, ‘Eva’, foi um amigo que botou porque ele queria que eu fosse com ele viver do trafico, e eu recusei e então pra me diminuir, ele passou a me chamar de ‘Eva’. Mas, meu pai sempre me orientou sobre isso e nunca vi encantos nessa vida, só tristeza e desolação”, seus olhos negros tinha agora um tom ainda mais forte
“que bom que seu pai te ajuda a ver...”, coloquei a mão em seu rosto suado e sorri gentilmente descendo da janela
“na semana que vem começo no Werneck, quero passar no vestibular para Biologia”, a expressão de surpresa que eu fiz ao escutar aquilo me denunciou de imediato
“sério?”, perguntei
“sim, por quê?”, rebateu
“naquele dia lá no Mc Donald’s, eu e minhas amigas estávamos vindo do Werneck, estudo lá também...”, meu riso saiu dos meus olhos
“ganhei uma bolsa integral do dono, ele vai ao Tênis Clube e uma vez conversando comigo, eu falei sobre meus planos e ele acreditou neles e me deu essa bolsa integral e essa foi a última semana que trabalhei lá no Clube e ele ainda vai me dar uma ajuda mensal pra eu poder me dedicar aos estudos. Ainda tem pessoas boas nesse país!”, ele olhou pra mim e seus olhos me atravessaram
“ainda bem que anjos existem! Podemos ir agora?”, ajeitei a blusa e os cabelos com as duas mãos
“Sim Júlia!”, ele passou por mim e foi fechar a janela




Começamos a descer as escadarias, e peguei o celular e mandei uma mensagem pras meninas, e ele deu uma risada com o canto da boca, mas não disse nada e fomos descendo em silêncio e aquele primeiro impacto que havia mexido tanto comigo desaparecera por completo, a visão dos barracos já não me agredia, e o incomodo que eu sentira ficou perdido pelo caminho. Minhas pernas estavam seguras, e meu corpo ereto, sem peso, sem culpa, sem aflição, apenas meus olhos acompanhavam as escadas, eu estava definitivamente feliz.


As meninas já me esperavam na porta do meu prédio, agitadas, com caras de quem esperava escutar a novidade que seria a cura do câncer. Dinha batia o pé esquerdo no chão, com sua mão apoiando seu cotovelo para que sua mão ficasse na sua boca, era sempre assim que ela ficava quando ela estava nervosa. Roseane sempre risonha, despreocupada e seus olhos demonstravam claramente curiosidade. Tatá balançava a cabeça pra cima e pra baixo e eu conseguia ver o carinho em seu rosto.

“vamos subir que, tipo assim, cara, eu conto tudo a vocês!”, e elas olharam juntas pra trás e me seguram em silêncio e no elevador entrou uma moradora junto com a gente, então elas tiveram que esperar estar em casa pra começar as perguntas que certamente todas tinham pra fazer, e mal abri a porta e começaram a me bombardear com as perguntas
“calma, gente! Deixa a Júlia contar tudo!”, tatá sempre apaziguando as coisas e enquanto elas sentavam no carpete e no sofá, fui apanhar meu laptop e o cabo do meu celular para passar as fotos
“gente, ele foi um fofo comigo o tempo todo!”, me joguei no sofá ao lado de tatá
“você não ficou com medo, Júlia?”, perguntou Roseane
“olha só, eu estava com medo sim, mas foi apenas quando chegamos lá, e depois foi misturando tudo, medo, desolação, angústia, pena, raiva, culpa... fiquei com o estomago embrulhado ao ver tamanha pobreza... eu nunca tinha visto tantas coisas juntas num só lugar, mas depois, eu me joguei na alegria e fui ficando melhor”, elas me olhavam quietas por instantes
“deu mole e ele percebeu como você estava?”, quis saber tatá
“sim, eu devia estar como se estivesse pendurada pelo pescoço me enforcando diante de tudo que eu estava vendo, é eu devia estar sufocada mesmo... mas, me deixa falar pra vocês de algo que eu não sabia e acho que vocês não sabem também...”, levantei e fui ao centro da sala
“o que é?”, perguntou Dinha
“vocês já ouviam falar em Unidade de Policia pacificadora?”, a minha perguntou provocou um profundo silencio entre elas
“o que é isso, Júlia?”, Roseane perguntou curiosa
“tipo assim,c ara, é uma policia que está lá na babilônia, eles chegam e ficam, e trabalham junto aos moradores, expulsam o trafico e passam a levar a garantia de segurança e têm creches, postos de saúde, luz, água e sei que falta muito ainda, mas, não tem mais o perigo que tinha e lá está como o Evandro disse ‘em paz’, expliquei andando de um lado para o outro na sala


Assim como eu, elas também nem faziam idéia que isso estivesse acontecendo em nossa volta, quanta omissão da nossa parte.

“é mesmo! Faz tempo que eu não escuto tiros lá!”, a ruga na testa de Roseane ficou visível com a expressão que ela fazia quase uma careta e todas caímos na gargalhada
‘“olha só, me deixa mostrar as fotos que eu tirei de lá”, apanhei o laptop e coloquei o cabo do celular e passei as fotos e sentamos no chão encostadas ao sofá

A cada foto que ia passando, eu observava o espanto no olhar delas, e as mesmas reações que eu tive, elas também tiveram ao ver a garota com o violino, os meninos jogando xadrez. Parecia que aquelas coisas só pertenciam ao nosso mundo aqui e que jamais alguém daquele mundo pudesse ter contato com esses objetos.

“Cara, tá tudo muito lindo, tá tudo muito certo, mas e ai, rolou?”, os olhos de Dinha fulminaram os meus e todas voltaram a ficar agitadas
“rolou!”, respondi envergonhada
“conta tudo, Júlia! Queremos detalhes!”, tatá virou-se de frente e cruzando suas pernas e braços e esperou, Dinha deitou de costas e Roseane permaneceu no mesmo lugar
“aquela foto que tirei lá do pão de açúcar, foi ali naquele lugar, olhando pra toda aquela beleza, foi fácil tentar, as montanhas lá embaixo, o mar encostando-se a elas, aquele céu azul, o sol forte, o vento... ele foi tão gentil e eu tão gelada, paralisada sem saber como me mexer, ele ali na minha frente segurando o meu rosto com as duas mãos e eu pensando ‘vai acontecer, vai acontecer, vai acontecer’... eu tão gelada pensava que ele ia me achar meio morta, e na verdade, eu estava morta até aquele segundo antes dos lábios de Evandro tocar nos meus”, passei a mão na minha boca como se a dele ainda estivesse ali, parada, viva.
“Meu Deus!”, gritou Roseane levantando-se abruptamente do chão
“temos que comemorar isso!”, tatá se levantou também e pegou meu Ipod e ligou nas caixas e colocou no volume Maximo e quando começou a tocar rock kills kid, ela abaixou o volume e disse que o nome daquela musica tinha tudo a ver com o meu momento. Todas ali no meio da sala e loucamente dançamos, pulamos, gritamos e cansadas nos jogamos no chão ao fim da musica.
“como é o nome da dessa musica?”, perguntou Dinha
“Dream”, respondi dando uma boa risada.






Mas, tinha que voltar a realidade, não podia esperar que ela fosse assim, tão fantasiosa e nem doce como aquele momento ali, todas juntas, rindo, dançando. Meu pai sempre disse que eu era uma ótima estrategista, então essa era à hora perfeita de mostrar tal habilidade, e fazer dessa conversa algo que possa ter começo, meio e fim. Peguei o meu laptop, e escrevi embaixo delas, e elas seriam mostradas a eles na hora certa e especialmente as do viveiro da coopbabilonia.

“o que está fazendo, Júlia?”, tatá veio se aproximando de mim com cautela
“preparando um plano pra poder conversar com meus pais daqui a pouco”, mordi os lábios apertadamente e meus olhos se encheram de lágrimas
“calma, amiga! Tudo vai acabar bem, voce vai ver!”, eu recuei assustada com a possibilidade de nada dar certo e tatá me abraçou carinhosamente
“nunca te vi tão feliz, Júlia e no começo fiquei super com medo, mas confio que tudo vai dar certo”, pela primeira vez senti cumplicidade em Dinha
“ele é perfeito, gente! Fui até a casa dele e ficamos sozinhos lá, ele falou de sua vida, da mãe dele que os deixou quando ele nem tinha dois anos, mas ele falava dela com tanto amor, e falou do seu pai, da força que ele deu pra mãe dele tentar alcançar seus sonhos e em momento algum, ele me tratou com menos carinho e ele vai estudar no Werneck ganhou uma bolsa do dono, esse garoto é tudo que eu não mereci ter até hoje”, voltei a me inclinar pra trás deitando sutilmente com a cabeça pra cima e as lágrimas começaram a sair e a molhar meu rosto.

As meninas sabiam que aquilo era real porque nesse tempo todo eu nunca fui capaz de admitir pra elas que todo meu medo era algo incompreensível e tolo, e agora, eu tinha a certeza de que tinha algo bom ali, ao meu alcance, e isso era a verdade, a vida, e todas silenciosamente me abraçaram.
Quando é que sabemos o que é que vai dar certo e ficar e nos fazer bem, quando é que sabemos quem somos e o que queremos, quando é que começamos acertar e se tudo fosse mentira, quando seria que a verdade começaria a ficar forte entre nós.
Eu tinha que começar, a saber, e mesmo sem responder a nenhuma pergunta dessas, eu tinha que começar a errar, acertar, a cair e a levantar ou eu sempre ia ser aquela garota frágil por dentro, que sentia que podia se quebrar a qualquer instante assim que escutasse o meu coração a bater, e se eu quero salvar o mundo, está na hora de salvar a minha vida.











“chega de tristeza, gente! Vamos bolar um plano”, bradou tatá
“conta pra ele desse mesmo jeito que você nos contou, que dificilmente eles serão contras”, Roseane falou olhando para o teto
“a Roseane está certa! Ninguém que te conhece te viu do jeito feliz que você está e quem te ama vai ver isso em você”, suspirou Dinha
“ser você mesma é o melhor plano, Júlia!”, disse tatá se levantando lentamente
“é... eu sei”
“então se sabe, levante essa cabeça”, estendeu a sua mão para eu poder levantar, mas as minhas pernas estavam desobedientes e preguiçosas depois de subir tantos degraus de escadas
“ainda temos umas as outras e não podemos nunca deixar que isso acabe”, disse tentando me equilibrar
“voce, Júlia, sempre nos apoiou em tudo e desde pequena me protegia na escola para que as outras garotas não implicassem comigo e somos mais que amigas, somos irmãs”, a voz de tatá estava cheia de lembranças
“cara, vocês são as melhores amigas que alguém possa ter nessa vida!”, minha voz estava áspera e parecia não querer sair da minha garganta e se havia uma hora certa de chorar teria que ser aquela, naquele abraço apertado, em meio a tantos braços, cabeças, cabelos e olhos.
“parecemos um bando de bebes chorões desse jeito!”, no meio de todas abraçadas a voz de Roseane surge baixinha e voltamos a dar gargalhadas
“agora estamos parecendo Bi-polar”, disse Dinha e demos uma alta e longa gargalhada
“ninguém vai calar os nossos corações”, eu não sei onde eu li isso, disse Roseane
“olha só, isso não foi na torcida do seu botafogo?”, perguntou Dinha
“ah sim, foi mesmo! Viu porque eu amo esse time!”, brincou
“ninguém cala o coração, mas seu time vive sendo calado”
“cala a boca, sua flamenguista”, gritou Roseane empurrando a Dinha
“ainda bem que nós duas torcemos pro flusão, Júlia!”, disse tatá me puxando pra perto dela para não ficar perto das duas que fingiam estar lutando espada no meio da sala
“vamos deixar as duas se matarem?”, perguntei
“não!”, respondeu tatá partindo pra cima das duas com uma almofada nas mãos e quando vimos havia almofadas espalhadas por toda a sala.
“cara, isso tá parecendo com o carnaval do ano passado, a gente indo atrás do bloco ‘garota de Ipanema’, com aquela multidão toda e a gente tacando espumas umas nas outras no meio de todo mundo”, eu me lembrei daquele dia que parecia esta tão distante em minha memória
“gata, você parecia que nem estava gostando de estar lá!”, Dinha nem terminou e levou uma almofadada no rosto
“eu adorei estar lá, amiga!”, eu ergui outra almofada pra me defender de um contra-ataque dela que ficou passando as mãos nos cabelos e rindo e as meninas prontas pra mais uma chuva de almofadas em mim e eu me vendo acuada no canto da sala tinha que pensar em algo que me tirasse daí urgente


“vamos ver um pouco de MTV?”, convidei e o convite foi logo aceito e elas desistiram do ataque final e voltamos a nos deitar no chão, passei as minhas mãos por meus cabelos, ajeitei-os pra trás e cerrei meus olhos encarando a televisão
“nossa, alguém chama uma ambulância para essa tal de Milley Cyrus!”, tatá detestava a Milley e tinha motivos, ela é tão ruim
“só falta começar depois aquelas retardadas do pussycat dolls, a MTV deve ser programada pela Roseane”, Dinha sabia que a Roseane gostava delas
“olha só quem fala! Sua Madonna de quinta!”, novamente as almofadas começaram a voar
“assim fica impossível escutar a Milley gemendo na televisão”, complemente o escárnio e levei uma almofadada na cara
“acertei a Júlia na cara!”, gritou Roseane de trás do sofá
“segura essa!”, mandei a almofada e a Roseane se abaixou e a almofada acertou a estatua de mármore em cima do apoio próximo a janela e caiu no chão se partindo em muitos pedaços
“Júlia você acertou o cara estranho da sua mãe, aquele que ela mandou vir da Suécia, ela vai te matar, amiga!”, disse Roseane
“ela vai matar a Júlia porque a Júlia está namorando um cara lá da favela e não por causa dessa estúpida estatua desse anãozinho feio!”, replicou Dinha olhando a estatua toda esparramada pelo chão e todas voltamos dar uma gargalhada
‘tó ferrada!”
“sua mãe gostava dessa estatua?”, a pergunta de tatá continha medo
“mais do que ela gosta de mim, amiga!”, minha risada saiu alta e nervosa
“pelo menos você não vai mais morrer BV, minha amiga!”, tatá falou e correu pra trás do sofá pra se proteger da almofada que estava na minha mão
“ajudem-me a limpar essa bagunça antes dos meus pais chegarem... tudo por causa dessa Milley Cruz Credo” eu resmunguei debochando do jeito que ela dança
“não fala assim dela, sua escrota”, defendeu Roseane
“tá bom!”, e continuei a imitá-la dançando e sem que ela pudesse ver e pelas costas de Roseane que não olhou pra trás enquanto se abaixava pra pegar pedaços do anãozinho pelo chão
“eu estou te vendo, Júlia!”, ela virou-se fazendo uma expressão de ódio
“cara, você precisa se livrar desse mau gosto, essa garota é muito ruinzinha!”,
Nem terminei direito de falar e Roseane partiu pra cima de mim feito louca gritando e rindo ao mesmo tempo e me jogou contra o sofá e as meninas gritando ‘briga, briga, briga’
“Socorro, socorro!”, eu gritava tentando tirá-la de cima de mim
“retire o que disse!”, Roseane falava segurando os meus braços
“tá certo! Ela é melhor do que Madonna, Lady Gaga, Lilly Allen e todas que existirem”, minha voz nem saia direito de tanto rir e Roseane finalmente me soltou e começou a dançar imitando a Madonna e todas jogamos almofadas nela, e limpamos toda a bagunça que fizemos, e logo depois as meninas foram embora, e eu comecei a reorganizar os meus pensamentos, e agora seria mais uma coisa pra contar e espero não sair machucada em nenhuma das duas coisas.
Capitulo 05

Meus pais na sala, livros sob a mesa, minha mãe parecia sentir falta de alguma coisa, buscava com os olhos o que presumia faltar, eu não queria falar da estatua antes do assunto principal. O olhar lento de meu pai passando pela página do jornal, a mão firme a segurá-lo, e eu no outro canto esperando que a coragem venha e tome conta de mim. Levantei e ergui a cabeça, fui com os olhos até a minha mãe e depois em meu pai, balancei a cabeça negativamente, pensando na estatua quebrada, deslizei as minhas mãos pela cintura e ajeitei minha saia e parei diante deles:

“preciso conversar com vocês dois!”, respirei fundo
“o que foi minha filha, quer fazer mais algum curso?”, perguntou meu pai sem tirar os olhos do jornal
“Não, papai! É algo que está acontecendo comigo!”, meu tom era claro que seria algo sério
“está doente, minha filha?”, minha mãe é sempre assim, tudo se resume a doença e dinheiro
“não, mamãe, eu não estou doente e nem querendo dinheiro!”, disse
“então, conte meu anjo, o que quer conversar conosco!”, tirando os olhos do jornal e o deitando-o sob a mesa, papai olhou diretamente em meus olhos
“eu conheci um garoto”, disparei
“conheceu?”, minha mãe levantou-se da sua cadeira predileta e olhou pro meu pai
“não me olhe assim, querida, eu não estou sabendo de nada disso!”, disse ele se ajeitando na cadeira
“sim, mamãe, eu o conheci nessa semana e ele se chama Evandro e tem a mesma idade que eu”, preparei tudo com tanto cuidado, mas agora para falar parece que uma bola de ping-pong se instalou na minha garganta
“eu estava ansioso esperando que isso acontecesse, filhinha!”, papai abriu um sorriso
“e como aconteceu isso?”, dos dois pais, meu pai sempre foi mais compreensivo e a minha mãe sempre foi mais racional e a sobrancelha abaixada mostra que não seria muito fácil explicar tudo
“eu, e as meninas estávamos no Mc Donald’s... e ele chegou lá com uns amigos... e nesse dia, bem, eu derrubei uma bandeja de uma senhora, e foi embaraçador... quando eu vi, ele estava me ajudando... mas, eu não falei nada com ele... só agradeci antes de sair”, eu falei mordendo os meus lábios
“um cavalheiro, muito bom!”, elogiou papai
“e depois... continue!”, parecia que eu estava na mira da minha mãe
“as meninas tentaram encontrá-lo no Orkut, mas não conseguiram e isso foi na segunda-feira e só hoje, no sábado e que a gente se encontrou novamente na no Clube”, que esforço eu estava fazendo e um nervoso intenso já me fazia sentir dor nos ombros e nas costas




“no clube...”, minha mãe não me dava espaço
“é lá no Leme Tênis clube... mas, o que aconteceu antes disso é que foi mais importante...”, minha voz estava mais baixa do que o de costume, e eu não consegui parar de passar as mãos em meus cabelos
“o que aconteceu de mais importante antes, se nem falou com esse menino direito?”, a pergunta de papai veio pra me salvar
“tipo, depois daquele dia eu ficava pensando nele o tempo todo, e tinha vontade de encontrá-lo novamente, mas eu nem sabia o nome dele”, minhas mãos agora estavam apertando uma à outra
“você está dizendo que se apaixonou?”, o rosto da minha mãe estava iluminado
“totalmente!”, respondi soltando as mãos “e ele trabalha lá no clube, e também trabalha para uma Cooperativa que faz reflorestamento da mata atlântica”
“minha filhinha encontrou sua alma gêmea, outro que quer salvar o mundo, igualzinho a ela, que lindo, filha!”, papai descruzou as pernas e ajeitou sua camisa com um ar feliz estampado no seu rosto e mamãe parecia saber que ainda tinha mais por vir
“mas, tem algo que ainda não disse sobre ele”, de repente um silêncio invadiu a sala “ele não tem uma vida como a nossa, de poses...”
“minha Júlia, eu sempre disse que o que importa numa pessoa é o caráter dela e não o que ela possui de bens”, meu pai nunca me deixa esquecer isso
“o Evandro mora na babilônia e eu fui até hoje!”, falei aquilo como se fosse uma bomba prestes a explodir
“a babilônia está dentro do programa de UPP, minhas amigas já foram lá umas quatro vezes, e eu ainda não fui por falta de tempo e inclusive a mãe da Roseane e da Tatá já estiveram lá”, a revelação da minha mãe e a calma dela devolveu a minha paz e calma
“amigos lá da clinica também já estiveram por lá e falaram muito bem do que viram”, meu pai falando e eu sentindo a minha adrenalina baixando
“e vocês não se importam que eu tenha ido lá sem pedir a vocês?”, eu e minha boca grande
“voce sempre mostrou juízo e confiamos que não tenha feito besteiras, e sabemos que se fosse pra fazer algo errado você nem teria iniciado amizade com esse garoto e é claro que devia ter dito antes e esperamos que na próxima vez, nos consulte e não faça nada sem nos contar”, corri em volta da mesa e abracei meu pai e depois abracei a minha mãe
“vou mostrar as fotos que eu tirei”, apanhei o laptop e comecei a mostrar as fotos na maior empolgação e quando as fotos e comentários acabaram meu pai me passou uma ordem
“pegue seu telefone e ligue pras suas amigas, pelo que eu conheço delas, elas devem estar nervosas achando que nós a afogamos na banheira”, disse ele ela rindo




“e depois ligue pro seu namorado e marque um almoço para amanha com ele aqui em casa e isso não é pra ser discutido, foi categórica a minha mãe
“mãe, tem mais uma coisinha...”, juntei toda coragem e respirei forte “eu quebrei aquela estatua que ficava ali no apoio”
“eu sabia que estava faltando algo aqui na sala, eu sabia!”, a voz dela não parecia estar com raiva, estava até calma demais, estranhei
“a senhora não ficou chateada?, eu tinha que saber afinal aquela estatua tinha toda atenção da mamãe
“por que eu ficaria chateada por causa de uma estatua de mármore que eu comprei no Rio Designer?, meu pai me olhou estranhamente
“Rio Designer? Aquela não é a estatua que veio da Suécia?”, meu pai é que perguntou levantando-se e indo onde a estatua ficava
“lógico que não! Aquela estatua do anão foi para usar na decoração daquele casal que comprou o sobrado da gávea. Aquela estatua que ficou aqui era de um menino com a mãozinha na boca!”, eu olhei pro meu pai e sentei na cadeira de boca aberta
“um menino com a mãozinha na boca, quem diria! Se eu soubesse disso eu teria chutado-a faz tempo”, ele olhou novamente pro lugar que o tal menininho ficava e riu
“isso quer dizer que vocês dois só suportavam o meu menininho porque vocês me respeitam tanto assim?”, minha mãe nos olhou nos olhos com aquele ar de se falar algo que eu não gosto todos vão apanhar
“não mamãe, a gente não respeita a senhora apenas, é que a gente ama a senhora”, e corri até ela e abracei-a cobrindo-a de beijos e meu pai que não é bobo nem nada, veio junto e ficamos ali rindo uns com os outros.


De repente, um dejavu, aquela cena aconteceu por duas vezes no mesmo dia com pessoas que eu amo mais que tudo nessa vida, e lembrei-me da ordem de meu pai e apanhei o telefone e liguei pras meninas, e elas me falaram o que minha mãe havia dito sobre as mães dela terem ido a favela, e antes mesmo de ligar pra falar com uma a outra já tinha ligado. E a minha felicidade estava impregnada na minha voz, e elas queriam por que queriam passar aqui e dar um jeito de comemorar comigo e então o almoço que a minha mãe mandou marcar, eu transformei num encontro com todo mundo, e assim não ficaria aquela coisa de ‘climão’.
Aquela noite quando eu entrei no meu quarto, eu olhei pra ele e ele nunca ficou tão iluminado, as rosas paredes, e a parede cinza, que eu nunca gostei antes, a mesa do computador parecia maior, minhas bonecas espalhadas pelo quarto, aquele ar de quarto de menina fresca tinha ficado tão bonitinho, a minha cama estava mais macia e com o celular na mão estava na hora de ligar pro Evandro e contar-lhe as novidades.





Deitada na cama, olhando pela janela, o olhar longe, vazio, procurando encontrar a mesma visão que estava na minha mente, o rosto de Evandro que eu cuidadosamente desenhara detalhando os olhos negros, a boca carnuda, a pele escura, eu podia até escutar a voz suave dele enquanto via aquele rosto na parede do meu cérebro.
“alo Júlia! Júlia é você!”, a voz vinha do aparelho
“Oi, Evandro! Sou eu sim, me desculpa, eu estava distraída aqui!”, disfarcei
“e então, como foi com suas amigas e com seus pais?”, a voz dele continha excitação, medo, apreensão e falta de ar
“o melhor possível! E eles mandaram eu te convidar pra almoçar aqui em casa! E não se preocupe, as minhas amigas vão estar aqui com seus namorados também! Eles querem apenas te conhecer, tá?”, fui abrindo os olhos devagarzinho e ainda podia ver o rosto dele
“seus pais são ótimos, agradeça a eles por me convidar, mas se você puder passar o endereço seria muito bom, também”, uma risadinha gostosa veio do outro lado da linha
“anota ai, EVA!”, desta vez a risada foi minha
“se você contar esse meu apelido para alguém, eu prometo que vou pensar num pra você. Meu amigo de infância teve uma coceira uma vez pelo corpo e eu passei a chamá-lo de ‘urtiga’ e esse apelido acompanha ele até hoje”
“tá bom, EVA! Não vou contar a ninguém”, novamente a minha risada saiu forte e do outro lado eu podia escutar claramente ele morrendo de rir junto comigo
“estou preocupado com o que devo vestir Júlia!”, o tom dele parecia mesmo preocupado
“o que você quiser vestir! Depois do almoço vamos ficar na piscina, então se quiser tomar banho venha preparado”, alertei

A noite pareceu ter mais horas do que o normal e demorei a pegar no sono, imaginava a cena de Evandro aqui em casa, e por mais que eu tentasse dormir mais vinham imagens dele passeando por aqui de mãos dadas comigo, mas o cansaço do dia me alcançou e depois de muito me virar pela cama, o sono finalmente me atingiu.

Acordei com o sol batendo em meu rosto, ainda sonolenta, me levantei cambaleando e fui direto ao banheiro, tentando abrir os olhos diante do espelho, com a escova de dente na mão e os meus olhos insistindo em ficar fechados, comecei a escovar automaticamente e terminei longos minutos depois e fui tomar meu banho ainda sem disposição nenhuma. Eu saí do banheiro me sentindo um pouco mais acordada, como é ruim acordar cedo depois de acordar a semana toda.








Abri o meu armário e fiquei olhando e aquele tom monocromático dentro dele, e eu percebi que preciso de mais cores em minhas roupas, pensei comigo mesma. E escolhi um biquíni florido no armário, apanhei uma bermuda jeans, uma camiseta Hering cheia de flores desenhada, e calcei minhas havaianas novas e dei uma boa olhada no espelho e pensei: ‘perfeita’.

Todos já haviam chegado, e estavam circulando entre a sala e a saída que dava pra piscina, a minha preocupação com a demora de Evandro fazia com que minha atenção aos demais resumisse apenas em olhares e sorrisos amarelos, e era notável que eu me sentia angustiada com a ausência dele, e respondia o que me falavam evasivamente, e a cada segundo olhava pro celular na minha mão, chegando a ligá-lo pra ver se estava funcionando, se podia haver alguma coisa de errado com ele.
Eu andava de um lado para o outro, num estado de nervo que estava me deixando péssima, e todo meu humor sumia rapidamente, eu estava incapaz de participar dos risos, conversas e danças em que todos faziam tão naturalmente, sem perceber que meu coração se apertava a cada instante que passava. Cansada de esperar, liguei pro celular dele, e escutei uma voz que não reconheci de quem era a voz estava travada, baixa e quase inaudível.

“é você, Evandro?”, um sim veio do outro lado, mas foi apenas um som fraco que eu consegui escutar
“por favor, venha aqui embaixo na portaria, rápido, Júlia”!, O tom dele mexeu comigo

Chamei meu pai no canto da sala porque pressenti que havia algum problema, a voz de Evandro parecia assustada, e escutei uma sirena que parecia de ser um carro de policia ou algo parecido. Meu pai nem argumentou, e pegando na minha me disse pra que eu e acalmasse pra que ninguém percebesse e assim pudéssemos descer e resolver o que estava pudesse estar havendo lá embaixo; e saímos sem que ninguém percebesse e no caminho até o elevador, meu pai foi me abraçando carinhosamente e repetindo ‘esta tudo bem, Júlia’, mas eu sabia que algo estava errado, só não sabia o que podia ser.

Abriu a porta do elevador, e vi Evandro perto da parede próximo ao balcão da portaria do prédio, ele estava visivelmente desconfortável, e perto dele um dos porteiros e dois policiais, e um deles falava num radio, segurando o que parecia uma identidade. Ali, eu percebi que havia algo de muito errado e adiantei os meus passos nervosamente em direção a eles, e alguns moradores do prédio passavam amedrontados, se apressando pra entrar no elevador que ficara atrás de mim.






“O que houve Evandro?”, falei me aproximando dele
“Você conhece esse rapaz, menina?”, perguntou o outro policial que estava perto do porteiro
“Sim, ele é o meu namorado e eu esperava por ele! Algum problema?”, respondi sem me virar pro policial e abracei o meu namorado
“senhores, posso ajudá-los em alguma coisa?”, a voz firme do meu pai atrás de mim me dava à segurança de que tudo ia ficar bem, ao menos ali naquele instante
“Dr. Arnaldo, eu peço desculpas ao senhor! Mas, Eu acionei a policia quando este jovem entrou aqui na portaria dizendo que desejava ir ao apartamento na cobertura, sem ao menos saber qual o nome do morador. Lamento o ocorrido!”, justificou
“Senhores, agradeço a vinda de vocês, mas está tudo bem e foi apenas um mal-entendido!”, meu pai queria que os policiais fossem logo embora pra diminuir o constrangimento que aquela situação estava causando a Evandro.
“positivo! Vejo que tudo já foi esclarecido aqui!”, disse o policial que estava com a identidade de Evandro em sua mão e devolvendo-a, saíram do prédio
“Evandro, peço mil perdões a você por isso e espero que isso jamais se repita!”, educadamente meu pai se desculpou e estendeu sua mão para cumprimentá-lo, mas sem tirar os olhos do porteiro que sentindo o que fizera se mantivera cabisbaixo
“Obrigado, Sr.! Não precisa se desculpar!”, Evandro estava envergonhado, mas cumprimentou meu com sua cabeça estava erguida
”Evandro, eu deveria estar aqui esperando por você, e juro que se eu imaginasse que isso fosse acontecer jamais lhe deixaria passar por uma situação dessas e logo na minha casa”, ele não me culparia por aquilo, mas a sua expressão era penosamente suportável e eu abracei-o suavemente
“acho que eu devo ir embora?”, quase parei de respirar com a pergunta dele em meus ouvidos
“nem pense nisso! Vamos subir e esquecer tudo isso! Todos já estão lá”, insisti e deixando seus braços, encarei seus olhos com ternura para que ele pudesse deixar de lado por instantes tudo que ocorrera minutos atrás e pudesse ficar bem.

Tomamos o elevador em silencio, quase tudo estava bem, mas eu sabia que algo havia se quebrado, e eu não queria falar na frente do meu pai, e me sufocava com as palavras presas na garganta, e imaginava o que se passava na cabeça de Evandro, a decepção na sua primeira vez na minha casa, a confusão e humilhação que ele sentiu, apenas porque entrou no meu prédio. Seria algo que teria que ser conversado embora o dia não fosse adequado para aquele tipo de conversa, mas era questão de tempo depois que chegássemos lá em cima.





Entrei abraçada a Evandro procurando confortá-lo com meu carinho e assim que as meninas nos viram se aproximaram sorrindo e foram logo apresentando os seus namorados, tatá e Roseane, porque Dinha estava sem namorado e o namorado de tatá, o Beto, era um pouco mais velho do que ela e parecia estar curioso em relação a Evandro, mas limitou-se apenas a cumprimentá-lo e talvez a esperar pra saber mais sobre o garoto que havia me conquistado.

Faltava apresentá-lo a minha mãe que estava em seu quarto e eu queria que fosse algo bem rápido, afinal mãe é mãe e quem sabe o que ela poderia perguntá-lo, e eu não queria embaraçá-lo mais, e também eu não queria deixá-lo sozinho alias ir atrás da minha mãe, e então decidi esperar por ela ao lado dele. Dançamos um pouco, demos umas risadas tímidas, mas no seu olhar havia resíduos da vergonha que ele passara, e ainda não tinha coragem de iniciar a conversa, mas me enchi de força e o chamei para ir à piscina.

“cara, eu estou super envergonhada e qualquer coisa que eu diga não vai tirar da sua cabeça o que você passou lá embaixo, e sei que isso poderia ter sido evitado se eu não fosse tão omissa...”, ele botou a mão delicadamente na minha boca e fez um ‘shhhhhh’ baixinho
“eu sei que foi chato, mas já aconteceu e agora é hora de deixar isso pra lá, e eu nem pensei em culpá-la, e sim pensei que eu devia ter tomado cuidado, e o porteiro não errou também, eu nem sabia o nome do seu pai quando ele perguntou e hoje em dia, as pessoas estão assim, cheias de neura com qualquer coisa, então deixa de se preocupar e logo vai passar e ficar tudo bem! Eu não vou desistir de você, Júlia!”, eu não respondi, apenas balancei a cabeça e sorri e vi minha mãe do outro lado com meu pai, e essa seria a chance de evitar que ela fizesse varias perguntas a Evandro
“venha! Vou te apresentar a minha mãe”, e sai arrastando-o pela mão

Minha mãe parecia alheia a todos, seus olhos olhavam diretamente pra mim, e seus olhos me diziam ‘é esse o tal garoto!’

“mãe, esse é o Evandro!”, fui fria e dispersiva querendo mostrar a ela que estávamos ali pra nos divertir e não pra um interrogatório, mas com a minha mãe não tem como negociar, ela olhou-o de forma educada e começou a bombardeá-lo com perguntas
“você é o garoto que minha filha conheceu no Mc Donald’s outro dia e a fez ficar mais alegre em uma semana do que em seus dezessete anos”?, Eu não sabia onde enfiar a cara, e abaixei a cabeça e quis me enterrar viva
“se ela está feliz então sou eu mesmo, esse garoto ai!”, disse ele timidamente, com um risinho quase infantil no rosto



“Não faça a minha filha perder esse brilho nos olhos, meu filho! E temos que ver como e quando é que vocês vão fazer para se encontrar quando for aqui, combinar os dias, passar algumas regras...”, meu pai disse algo no ouvido da minha mãe, mas ela ainda insistiu “que foi, Arnaldo? Eu quero que o namorado de Júlia saiba que estamos torcendo por esse namoro, mas que temos os nossos limites, só isso!”
“mãe, assim ele vai achar que eu estou desesperada e encalhada!”, disse rindo pra disfarçar a vergonha e meu pai sentindo o clima ruim e afastou a minha mãe pra sala, e eu sorri de um jeito que mostrava toda a minha vergonha e embaraço, com as mãos passando nos cabelos, e os lábios cerrados, eu tentava ao menos mostrar um sorriso um pouco mais aberto.
“cara, tipo assim, isso foi assustador!”, eu disse passando as duas mãos nos meus cabelos e abrindo os olhos aos céus
“comparado ao que houve lá embaixo, isso foi fichinha! Acho que estamos quites por hoje!”, ele disse com a voz normal
“não tenho duvida que você passou por numa situação muito pior, de injustiça e tudo mais, mas acho que vou ter pesadelos nessa noite”, eu disse com a minha voz tremula
“tudo isso valeu a pena porque estamos aqui, juntos!”, ele me abraçou apertado e com cuidados
“eu também não vou desistir de você, Evandro!”, prometi retribuindo a ternura daquele abraço
“vamos entrar antes que comecem a me odiar por te roubar da presença deles lá dentro”, ele olhou ao redor e eu vi que só havia nós dois lá fora


As meninas estavam no meio da sala fazendo uma rodinha e os meninos dançando funk no meio e as risadas ecoavam no ambiente, e assim que nos viram começaram a gritar ‘dança, dança, dança!’, Evandro olhou para mim com um ar de quem pede socorro e eu achei que fosse por ele estar com vergonha de ficar no centro das atenções.
“eu não sei dançar funk!”, ele disse entre os dentes
“eu também não! Apenas se balance de qualquer jeito”, disse rindo

Os olhos de todos se voltaram pra nós dois, e desajeitadamente e fora de ritmo tentamos fazer alguns movimentos, e Evandro disfarçando começou a fazer uns passos junto comigo, e desse jeito, conseguimos aliviar os olhares, e não éramos ótimos dançarinos, mas brilhamos diante deles

“quando acabar esse freak-show que estamos fazendo, vamos descer e ir comer um dogão que tem ali na esquina do seu prédio pra compensar isso tudo”, Evandro dançava desajeitadamente lindo e eu adorando a idéia de ir comer um dogão que meu pai diz pra eu comprar um carrinho só pra mim, enquanto minha mãe sempre diz que eu vou me arrepender quando eu tiver uns trinta anos de tanta porcaria que eu como na rua, mas o que fazer eu amo comida de botequim, e tem cada prato de enlouquecer essas modelos magérrimas e se elas entrassem em algum desses botequins daqui, elas iam engordar só com o cheiro.



Capitulo 06

Depois que todos começaram a ir embora e com eles a tarde ia junto, eu sabia que eu tinha que descer com Evandro, temia que houvesse algum comentário perto dos meus amigos, acho que eu queria protegê-lo de qualquer comentário que o fizesse ficar triste. E estávamos todos indo ao trailer pra nos deliciar com o dogão da esquina, e acho que isso estava aliviando um pouco a pressão.
Quando passávamos pelo balcão da portaria, ainda olhei por cima dos meus ombros e dei uma olhada para o porteiro que apenas me cumprimentou com a cabeça e voltei mais aliviada e sorridente, entrei no meu quarto e me joguei na cama, sentia o cansaço que o stress provoca meus ombros e pernas doíam de verdade, pensei em me levantar e tomar um banho pra relaxar, mas a preguiça foi mais forte e continuei deitada olhando o teto.
Ainda não tinha conseguido colocar os pensamentos em ordem e me colocar no lugar do Evandro e sentir o que ele sentiu, mas eu tinha na mente o quanto aquilo foi desagradável pra ele e isso me tirava à paz de espírito.

Cansada e com os pensamentos indo e vinda na minha mente, eu não consegui ficar deitada, fui para o computador, e abri meu Orkut, mas não queria responder a ninguém, me lembrei da musica que ele pediu pra que colocasse lá no viveiro e joguei o Google, e encontrei-a, e coloquei-a pra tocar pra ver se teria o mesmo impacto. Sai do computador e fui até a janela e olhei lá pra fora, e via as pessoas passando na rua, e nunca tinha notado quanto tipo de pessoas existem e qual seria a regra para dizer qual é a que serve, presta ou que seja melhor? Não sabia responder a essa pergunta porque eu nunca olhei pra alguém fazendo tal e injusta analise.


Eu não vivo cercada por um muro de ilusões, sei como as pessoas julgam, medem e o quanto elas podem ser cruéis, mas é que eu nunca tive o menor interesse em prestar a atenção em tipos físicos, cor ou qualquer outra coisa que não fosse o que aquela pessoa tinha pra receber e oferecer e jamais deixei de usar a educação que meus pais se esforçaram para que eu tivesse e sempre tive o meu senso de justiça muito bem protegido.
A música acabou tantas vezes antes mesmo que eu conseguisse prestar atenção nela ou o que ela dizia, mas eu só conseguia ver a imagem dos policiais e de Evandro acuado como se tivesse cometido algum crime, e isso fazia com que as lágrimas escorressem pelo meu rosto, e chorei baixinho soluçando, as mãos no rosto e cabelos, uma mistura de sentimentos e a impotência latente de nada poder fazer pra apagar o que houve, e me revirando na cama, cai no sono.

Pela manha, acordei um pouco mais calma, embora o desastre do dia anterior ainda estivesse no meu rosto, tomei um banho demorado e não hesitei em ligar pro Evandro, quis escutar sua voz, dar-lhe bom dia e mostrar que eu estava ali, firme no propósito de amá-lo.



“bom dia, meu fofo!”, falei com a voz de quem acabara de acordar
“bom dia, minha fofa!”, repetiu o adjetivo quase em tom de deboche
“hoje é o dia em que começa no Werneck, vamos nos encontrar lá daqui a pouco?”, quis saber curiosa
“Não! Eu vou passar ai e vamos juntos, pode ser?”, fiquei surpresa em saber que ele havia superado o que houve e confirmei com um sim risonho “então em 15 minutos estou estourando por ai, Júlia”, eu corri pra me arrumar e ainda deixei Mando Diao tocando alto e ao abrir o meu armário lembrei-me da falta de cores em minhas roupas, tudo por demais monocromáticos e nunca havia notado isso, os tons pastel e agora eu sentia que queria mais cor, mais vida, e não só nas roupas, mas em todo o meu redor, enquanto a musica ‘dance with. Somebody’, eu pensava em querer mesmo alguém pra dançar comigo pra sempre. Eu apanhei um jeans com a cintura baixíssima e olhei-o bem, e joguei-o de volta ao armário, e apanhei outro jeans com a cintura um pouco mais alta, mais nem tanto, e separei com os olhos uma blusinha leve, de seda, de cor cinza e me abaixei e abri a sapateira e lá estava a minha coleção de Dakota, escolhi uma quase marrom e com um lacinho no peito do pé, e pronto, fui tomar meu café da manha com meu pai.

“Bom dia, papai!”, cumprimentei meu pai dando-lhe um beijo na bochecha
“Bom dia, filhinha!”, disse ele soltando o jornal sob seu colo
“pai, hoje eu não vou pegar carona com o senhor!”, pegando uma fatia de pão, eu falei sem menor explicação
“por que, filhinha?”, ele largou o jornal de vez e ergueu seus olhos colocando a mão fechada em seu queixo
“porque o Evandro vai passar aqui pra irmos juntos, ele também estuda lá no Werneck, o senhor se importa?”, expliquei segurando um suco de laranja numa mão e uma fatia de pão na outra
“tudo bem, filhinha! É bom que ele passe aqui, assim tira aquela impressão desastrosa de ontem”, e ele voltou a apanhar o jornal e em seguida o largou novamente, e olhou pra mim, mas desistiu do que queria dizer
“o que foi papai? Quer falar alguma coisa?”, insisti
“esse garoto já disse qual curso pretende fazer na faculdade?”, novamente segurou o queixo com sua mão fechada
“biologia”, respondi bebendo o suco
“é, eu imaginei que seria algo nessa área em que ele trabalha depois que vi as fotos que você tirou dele lá na coopbabilonia”, atencioso meu pai retornou ao jornal e eu ao meu café
“papai, eu te amo! E não é porque o senhor está aceitando o meu namoro, mas é pelo que o senhor tem nesse coração!”, levantei e dei a volta na mesa e o abracei, dando-lhe vários beijos em seu rosto, amassando o jornal todo.
“eu sei disso, minha filhinha!”, ele nem se importou com o jornal todo amassado e percebi que meu pai não era tão sistemático quanto eu pensava,apesar de não querer ver essa semântica agora pela manha e ajeitando o jornal me desculpei saindo correndo dali.


Passei um torpedo pra tatá pra ela avisar as meninas, e terminei meu café, e antes de sair ainda dei outro beijo no meu pai e desci apressadamente carregando a mochila pela mão.
O elevador abriu a porta, e lá estava Evandro, desta vez uma visão sem dor, o olhar dele diretamente ao elevador, os lábios relaxados, soltos e sorridentes. Pulei pra fora do elevador e fui andado sem pressa de chegar, e ele lá, vestido um jeans e uma camisa listrada, azul e branca de pólo linda, o olhar suave, leve e as mãos enfiadas nos bolsos e a mochila com a alça em apenas um ombro caindo a sua direita.

“demorei?”, perguntei
“Relaxa, quase nem percebi o tempo passar!”, disse educadamente tirando as mãos dos bolsos e tomando a minha e me dando um beijo de leve ‘vamos!”
‘sim’, peguei a mão dele e coloquei em volta da minha cintura e deixamos o prédio

Encontramos as meninas na porta do curso e Evandro queria que esperássemos pra nos apresentar seus dois amigos, Pedro e Gustavo e eles chegaram fazendo barulho. Pedro era da altura do Evandro, e tinha cabelos cacheados e vestia roupas claras, me lembro dele no Mc Donald’s usando roupa clara, e seus olhos eram pequenos, porem abertos, o rosto oval combinava com os cabelos cacheados e negros. Já Gustavo era mais alto, magro, com cabelos castanhos e lisos, cobrindo-lhe a testa, um riso debochado no rosto e roupas super coloridas, estilosos os dois garotos devo admitir.

“fala ai, meu brother!”, disse Gustavo em tom alto acima do normal
“olha só, o cara já chega zuando!”, e deu um tapa de leve na cabeça do seu amigo que estava ao lado
“esses são os dois animais que eu queria apresentar a vocês, meninas”, apontando pra eles, Evandro caminhou na frente deles e os abraçou fortemente

Os meninos se apresentaram, e beijos foram dados nos rostos, e Dinha como sempre apimentava tudo com suas frases fortes. E ela falava as palavras de forma explosiva, gesticulava demais, ela sempre parecia estar afoita no tom da sua voz.


“você é sempre bobo assim ou quer causar má impressão na gente, garoto?”, reclamou Dinha com Gustavo
“Cara, acabei de te conhecer e você já está querendo me irritar?”, Gustavo perguntou de forma dura pra Dinha
“eu? Para né, garoto! Eu nem sabia da sua existência e como acha que eu planejava te irritar?”, rebateu ela colocando as mãos em sua cintura e o encarando
“eu não estou dizendo que você planejou isso, mas... parece que andou praticando...”, ele encarou-a de volta
“gente, na boa, eu não acredito que vocês vão brigar na primeira vez que se falaram?”, interferiu Evandro
“calma ai, Eva! Deixa que eu cuido isso com essa patyzinha aqui!”, os olhares dos dois estavam saindo faíscas
“quem é Eva?”, perguntou Roseane
“sobrou pra mim! É meu apelido! Obrigado por contar a todos, Gustavo!”, e nós começamos a rir e o impasse com Dinha ficou em segundo plano

Entramos todos rindo do apelido de Evandro e fomos estudar e aquele corredor agora não era tão assustador e longo, e nem as pessoas ali pareciam querer me ferir com seus olhares e nem eu estava ligando pra elas ali, e íamos pisando firmes, em passos seguros e tomando conta de todo corredor, e agora estávamos numa turma e Gustavo ia à frente, cheio de estilo até no andar e logo atrás dele vinha Dinha, Roseane e Pedro e atrás eu e Evandro.
E todos podiam ver que estávamos ali, fortes, seguros e felizes, e a chegada dos amigos de Evandro melhorou muito o nosso ambiente apesar do entrave com a Dinha logo de cara, mas isso aconteceria cedo ou tarde porque ela é intragável quase sempre e alguém acabaria falando isso na cara dela.
As aulas demoraram horas pra chegar ao fim, e um dos professores se esforçou pra conseguir prender atenção de todos já no final, mas dinâmica dessas aulas são fantásticas, e durante elas, fica impossível pensar em outra coisa e acabamos esquecendo de todo resto. Ao tocar a sirene, olhei em minha volta e vi que todos já guardavam seus materiais em suas mochilas, era o mesmo o fim das aulas, por momento, eu ainda olhei pra minha mochila no chão, e hesitei em pegá-la e fui lentamente recolhendo as apostilas e cadernos, e só depois de juntá-los é que eu os coloquei na mochila, e ainda ajeitei os cabelos antes de me levantar e sair da sala.
No caminho de volta, as sugestões de onde ir foram sendo dadas, e Gustavo calado, foi o único que nada disse, ele parecia querer ir embora dali, mas ele também não mostrava isso, e então eu resolvi saber o que ele pensava “você não tem uma sugestão, Gustavo?”, arrisquei
“não, assim de cara!”, disse olhando pra frente sem parar de andar
“pra que falar qualquer coisa se vamos acabar indo ao Mc Donald’s mesmo”, alfinetou Dinha passando a frente de Gustavo
“cara, que garota insuportavelmente arrogante! Como vocês a suportam?”, ele passou a frente de Dinha e parou para que ela se desviasse dele, o que não aconteceu e ela se chocou nele com força excessiva e quase caiu, senão fosse o reflexo de Gustavo e a segurasse em seus braços
“tá maluco, garoto! Me solta!”, Dinha estava braba e seus cabelos estavam cobrindo seu rosto e um dos seus braços estava quase tocando no chão e o outro nas costas do Gustavo
“na próxima vez eu te deixo cair!”, ameaçou
“quem disse que eu preciso que você me ajude, sei me virar sozinha e dispenso sua ajuda e foi você que parou na minha frente, do nada!”, Dinha foi se equilibrando e saindo dos braços dele.

Acabamos desistindo do Mc Donald’s e fomos ao botequim ‘palácio das delicias’, e ao som de um bom sambinha sentamos à mesa, e pelo que estava acontecendo com os dois preferimos não falar muito senão logo eles estariam brigando novamente, apesar de que os dois estavam muito sorridentes e nem pareciam que quase saíram no tapa a minutos atrás. Tomamos o nosso lanche e no meio das conversas rápidas, Gustavo falou de todos irmos a pedra do leme, e apesar de morar ali, eu não me lembro muito da ultima vez que estive lá, e um medo estranho me segurou por dentro, mas todos concordaram em ir, até a Dinha não se opôs e não seria eu quem daria pra trás.
Tudo decidido e partimos a pedra do leme, e pra meu espanto, tudo parecia a minha primeira vez ali, chegamos e fomos ao forte Duque de Caxias, e logo na entrada diante do arco de cimento, as nossas risadas tomaram conta do lugar, e as pessoas logo perceberam a nossa presença, um bando de adolescentes que ri de qualquer coisa. Tem trilhas e lugares pra ir, mas preferimos nos sentar e ficar olhando a baia da Guanabara, aquele mar aberto, o pão de açúcar na nossa frente. Sempre se fala muito do forte de Copacabana, que é lindo mesmo, e se tem uma visão única da praia, do mar, mas ali, eu não sentia não deixar nada a desejar ao outro forte quase vizinho daquele em que estávamos.
Dinha e Gustavo estavam sentados separados, distantes o mais que se podia, ele com suas pernas encolhidas abraçado a elas, Roseane sentada quase na mesma posição dele, e tatá com uma perna esticada e a outra encolhida parecia desconfortável, e Dinha, colocou sua mochila no chão e usou como travesseiro e deitou a cabeça nela, e com suas pernas encolhidas ficou olhando pro mar, e eu sentei entre as pernas de Evandro e me encostei-me a seu peito, estiquei as pernas no chão e ele ficou com as dele encolhidas e seus braços envolveram a minha cintura e suas mãos descasaram na minha barriga.
Eu olhava o azul do mar, os movimentos que ele fazia e meus olhos por mais distante que alcançavam, tinha aquela água azul e o vento quente batendo em meu rosto e o céu de azul intenso, navios ao longe, e o verde da floresta e o som dos passaros, e eu me perguntando se era sempre perfeita a vida ou eu que tinha os olhos tapados para a beleza da natureza daquele lugar. Eu observava a todos, e pareciam que eles estavam se perguntando a mesma coisa, o mesmo brilho estava nos olhos deles, e eu inclinei a cabeça pra trás, e olhei os olhos de Evandro e eles estavam absolutamente lindos e brilhantes.
“Júlia, me desculpa pela confusão do meu amigo com a Dinha!”, disse Evandro baixinho em meus ouvidos
“posso estar errada, mas acho que a Dinha gostou dele. Veja como eles ficam trocando olhares...”, eu tinha desconfiado daquela empatia toda dela porque ela jamais ligou se alguém falasse dela e a reação dela demonstrou que La ficou incomodada com ele
“é mesmo! E eu achei que eles queriam se matar!”, ele ficou observando os dois trocando olhares





“você vai falar com ele depois?”, perguntei me aninhando no peito dele
“sim, Júlia!”, ele respondeu levando a sua mão em meu rosto e fazendo um carinho e logo depois me dando um beijo cheio de carinho e meteu a mão em seu bolso e tirou seu mp3, ficou procurando uma musica “eu estava escutando uns discos do meu pai e peguei umas musicas e separei uma pra voce escutar comigo”, ele foi colocando um fone em meu ouvido e o outro no dele “escute essa musica e olhe pra esse lugar diante de você”, pediu com cautela e quando a musica começou senti um tom triste, mas não era de uma tristeza pesada, mas sim, de algo que fazia pensar, era o doors cantando the end e era mesmo pra pensar, do que adianta beleza, riqueza, feiúra se logo chega o fim e isso é igual para todos
“meu pai tem muita coisa de bandas dos anos sessenta, mas essa banda ele gosta mais e essa musica eu a escuto desde que estava na barriga da minha mãe e essa musica me faz lembrar ela sempre que a escuto”, ele estava emocionado
“agora sempre que eu a escutar, vai me fazer lembrar voce, Evandro!”, coloquei meus lábios nos dele e pressionei levemente
“e eu de voce, Júlia”, as mãos dele subiram até os meus cabelos e isso me fez gelar a espinha
“seu pai gosta de bandas dos anos sessenta e o meu pai também gosta muito, tanto que meu nome veio de uma musica dos Beatles que diz assim:

‘Júlia, Júlia, criança do oceano, me chama/então eu canto uma canção de amor, Júlia/Júlia, olhos de cocha, sorriso ventoso, me chama/ eu canto uma canção de amor, Júlia... Seus cabelos de céu flutuante estão ondulantes/reluzindo ao sol... ’

“que honra a sua, ter o nome cantado pela maior banda do mundo”, e ele encontrou a minha boca novamente com a dele e olhei por cima do ombro e vi o mar parar, o verde da mata ficar pálido e o azul do céu embranquecer até sumir totalmente do céu

No caminho de volta, estávamos todos mais leves, e voltamos brincando pelas ruas, alegres, despreocupados e dispersos. E um carro veio rápido demais contornando a rua e havia uns garotos de rua perto e um deles estava na rua pegando um passarinho novo que caiu do ninho da arvore que havia na calçada, e Gustavo novamente mostrou seu reflexo, e eu um salto e abraçou o pequeno menino e correu com ele pra calçada o livrando de ser atropelado. E todos nós suspiramos aliviados, e olhando o jeito carinhoso dele com aquela criança, que vestia uma camiseta surrada, amarelada e um short preto, descalço e com seus cabelos enormes e sujos.
“cuidado, meu amiguinho! Vocês salvam o passarinho e acaba atropelado se não prestar atenção nos carros, tá ligado, brother?”, ele olhava pro menino com carinho e todos nós ficamos observando aquela cena sem dizer nada.
“você mora pro aqui, menino?”, Roseane perguntou ao garoto passando a mão em sua cabeça
“não! Eu moro em qualquer lugar!”, respondeu ele sorridente

A vida pode pregar peças na gente, mostrar de uma vez todas as coisas que fazemos questão de não enxergar, coisas que ignoramos o tempo todo, mas que às vezes caem na nossa frente de pára-quedas. E não que eu não prestasse atenção, mas isso vivia do lado de fora da minha casa, e eu não tinha nada com isso, é assim que agimos em relação à pobreza.
A rua arborizada, casas lindas de um lado e do outro, belos edifícios, e caros importados passando pela rua, mas essas crianças sempre estiveram no mesmo cenário, e olhando pra essas agora, chega até a doer, ver que a vida também leva e não que ela sempre traga mais, e às vezes traz tanto para um lado e tão pouco para o outro.
E se me perguntassem sobre como me sinto agora, bem, eu diria que me sinto com a perna cortada ao meio e com meu coração exposto numa praça pública, mas que também sinto que posso ir por caminho que seja útil a vida de outras pessoas. Nós podemos fazer tudo àquilo que queremos pra ser feliz, mas também podemos fazer tudo que possa levar sorrisos a outras pessoas e facilitar a vida delas e pelo momento que estou passando, eu não quero mais do que isso e tornar as pessoas felizes também.
Desde pequena eu quis fazer algo que tornasse isso possível, e olhando aquelas crianças, eu decidi o que vou fazer da minha vida e vou guardar esse plano até a hora de colocá-lo em pratica, e vou organizá-lo da melhor forma possível para que os erros sejam poucos e fáceis de evitá-los, mas esse era o caminho que eu seguiria.

Cheguei à minha casa em êxtase, viva e feliz como há séculos eu não me sentia, e entrei no meu quarto e fui logo largando a mochila em cima da cama, e tirando o sapato, e corri pro espelho do meu banheiro pra ver se eu conseguia ver toda felicidade que eu estava sentindo, se ela estava escrita na minha testa. Depois de ter tomado um banho e colocado uma roupa leve por conta do calor que fazia e me aprontar pra ir trabalhar.
Quando eu voltei, já de noite, eu sentia as idéias que fervilhavam em minha mente, corri ao computador e fui ao Google procurar idéias iguais a minha, se alguém as fazia aqui no Brasil ou em qualquer canto do mundo. Imprimi mil páginas, eu não conseguia evitar o jeito que estava me sentindo, eu estava a mil por hora, eu estava possuída pela idéia de fazer algo que fosse belo e de valor pras outras pessoas.
Eu tinha encontrado aquilo que eu procurava durante todo meu crescimento, a idéia de ser medica não correspondia muito com meu plano de salvar o mundo, mas agora eu poderia não salvar o mundo, mas tornar muitas pessoas úteis pra viverem as suas vidas, e disso eu não tinha mais duvida. Olhando tanta matéria sobre o assunto, lendo as páginas que imprimi, o chão em minha volta ficou cheio de papeis, e fui salvando um monte de sites onde havia algo interessante. Pela primeira vez, eu senti que estava diante de algo que eu realmente queria pra minha vida profissional, e pela única vez senti meu coração se acalmar de vez, depois de toda turbulência que eu sempre senti nele, e não havia mais pânico no que eu sentia.


Liguei pro Evandro, apenas pra escutar a voz dele, e fiquei deitada na cama de olhos fechados. Olhei pro chão e vi tantos papeis espalhados e pensei na bagunça que eu fizera. O tom de voz meloso ao telefone faria com que ele percebesse a minha saudade, e então dei uma disfarçada e perguntei se ele tinha chegado bem na casa dele, e antes de desligar ainda o ouvi rindo do outro lado.
“por que está rindo, Evandro?”, mudei o aparelho de ouvido e fiquei um pouco mais séria
“nada, Júlia! Apenas achei bonitinho à sua preocupação comigo!”, eu podia imaginar o sorriso no rosto dele enquanto ria
“falou com o Gustavo?”, lembrei que eu queria que ele conversasse com seu amigo pra saber sobre a Dinha
“ele disse que ela é muito chata”, a risada dele saiu espontânea e alta “mas, disse que amanha temos que sair após a aula novamente, vai entender!”
“fica na linha que eu vou ligar pra Dinha e saber dela e já te ligo de volta”, liguei e ela atendeu rápido como de costume e falamos por uns 3 minutos, desliguei e votei a falar com Evandro
“e ai, o que ela disse sobre ele?”, ele também estava curioso quanto à opinião de Dinha
“exatamente o que ele disse dela pra você, que o Gustavo é um chato! E eu disse que era uma pena porque amanha não íamos sair todos juntos após a aula e ela quase me bateu pelo telefone”, eu comecei a rir
“será que isso vai dar samba?”
“pelo jeito, esses dois tem tudo pra bombar!”, respondi em meio às gargalhadas
“vai ser difícil ver isso acontecer, com eles agindo do modo que agiram hoje”
“nós seremos os cupidos desses dois! A Dinha nunca mostrou interesse nos garotos que ela ficou e por isso, ela nunca ficou muito tempo com nenhum deles, acho que ela nunca se apaixonou de verdade”, eu precisava acreditar que eu sabia a resposta
“você entende de amor, de pessoas solitárias, Júlia?”, a pergunta dele me fez recuar
“não, eu sempre estive desse lado até que te encontrei naquele dia!”, entreguei e percebendo isso soltei um suspiro profundo e afastei o celular do meu ouvido e fiz uma careta
“então, você não está mais do lado de lá, e eu posso te afirmar que eu também vivia lá, e fui resgatado por você e não sinta vergonha de mostrar isso, Júlia!”, foi tão evidente a minha reação que eu nem podia dizer muito mais do que eu consegui dizer “nós vamos fazer isso dar certo, Júlia!”
“eu sei, Evandro, eu sei que vamos conseguir!”, minha voz sumiu e desliguei o celular e fiquei sorrindo sozinha deitada com a cabeça pra fora da cama e sem me sentir estranha ou sozinha como sempre me sentia e as palavras dele passando escritas nas paredes do meu quarto ‘nós vamos fazer isso dar certo’.





Capitulo 07

Eu sempre fui sempre tão isolada do que eu podia sentir, e não tinha planos de chegar onde estou agora, e tudo era novo pra mim, tatá sempre me acusou de não relaxar, de deixar as coisas acontecerem e a minha cobrança pra que tudo fosse perfeito. E eu nunca quis mesmo pensar nisso tudo, e via as horas levando a esperança embora, mas eu não conseguia reagir e fazia tudo metricamente igual.
Desci da cama e deitei no carpete de barriga pra cima, retirei alguns papeis de perto de mim, e fiquei escutando a voz de Evandro chamando por meu nome, ri e virei à cabeça pro lado, e percebi como meu quarto é grande, a televisão pendurada na parede em frente a cama, minha penteadeira do outro lado, o closet daria uma outro quarto e ainda havia o banheiro, quanto desperdício, eu pensei comigo mesma, isso não faz mais sentido.
Apanhei o meu celular e pensei em ligar pra tatá, mas eu estava tão determinada a ficar quietinha ali, e eu não queria falar e falar por longos minutos, eu só queria deixar de me sentir sufocada pela descoberta de saber que só agora que eu comecei a viver de verdade.
Joguei o celular pro lado, voltei a olhar pro teto e quis sair daquele marasmo, engatinhei até a penteadeira e apanhei o controle remoto e liguei a televisão, entediada vasculhei alguns canais e nada encontrei.
O meu humor estava realmente querendo pular de um penhasco, desliguei a televisão e olhei pro radio, mas desisti. O computador era única saída pra me fazer voltar à realidade e novamente engatinhando fui até a bancada do outro lado do quarto e sentei-me em frente ao computador e a minha falta de paciência desapareceu.
As lembranças ainda me machucavam, meus olhos se enchiam de lágrimas, isso era uma coisa que eu ainda não tinha segurança pra lidar, e eu precisava agora lembrar o que eu estava vivendo com Evandro e pra quem achava que nada fosse acontecer, eu tinha sorte demais em tê-lo encontrado, e isso mudava tudo. Eu achava que ia demorar pra chegar o dia em que eu pudesse estar realmente gostando de alguém, demorou, mas havia chegado, e com ele todas as incertezas foram embora, eu duvidava que fosse existir alguém capaz de enxergar a minha necessidade, de um abraço, um sorriso, de uma boa risada, essas coisas bobas de quem tem alguém pra amar.
E com Evandro eu não tinha mais aquele medo de estar junto, de ir se vendo, e essa coisa toda de um completar o outro era tão coisa de novela, livro e cinema, mas existe também na vida real e aos poucos eu começava a sentir isso.
O barulhinho insuportável do MSN chamando ecoava por todo meu quarto, e interrompia os meus pensamentos, mas também vinha como cura para tirar todo peso que estava dentro da minha cabeça. “Era Roseane quem pedia a minha atenção, e já tinha umas trinta tentativas de saber se eu estava ali ‘você está ai, Júlia?’, eu li e dei uma risada, e respondi a ela.



O mês passou tão alegre, diferente de tantas outros que eu via passar apenas por insistência do tempo, e era tão certo que terminaria da mesma forma que começou no sentido de nada acontecer com o meu coração, que eu já tinha até me acostumado.
Desta vez, foram semanas de mudança, a começar que a escola já não tinha mais aquele valor nas lembranças, a minha sala, com os alunos parecendo um bando de adolescente vivendo seus últimos dias de vida, as risadas durante as aulas, a correria nos corredores, a cantina lotada todos os dias, o pátio sempre cheio como se fossem prisioneiros tomando banho de sol, o som das conversas ininterruptas, um desfile de mãos nos bolsos, e ipods com seus fones nos ouvidos, casais e amigos e amigas andando de um lado para outro, enfim tudo isso tinha ficado pra trás.
No curso, tinha tudo um ar mais adulto, a atenção total nas aulas, a disciplina, os professores já não nos tratavam como crianças, mas sim como futuros adultos e não ficavam nos vigiando e nem nos corrigindo a cada instante, essa era uma mudança que eu estava adorando, eu chegava entrava e sentava e acompanhava toda aula e participava delas, me sentia fazendo parte de verdade do ambiente e não havia aquilo de cumprir um dever, uma obrigação e deixava tudo como estava que já estava ótimo.
Em tão poucos dias, fui a lugares lindos e tão próximos de mim que eu nem percebia que existia antes, e cada vez mais eu estava aceitando o desafio de me conhecer. Ir ao extremo do meu limite, me aceitar e de correr atrás da minha felicidade, e eu estava muito empenhada em não deixar a guerra começar dentro de mim novamente, e para isso, eu contava muito comigo mesma, apesar de Evandro ter chegado na hora que eu estava completamente isolada em mim mesmo, e sei que ele teve a parcela em começar a me libertar de mim mesma, mas eu também devia isso a mim.
Há um limite no que eu estava ganhando com a presença de Evandro em minha vida, e ao amargo que eu mesma fazia questão de manter em minha garganta, mas isso era muito pouco para o que eu tinha de vida em mim. E Evandro chegou num momento em que eu tinha medo de sentir qualquer coisa que pudesse fazer com que o meu coração quisesse viver, e ele simplesmente tirou esse temor de mim, e desafogou o meu coração, com seu carinho e cuidado.
Eu não sei como eu consegui viver assim, colocando na minha cabeça as impossibilidades, e tanta dificuldade, acredito que isso que fazemos com a gente é que faz o mal ter forças e traz a falta de vontade e afasta a esperança de tentar fazer alguma coisa que nos faça feliz com nossos corações.
Achamos que o amor não é algo que possa fazer parte das nossas vidas, colocamos as desculpas prontas à frente, acontecimentos do passado, tudo que podemos usar pra nos impedir de tentar, usamos. E assim fortalecemos a idéia de que pra nós o amor é algo que nunca vai acontece, e o pior é que isso acaba se tornando real, as razões que colocamos no coração ficam mais fortes a cada dia, e com o passar do tempo, acreditamos que estávamos certos, e com os fechados como é que podíamos ver alguma coisa.



Mais uma aula acabou, e a sexta-feira estava ali, livre e nós ali nos sentindo livres como ela, e decidindo o que faríamos, e todos dando palpites e como já fazia parte do grupo, Dinha de cara fechada a encarar o Gustavo pro trás de seus enormes cílios.
“Galera, eu voto em pegarmos um ônibus e irmos ao final da praia de Copacabana e voltarmos a pé”, a sugestão de Gustavo foi aceita, mas não sem antes Dinha deixar a sua marca
“eu topo também, mas olha só, se eu me sentir cansada, eu vou pegar um ônibus, uma van, tipo, qualquer coisa e voltar, tudo bem?”, e Gustavo se aproximou dela e disse algo que a deixou tão furiosa que ela correu atrás dele para bater nele
“O que ele disse pra você, Dinha?”, Roseane saiu correndo atrás de Dinha
“esse garoto é muito abusado, cara! Disse que me carregaria no seu colo até a minha casa, vê se pode!”, disse ela ofegante e com os olhos sérios a soltar laser em direção a Gustavo
“ele está só de zuação, Dinha!”, tatá tentou amenizar a situação segurando o braço de Dinha e puxando-a pra que se afastasse de Gustavo
“gente, vamos parar com isso!”, gritei pra que me escutassem
“ele é quem começou com isso, esse garoto escroto gosta de me irritar. Júlia!”, Dinha virou as costas pra Gustavo
“Gustavo, por favor, peça desculpas a Dinha!”, pediu gentilmente Evandro colocando sua mão no ombro do amigo
“Eu não vou pedir desculpas coisa nenhuma, tá ligado! Essa mina é cheia de marra e de frescura e ela vai ficar se achando. Na boa, não peço desculpas mesmo!”, ele estava decidido a não falar nada
“eu cheia de marra? Voce é maluco, garoto! Fica viajando direto”, Dinha foi partindo pra cima de Gustavo com muita raiva e Pedro tentou segurá-la para impedir que ela chegasse mais perto de Gustavo
“Meu namoro acabou de terminar comigo!”, a voz triste de Roseane surgiu no meio daquela confusão como ducha fria e todos se viraram pra ela já com piedade nos olhos
“O que? O Cleber te deu um toco por torpedo! Não acredito que ele tenha feito isso”, perguntou Dinha
“é... ele acabou de enviar um torpedo dizendo pra gente dá um tempo!”, falava ela olhando pro celular em sua mão
“calma amiga, que isso pode não ser sério e vocês logo voltam!”, tentei apoiá-la segurando-lhe o rosto com a mão e sorrindo com gentileza e cuidado
“ontem à noite, ele conversou comigo e ficou de pensar e agora, isso que vocês estão vendo, e é mesmo fim do nosso namoro”, ela olhava pro celular e pra gente com um ar tão pra baixo que todos se penalizaram e se juntaram a mim, num abraço coletivo
“vamos cuidar de voce!”, falamos quase que ao mesmo tempo e ficamos no meio da rua, abraçados e ela se sentiu protegida naquele momento.






Entramos no ônibus em total silencio, mas isso não significa que estávamos quietos, era apenas para que Roseane sentisse que estávamos com ela e pra que ela sentisse menos perdida. Ela parecia estar ali, mas ao mesmo tempo parecia estar num outro lugar, e isso não era bom, e então me sentei ao lado dela e tentei animá-la, tarefa difícil “estou aqui, amiga!”, os olhos delas avermelhados, um olhar vazio que eu conhecia muito bem, e isso me deixava muito impotente.
E aquela era visível aquela ferida se abrindo nela, a dor do corte recente e ela com cara de quem não está entendendo a situação direito, e eu também não conseguia entender, o namorado de Roseane parecia tão apaixonado por ela, e ele estava sempre a cercando com carinho, eu estava chocada, ela era uma menina adorável e eles eram um casal em que realmente podia-se ver o amor.
Sequei as lágrimas do rosto dela, e fiz um carinho em seu rosto com a palma da minha mão e fiquei olhando nos olhos dela e segurando a sua mão “você não vai ficar sozinha!”, repeti por algumas vezes a mesma frase e longos minutos se passaram e aproveitando o nosso momento de inquietação e silencio; Gustavo perguntou ansiosamente “posso me sentar com ela, Júlia?”, e eu me levantei rapidamente dando o meu lugar a ele, embora ela nem tenha notado que eu saíra do lado dela e que ele tenha sentado.
Em seguida os dois estavam conversando, e volta e meia um riso aparecia em seu rosto, e atrás da poltrona em que eles estavam sentados, Dinha não tirava os olhos dos dois, e ficava com o maior ar de curiosidade. E o clima foi ficando mais leve, Gustavo e Roseane já riam mais alto, e nós acompanhávamos apreensivos, porém aliviados.
“Relaxa! Júlia! O Gustavo tem um humor que é ótimo pra essas situações! Ele vai acalmá-la!”, Evandro alisou a minha mão que estava no meu colo puxando a barra da minha blusa
“parece que sim! Ela já deu alguns sorrisos!”, meu olhar reto não desviava um centímetro deles
“você é uma boa amiga, Júlia e vai saber ajudá-la!”, as mãos de Evandro apertaram as minhas
“e você tem bons amigos também, Evandro!”, se virando pra ele soltei um riso meio tímido
“Pedro e Gustavo são gente boa! Essa coisa com a Dinha é que não está legal, ele nunca foi de se envolver com garota nenhuma, tá sempre largado na pista, como ele mesmo gosta de dizer. Mas, agora ela parece incomodá-lo quando eles estão perto um do outro”, a mão dele saiu da minha e foi pousando no meu rosto
“ela também sempre foi assim, em relação aos garotos, em qualquer lugar que íamos, e nas festas principalmente, ela sempre os ignorou”, eu me virei por completa pra ele e deitei a cabeça em seu peito atrás de proteção pra minha fragilidade.



Aquele passeio pelo calçadão até que acabou sendo mais útil do que eu podia imaginar, descemos do ônibus e atravessamos a Avenida Atlântica, e aquela paisagem modificou todo nosso humor, o calçadão de Copacabana cheio de pessoas, uma andando fazendo exercícios, com roupas de ginástica, outras, olhando pro mar, e algumas em quiosques despreocupadas com seus cotidianos, conversando, rindo sem noção do tempo, algumas outras fotografando tudo ao redor, o mar, a orla, as montanhas atrás dos prédios.
Começamos a andar e sentir aquele cheiro do mar invadindo os nossos pulmões, os sons das vozes juntas pareciam uma oração ao bem-estar, e eu ia caminhando de mãos dadas com Roseane e mostrando a ela as coisas que estavam acontecendo nas areias, e ao meu lado Evandro seguia em silencio, compreensivo, apenas seguia ao nosso lado, e atrás da gente vinha Dinha, tatá e Pedro e Gustavo seguia pela ciclovia se desviando das bicicletas sem deixar de acompanhar Dinha com seus olhos.
Juntando a praia do Leme e Copacabana, temos um pouco mais de quatro quilômetros pra andar, e pensar que já fiz esse percurso tantas vezes, correndo pela manha antes de ir pra escola, que agora parecia ser muito maior e muito mais bonito também, apesar do olhar triste de Roseane.
Ao passar pela estatua do Drummond, realizamos automaticamente um ritual que pra quem mora aqui é absolutamente normal, alias ritual aqui é normal, como aplaudir o sol pela manha, nas praias do Leme, Ipanema e Arpoador, eu não sei como isso começou, mas é só ir nessas praias antes do sol sair que há sempre um grupo de pessoas lá aplaudindo o nascer do sol.
E com Drummond também acontece assim, quem passa por ele sempre faz um carinho na estatua, mesmo que seja quase impossível vê-la sozinha sem ninguém a tirar fotos ao lado dela, passamos e fazemos um carinho e seguimos.

“quero entrar no mar!”, Roseane se virou em direção da areia e foi descendo do calçadão
“você está de vestido, cara, percebeu?”, tentei alertá-las
“to nem ai! Preciso entrar no mar!”, já na areia, ela se virava em direção do mar
“pera, eu vou com voce!”, ela já se adiantara na frente
“Onde vocês estão indo?”, gritou tatá
“A Roseane quer dar um mergulho!”, nem me virei e fui correndo pela areia atrás dela e todos pularam do calçadão pra areia e foram atrás da gente e alcancei-a e segurei a sua mão e corremos mais rápidas que podíamos pra água e os outros vinham correndo atrás desesperados
“Roseane, vá pra Luz! Roseane, Corra pra luz!”, gritava Gustavo atrás de nós e sua risada se espalhava pelo vento
“maluca, voce está de vestido!”, Dinha tentava alertá-la disso também
“vai Roseane, vai!”, incentivava tatá quase caindo na areia de tanto rir e entramos na água e sem levar um caixote, o vestido de Roseane colado em seu corpo, mostrando como ela era sarada.



Quando nos viramos pra areia, todos eles estavam apontando seus celulares pra nós e tirando foto direto, e eu olhei pra Roseane rindo e disparei “você sabe aonde essas fotos vão parar, não sabe?” e mergulhamos e nos abraçamos e deixamos a onda pegar a gente e levar ate a areia, não foi bem um jacaré, mas chegou perto de ser.

“vocês querem parar de graça e guardarem esses celulares, paparazis de quinta”, fiquei tentando jogar água neles e Gustavo fez com que todos rissem quando começou a cantar e dançar funk na areia
“vai celebridade vai, até o chão, chão, chão...”, e todos entraram na água, exceto Dinha que ficou tirando fotos de todos, especialmente de Gustavo e guardando seu celular na mochila, ela também entrou na água e tatá saiu e pegou o seu celular e tirou fotos dela com a gente e voltou pra água.

Cansados de brincar, saímos da água e nos jogamos na areia, e Roseane parecia estar morrendo na areia, olhos parados pro céu, ela suspirava e seus olhos procuravam por respostas através das poucas nuvens que havia no céu. E a gente ali junto dela, como se a velasse, como se seu corpo não tivesse vida, e em nossos olhos a dor que ela estava sentindo, e era preciso tirá-la daquele clima, fazer algo e olhei pra frente e vi que podíamos jogar um beach tennis porque tinha duas meninas com o material e sem parceiros.

“esperem aqui todos vocês!”, falei e levantei e corri na direção das meninas e em seguida voltei convidando a todos
“como assim, jogar beach tennis?”, Pedro apertando os olhos pra olhar contra o sol perguntou espantado
“é que tem duas meninas ali e estão querendo jogar e estão sem parceiros e eu nos convidei pra jogar com elas!”, expliquei me abaixando perto de Roseane
“caraca, eu nem sei jogar tennis!”, disse Pedro rindo
“relaxa!”, eu disse jogando areia nele
“eu vou dar uma raquetada naquelas magrelas lá!”, ele apontava pras duas meninas rindo
“Evandro e Júlia vão arrasar, afinal esses dois jogam tennis lá no clube”, disse tatá
“A Dinha e Roseane jogam muito mais do que eu”, tirei o peso da afirmação de tatá
“vamos ver o que isso vai dar! Pelo menos a gente se seca pra ir pra casa”, Evandro se levantou e ajudou a Roseane a se levantar


Fomos até a quadra e fizemos as duplas e é claro que Dinha jogou com Gustavo e foi até divertido vê-los brigando na quadra e eles discutiam até quando ganhavam alguns pontos. As duas meninas acabaram se tornando amigas e já zuavam o Gustavo direto, o que deixava Dinha descompassada e Roseane finalmente pareceu mais tranqüila e jogando aliviou um pouco sua mente do peso da separação.

Voltando pelo calçadão e Roseane já com um semblante muito melhor, rindo das brincadeiras que Gustavo fazia, e ela parecia mesmo estar mais leve, e andando pelo calçadão todos juntos, rindo, parecia que toda a vida estava bem e que todos os problemas tinham sido resolvidos.

“vamos parar um pouco, estou exausta”, Dinha já demonstrava cansaço desde quando chegamos à praia
“vamos parar antes que ela queira pegar um ônibus!”, Gustavo não perdeu a chance
“me esquece, garoto!”, ela não estava realmente disposta e sentada no banco apenas ergueu seus grandes olhos pro Copacabana Palace diante de nós e Gustavo foi pra trás dela e ficou falando algo em seus ouvidos e seus lábios estavam tocando a pele do rosto dela enquanto ele falava com ela, que em silencio escutava tudo sem reagir, e quando ele parou de falar e se levantou, ela o acompanhou com os olhos
“o que disse a ela?”, eu estava realmente curiosa
“eu pedi desculpas!”, respondeu serio
“e ela aceitou?”, perguntei
“parece que sim, tá ligado! Ela não me falou mal nem nada!”
“ela parece ter gostado”, eu me virei pra Dinha e vi que ela estava serena
“vou falar com a Roseane!”, ele se afastou de onde estávamos e foi até a ela sob a vigilância de Dinha que os observava rindo o tempo todo
“o que voce acha disso, Evandro?”, eu estava vendo que Dinha estava com ciúmes de Gustavo desde que ele ficou brincando com as meninas do tennis
“acho que está afim da Dinha e ele dele, só que parece que eles ainda não sabem disso”, concluiu
“então, vamos fazê-los saber!”, eu disse indo falar com Gustavo, mas Evandro segurou a minha mão e me trouxe de volta pra perto dele
“deixa quieto! Olha onde o Gustavo está indo, Júlia!”, pediu com carinho
“tá”, eu disse desanimada tentando ver o que ele fazia e o vi comprando cocos e voltando ele deu um dos cocos que estavam em sua mão da Roseane e foi onde Dinha estava e entregou o coco e sentou-se ao lado dela
“viu, as coisas se ajeitam! O Gustavo nunca dá essa moral a garota nenhuma, ele gosta de ser ótario o tempo todo com as garotas de propósito”, disse feliz
“é mesmo, olha quem está ao lado da Roseane...”, eu apontei com o dedo passando pelo meu pescoço pra que Evandro pudesse ver por cima dos meus ombros que Pedro estava com ela

Evandro riu e foi buscar coco pra tatá, e pra mim, e ficamos sentados olhando o mar e totalmente dispersos e acabou sendo um dia a ser lembrado.

“eu quero convidar a todos para um passeio que eu tinha programado para amanha, quero levá-los num lugar que eu amo e que vocês vão amar também: o arquipélago das cagarras, ali em frente à Ipanema, uma reserva biológica linda! A gente se encontra amanha as seis da manha na porta do prédio de Júlia”, o convite foi aceito por todos.

O dia parecia saber que seria interessante o tal passeio na reserva biológica, e na noite passada foi um tal de ligar pra casa de uma e da outra pra que os pais autorizassem o nosso passeio. Por fim, todos acabaram deixando e afinal não estávamos indo a qualquer lugar e poderia ser muito proveitoso essa visita.

Nos encontramos e fomos direto para lá, e Evandro tinha marcado com o biólogo amigo dele que nos levaria de barco até as cagarras. Parece que combinamos o que vestiríamos, todos estavam de bermuda, tênis e camiseta e boné. E chegamos no horário combinado de onde o barco partiria e não levou muito tempo até o arquipélago que é controlado pelo IBAMA, leva os visitantes em barcos e proíbe a pesca.

Evandro explicou tudo pra gente antes de chegarmos a ilha e quando chegamos e o barco atracou, subimos pelas pedras e ficamos com a primeira visão de onde estávamos. A mão de Evandro na minha, meu corpo ao lado do dele, a outra mão dele em minhas costas, e eu vi Ipanema de frente, o mar chegando até a areia, o calçadão, a rua com seu transito, os prédios do outro lado da rua e as montanhas lá atrás e o cristo no alto de uma delas e o céu claro. Cada canto que eu olhava eu via as montanhas atrás da cidade, aquele verde todo, o azul do céu, a cidade linda ali, e atrás de mim o som dos muitos passaros que moram na ilha ou que simplesmente passam por aqui e param, lindo demais aquele lugar.
O biólogo nos levou até uma placa onde dizia:
Arquipélago das Cagarras. Um conjunto de sete ilhas e rochedos (Laje da Cagarra, Cagarra, Filhote da Cagarra, Matias, Praça Onze, Comprida e Palmas) localizado a cerca de 5 km ao sul da praia de Ipanema, na cidade do Rio de Janeiro.
Não há consenso sobre a origem do nome. A mais aceita é que seria devido à grande quantidade de excremento das aves marinhas que habitam ou sobrevoam o arquipélago. Elas se alimentam principalmente de peixes e, depois, excretam o excesso de cálcio de suas refeições nas encostas rochosas das ilhas, manchando-as de branco.
Em 1730, a ilha principal, a Cagarra, figura numa carta náutica com o nome afrancesado de "Ilha Cagade". Numa outra carta, datada de 1767, aparece com sua denominação em português: "Ilha Cagado".
Um outro fato, no mínimo curioso, é que o nome do arquipélago é o mesmo de uma ave, que vive na Ilha da Madeira (território português a oeste da costa africana). Mas a cagarra ou cagarro ("Calonectris diomedea") não é encontrada por aqui.



Capitulo 08

Meus olhos estavam paralisados, eu não sabia pra qual lado olhar, e via toda beleza que eles podiam alcançar, podia ver dali toda extensão da orla, ver ate Niterói ao longe, o morro do pão de açúcar saindo de dentro d’água, grandes navios pertinho da linha do horizonte, e todos os sentimentos se movimentando diante de mim, e eu quis ficar quieta, mas os suspiros saiam um a um. Tudo isso sempre fez parte da minha vida, eu sempre soube da existência desses lugares, mas agora eu os descobria e isso tirava as lágrimas dos meus olhos, e isso era uma coisa que eu completamente ignorava até uns dias atrás, me sentir parte desse lugar.
E eu olhava em minha volta e parecia que todos estavam passando pelo mesmo sentimento que eu, embora eles ficassem comentando, apontando, e eu escutava-os distante. ‘ nossa, olha a pedra da gávea!’, ‘ali o arpoador, que lindo!’. E eu não conseguia parar de chorar, e olhei pra Roseane e pensei em como ela deveria estar se sentindo triste, e mesmo diante daquela beleza, eu sabia que havia tristeza o suficiente em seu coração pra deixá-la triste, e soltei a mão de Evandro e me aproximei dela lentamente e a abracei sorrindo.
O som dos passaros em nossas costas, a parede de pedra adiante onde eles ficam pousados, alguns pequenos lagos entres as ilhas, os peixes, as tartarugas enormes, a vida sendo protegida num lugar tão perto da cidade, parecia outro mundo aquele, e Evandro estava trazendo até a minha vida, algo que eu não dava nenhum valor, e verdadeiramente eu não conhecia e podia ver nos olhos dele que ele se importava.
Era muito bom olhar nos olhos dele e ver que eu não estava mais sozinha, e que havia vida neles, o suficiente para nós dois e para todo mundo que quisesse ver também. E eu tinha a certeza de que eu jamais estaria sozinha a partir desse meu encontro com Evandro naquele dia no Mc Donald’s, porque eu havia me encontrado na vida e além dele, agora eu tinha a mim. Era tão bom sentir o coração batendo de verdade, e saber que havia tanta força dentro de mim, e poder enfrentar tudo que estivesse diante dos meus olhos.
E eu me sentia agradecida ao Evandro por me fazer ver, por tirar a nevoa diante dos meus olhos, e assim como nesse instante, eu posso ver toda essa cidade com toda essa sua beleza, eu também posso ver a minha vida diante de mim, e sempre vou lutar por ela.
E não haveria outro lugar que eu gostaria de estar agora, além de aqui, e mesmo sabendo do dinheiro que meu pai tem, não há lugar nenhum que tenha essa imagem de uma cidade saída do meio das montanhas e acabando no mar. Engraçado que na estatua do Drummond está escrito: ‘no mar está escrita uma cidade’.


Eu me dei conta de que não era preciso de tanto dinheiro pra se sentir viva, alias, com muito pouco dinheiro ou quase nada porque estar ali custou tão pouco que se fosse valer pelo que víamos, deveriam cobrar milhares e milhares de notas, mais do que pra ir à lua, com certeza. Apanhei meu Iphone e tirei algumas fotos e postei no twitter com o titulo ‘ veja o paraíso existe’.
“gostaria de saber qual é o teu pensamento agora!”, Evandro se aproximou de mim por trás e me abraçou carinhosamente e falou ao meu ouvido
“são tantos, Evandro!”, suspirei
“eu adoraria saber um que fosse. Júlia!”, insistiu
“um deles é sobre você...”, eu me virei e falei em seu ouvido
“e é bom?”, ele abriu os braços como se fosse pra que eu saísse deles, e eu me virei e fiquei de frente a ele, pertinho pra que ele pudesse fechar os braços e me envolver com eles
“o melhor deles, pode ter certeza disso! Voce sempre será o meu melhor pensamento porque será sempre o primeiro que me fez sentir que eu tinha condições de me sentir viva e feliz!”, minha boca procurou a dele e nos beijamos demoradamente
“eu tinha planejado em te trazer aqui sozinha, mas a Roseane estava triste demais, mas amanha, eu quero ir com você em algum lugar sozinhos, tá?”, ele ficou me olhando com uma expressão tão serena
“será ótimo, Evandro!”, voltei a beijá-lo e desta vez com mais demora

E toda vida em nossa volta, parecia comemorar o nosso namoro, o som das ondas, dos passaros, se misturavam aos meus suspiros, e ele me apertou forte contra seu corpo e eu nem me dava à chance de me defender daquele ataque e ele nem percebia onde estávamos e continuava a me apertar, ignorando a todos ali e eu presa nos braços dele; e ele afastou meu rosto com suas mãos grandes e seus olhos invadiram os meus, e eu vi o cheio que estava seus olhos e isso queimou os meus, e eu perguntei quase sem fôlego:
“o que foi? Evandro?”
“nada! Queria apenas guardar esse momento!”, e seus olhos ficaram vazios de repente, como se estivessem se esvaziando e escorrendo pra dentro dos meus, então ele tirou o fone do seu bolso e colocou um fone no meu ouvido e o outro no dele e começou a tocar a musica halo da beyonce, perfeita!

A música tomou conta de tudo, e eu olhava nos olhos dele e eu sentia que ele podia escutar as batidas do meu coração contra o corpo dele, e ficava chocada em não ter como esconder, mas as mãos dele já estavam apertando as minhas costas e me puxando contra o corpo dele, e seus lábios pressionando os meus e a voz de Beyonce sumindo aos poucos, mas ainda presente em meus ouvidos, até que por fim ela se acabou junto com o beijo.


Já em minha casa sentindo o gosto de Evandro ainda vivo na minha boca, sentei ao lado do computador, e joguei a mochila na cama e pensei em toda mudança que estava ocorrendo, e toda a diferença que estava fazendo em minha volta. Olhei na tela procurando por algo que nem tinha idéia, apoiei as mãos no queixo e flutuei.




Digitei o nome de algumas musicas no youtube, deixei os vídeos pausados, e fui até a minha cama e apanhei a minha mochila, e tirei o celular dela e voltei pro computador, passei as fotos e escolhi algumas para colocar no meu Orkut e Facebook, afinal do que adianta não dividir tamanha beleza com meus amigos de tantos lugares distantes daqui.
As meninas também estavam Online e começamos a trocar mensagens e Roseane parecia mais calma, através da Webcam eu podia observar seus olhos com clareza e eles pareciam mais vivos, eu fiquei mais tranqüila depois desse passeio, acho que fez bem a todos nós, e brincamos com as fotos da praia e minha amiga deu um belo sorriso, e percebi que ela ia se recuperar do seu drama.
Combinamos ir pra matinê numa boate e eu fiquei empolgada com a idéia de sair pra dançar com as meninas, e resolvemos deixar de ir à Lapa pra curtir um samba de primeira com os pais dos garotos tocando porque eles só começam a tocar às dez horas, e não ia dar pra ver quase nada por causa da hora adiantada pra nós, que tínhamos que estar em casa às onze horas (no mais tardar). Voltei a pegar o celular, e já liguei pra agencia que nos leva de van até ao clube, e voltei a falar com elas e tatá mandou um e-mail de um amigo d seu namorado sobre um clube chamado Nuth que fica na barra e pra nos convencer, ela mandou o flyer pra cada uma de nós:

ATENÇAO Matine VAI NOVINHA no Nuth clube
serviço de segurança especializada das melhores festas do Rio

Atraçoes Tocando na pista:
°Dj Hk°
°Dj Cientista°
Stronda Music & Rap :
P.X.S-"Prexaca Style"
Garu P.X.S & Open Fly
U.S-Universo Stronda
STRONDA FOUR THUG`S
Monarquia Playsson
Nuth Stronda Club
No Funk:
°MC AMANDINHA°
°Nego da Moé°
°Mc Túlio°
°Os Levinhos°
°As Novinhas Provocantes°
°Os cobiçados°
°Os desejados°
Combinamos entre a gente de ir pra Barra conhecer essa casa de show, essa boate chamada Nuth, o próximo passo agora seria chamar os namorados e amigos, e convencê-los a aceitar ir pra essa boate ao invés da Lapa e entramos logo em ação, cada uma de nós ligou para um grupo e acertamos tudo e eu queria mesmo ir que já fui escolher uma roupa legal pra ir, separei com os olhos alguns vestidos e acabei escolhendo um pretinho, mas desisti e apanhei um azul claro de cetim que eu comprei a meses e nunca havia usado e joguei-o na cama, e escolhi uma sandália branca e de salto alto, e dei um chute na minha falta de coragem de sair usando uma roupa assim.
Quando eu desci pra me encontrar com a galera, a expressão de Evandro mudou, ele ficou me olhando como se nunca tivesse me visto, e eu fiquei sem graça, e por segundos quis voltar e trocar de roupa, ainda mais depois que Gustavo deixou escapar um ‘nossa’, tão alto que até o porteiro virou-se pra olhar pro elevador. Evandro veio até a mim, e me deu um beijo suave, passou sua mão por minha cintura e cheio de ternura me olhou nos olhos e disse baixinho “você está linda!”, “e sorriu olhando satisfeito para os outros”
Cara, o que é isso fera?”, Gustavo estava todo animadinho e Dinha deu com a bolsa nele e todos riram quase simultaneamente
“olha só, se vocês não pararem com isso, eu vou subir e não vou mais a lugar nenhum”, e eu olhei pra eles e disparei eu ameacei dando uma gargalhada pra disfarçar meu rubor que já me cobria toda a face
A van chegou e fomos ao Nuth, e sentei ao lado de Evandro e de Roseane, no banco atrás de nós estavam Dinha, Gustavo, e Pedro e atrás deles, Tatá e Beto, esses dois estavam sempre pertinho um do outro, mas sempre parecendo tão distantes. Eu tentei argumentar sobre a minha roupa, mas Evandro parecia estar feliz em me ver daquele jeito, seus olhos brilhavam olhando para mim, e ficar calada tinha as suas vantagens naquele momento.
Meia hora de van em silencio poderia fazer bem, e apenas olhares sinceros, risos tímidos e mãos geladas e ainda sim, eu ficava observando os olhos dele, que faiscava quando ele olhava pro meu rosto. A maioria das roupas que eu usava era jeans, bermudas, shorts, camisetas, blusinhas, e apesar de comprar roupas de tudo que é modelo, mas eu não tinha o costume de usar vestidos ainda mais pra ir a festas, esse não era o meu estilo, de jeito nenhum, mas eu estava adorando.
Olhei para Evandro e quis beijá-lo e segurando a sua mão, inclinei o meu rosto e deixei os meus lábios tocarem nos lábios dele, e senti meus cabelos pousando em seus ombros, e ele ainda passou sua mão por meu rosto e afastando o meu rosto, ele sorriu de um jeito tão carinhoso que eu gelei ainda mais.



Parece que bloqueei as lembranças dolorosas que faziam parte do meu dia a dia, tirei aquele peso dos meus ombros, o insistente desespero que continha nos meus pensamentos. Quando chegamos à porta do Nuth, descemos em silêncio, dei uma olhada nas pessoas ali próximas à entrada, a mulher da agencia se aproximou sorrindo e foi dando a cada um de nós, a entrada, estiquei a mão e apanhei meu bilhete e coloquei na minha bolsa
“Por favor, todos com os bilhetes na mão!”, ela avisou a todos

O fato de estar precisando de uma agencia para nos levar a uma festa numa boate, é a colocação de nossos pais, que nos deram um ultimato ‘ ou vamos pela agencia ou ficamos em casa’, e ninguém vai deixar de sair, mesmo pagando esse mico, Isso não é o fim, assim eu acredito, e eles querem apenas nos proteger, o chato é ter que ligar de vinte a vinte minutos pra eles só pra dizer que estamos bem, isso era inevitável.
“chegamos, mãe e não se preocupe, aqui é legal e tem seguranças pra todo lado, estamos a salvo aqui”, eu debochei um pouco e Evandro riu ao meu lado
“minha mãe quer falar com voce, Evandro”, eu disse passando o celular pra ele e O escutei repetir umas quatrocentas vezes ‘eu vou tomar conta dela’
“pronto, agora tipo assim, cara, vamos nos divertir”, eu disse dançando na frente de Evandro

Os DJs estavam tocando de tudo, a boate era muito grande e linda, tem dois andares, com teto de sapê, móveis de madeira e troncos de árvore, no andar de baixo dava pra ver a enorme pista de dança e um jardim com diversas mesas. No andar que a gente estava tinha um restaurante e uma mesa de sinuca, umas janelas enormes lá no alto, perto do teto. E nós ficamos num camarote legal, que dava pra ver muito bem lá embaixo, a pista lotada. A iluminação era fantástica, e é claro que não ficamos lá em cima por muito tempo, descemos e fomos pra pista pra dançar.
Dinha estava de bermuda marrom e uma blusinha rosinha linda de alcinha, usava uma sandália baixa, seus cabelos cacheados soltos, sua pele clara, e seu corpo de modelo, chamou atenção dos garotos, que logo se aproximaram dela, o que deixou Gustavo impaciente.
Roseane como sempre de vestido, e desta vez não tão curto, mas de um tecido leve, que deixava seu corpaço ainda mais cheio de curvas, sandália alta, ela dançava como se estivesse descalça, e Gustavo percebendo a indiferença de Dinha, se juntou a ela na dança e os dois se esbaldaram, e esse joguinho de ciúmes ficou mais acirrado depois que Dinha viu os dois abraçados.
Tatá, sempre recatada, usava roupa como se tivesse um letreiro ‘ não olhem pra mim’, apesar do seu bom gosto pra se vestir, ela estava com uma bermuda de linho ate os joelhos, uma blusa cinza de seda, a bolsa na sua mão da mesma cor da blusa e uma sandália alta também cinza e o Beto e os meninos pareciam ter combinado, bermudas, camisetas e bonés, apesar dos modelos serem diferentes, mas era basicamente o mesmo estilo, muda a cor, os estilos das camisetas e os bonés que parecem disputar algum concurso.


Cansados de dançar voltamos ao andar de cima e fomos jogar sinuca, e separamos as duplas e Gustavo escolheu jogar com Roseane que disse não saber jogar, ele pra implicar com Dinha pediu que ela passasse a sua frente e indo por trás dela, segurou o taco e colocou na mira de uma bola e ficou com seus lábios próximos ao ouvido dela, falando baixinho por longos segundos, e finalmente Roseane deu uma tacada acertando a bola e o orgulho de Dinha numa vez só. E em meio às gargalhadas pela falta de profissionalismo da maioria de nós, e pelos estragos causados as regras do jogo de sinuca, terminamos por nos divertir e parece que as brincadeiras entre Gustavo e Roseane forma por outro caminho e eles acabaram por se beijarem sob o olhar de desespero de Dinha.
“Cara, esses dois estão de onda?”, disse Dinha num tom de revolta
“Relaxa. Eles estão solteiros!”, eu tentei acalmá-la pra que ela não fizesse nenhuma besteira
“Pô, isso é sacanagem! Que viagem! Não tem nada a ver esses dois juntos e Roseane gosta do namorado dela ainda...”, a voz de Dinha já mudara de desespero pra tristeza
“cara, você está gostando do Gustavo!”, eu olhei nos olhos dela com gentileza
“é, e do que adianta isso! Olhe pra eles lá!”, ela apontava com uma mão e a outra segurava seu copo de coca-cola que fazia barulho com sua mão tremendo e batendo as pedras de gelo
“segura à onda, Dinha!”, eu não queria que todos percebessem que ela estava mal com os dois juntos
“vamos ao banheiro comigo! Tá ficando cega de ódio com essa parada”, ela estava nervosa, porém muito mais que isso, ela estava triste e saímos sem que ninguém percebesse e fomos retocar a maquiagem e voltamos logo, mas ela continuava triste e eu não queria que ela chorasse ali e os dois não paravam de se agarrar, ele encostado-se à parede atrás da mesa de sinuca com ela jogada contra o seu corpo
“Dinha, isso não deve rolar!”, eu tentei animá-la
“mas, e se for sério? Pô, tá ligada que eu sempre fugi dessas paradas de se envolver pra não me fazer mal!”, os olhos delas estavam avermelhados
“vamos ter que esperar, cara e você vai se acalmar”, minha paciência nunca teve fim nessas horas
“Cara, você acha que eu dei mole?”, perguntou ela passando as mãos embaixo de seus olhos
“vou ser sincera, tipo assim, cara, quando você ficou dançando com aqueles garotos, ele ficou olhando direto pra você”, Dinha continuou a passar os dedos embaixo de seus olhos
“eu achei que ele ia falar comigo, que ia parar de implicar comigo, sei lá, cara...”, a mão dela agora ajeitava os seus cabelos, jogando-os pra trás
“vamos ver o que isso vai dar”, alisei seu rosto sorrindo
“eu não quero ver nada, cara, eu não vou ficar parada e se ele pensa que vou ficar aqui desse jeito por causa dele, ele não tem noção e vamos combinar esse não é o meu estilo e nunca será”, disparou ela virando-se pro lado que ficam as escadas pra descer pra pista.

Dinha desceu apressadamente pelas escadas, e levou o Pedro com ela, ele foi praticamente sendo arrastado por ela, por escada abaixo.
“problemas com os nossos amigos?”, Evandro percebeu a movimentação nervosa
“Parece que sim!”, respondi rindo meio sem graça
“Gustavo com a Roseane e Dinha morrendo de ciúmes! Isso me fez esquecer até que estou super deslocado nesse ambiente...”, a fala de Evandro me fez lembrar que nem comentei sobre vir pra cá
“eu também nunca estive aqui antes... esquece...”, tentei retirar o que eu disse
“Deixa pra lá! É até muito legal aqui, mas não sei se vou poder vir todo fim de semana para um lugar como esse ou outro igual a esse”, ele estava sem jeito para falar sobre dinheiro
“não vamos vir pra cá todo fim de semana, nem pensei nisso...”, eu nem havia pensado na condição financeira dele
“prometo que não vamos deixar de sair por causa de grana, apesar de esse ser o motivo do meu pânico ao entrar aqui”, ele estava ficando desconfortável com aquela conversa e eu não sabia o que dizer pra ele
“não vamos pensar nisso, Evandro”, eu coloquei o copo de refri na mesa e sequei a mão no lenço e me virei pra ele sorrindo
“eu não queria pensar, mas é preciso falar disso com você. Eu não trabalho apenas pra comprar roupas e sair aos fins de semana, como Pedro faz, eu preciso ajudar em casa, ajudar o meu pai...”, as palavras dele sobre suas responsabilidades só me faziam gostar mais dele

Eu jamais tive que pensar em coisas assim, e isso sacudia meu coração, como alguém tão jovem já tinha que agir feito adulto, e eu que sempre soube o preço, o valor das coisas, ali o escutando me senti uma inútil e voltei a sentir como é vazia a minha vida, sem culpa, claro

“Desculpa-me, Júlia! Voce não tem culpa da minha situação, mas eu precisava falar com você, apesar de você já saber muito bem de onde eu venho”, ele estava mais sereno agora que falou o que queria
“eu te admiro ainda mais por isso, Evandro!”, eu sacudi minha cabeça rindo novamente sem graça fingindo estar feliz
“Olha só, eu nunca vou desistir de voce e não será por isso que eu vou desistir de você!, o ar me faltou nos pulmões e eu só pude abraçá-lo fortemente e ficar agarradinha nele
“a vida tem que ser muito mais do que um lugar desses, e lá fora tem tanto espaço pra gente estar, e eu não vou deixar você ir embora por causa de algo tão pequeno e que não vai fazer falta nenhuma se a gente não tiver em nossas vidas”, e meu coração voltou a bater com força

De qualquer forma, essa conversa tinha que acontecer logo, as definições do que a gente queria tinham que ser tomadas, antes que causasse estragos que não poderíamos consertar.


Eu ainda nem havia me recuperado nos braços de Evandro, quando ele me mostrou Dinha e Pedro voltando da pista de dança, e ela na frente puxando-o e ele com um ar de quem estava numa roubada enorme. Passei as mãos nos cabelos e fui falar com eles, e parecia que tudo tinha que acontecer ao mesmo tempo.
“o que está acontecendo aqui!”, puxei Pedro pelo braço e o afastei de Dinha
“é a Dinha! Ela quer ficar comigo!”, ele falou baixinho
“e qual é o problema, pra você está com essa cara?”, perguntei
“A Tatá... ela vai ver a gente juntos!”, ele abaixou a cabeça, cruzou os braços sem levantar a cabeça
“Meu Deus, voce está gostando da Tatá!”, senti o meu coração apertando
“ela nem sabe que nada disso, Júlia”, ele ainda abaixou mais a sua cabeça
“ela é minha melhor amiga e conheço-a há tempos, e esse Beto nunca pareceu tratá-la bem, com carinho, sabe?”, tentei dar esperanças a ele
“mas, e daí? Ela gosta dele e é isso que importa!”, eu observei seus olhos, me abaixando e levantando a cabeça dele com minha mão
“não fique assim, Pedro! Está tudo errado. A Roseane ali com o Gustavo, e a Dinha é que queria estar ali com ele...”, Pedro me deu um olhar meio estranho e voltou abaixar a cabeça
“e eu queria estar lá com a tatá e fazer essa sensação ruim passar”, a cabeça dele quase saiu do seu pescoço, que de tão pesada parecia querer sair do pescoço dele e eu podia sentir os ossos do seu pescoço se partindo
“e se você ficar com a Dinha, o que será depois?”, quis observar seus olhos, mas ele não me deixou levantar sua cabeça evitando o confronto
“vamos ver isso depois, Júlia”, agora ele confrontou os meus olhos e deu uma olhada onde tatá estava e foi andando pra perto de Dinha

Quando Dinha o abraçou, eu pude notar que tatá estava olhando por cima do ombro de Beto, que era sempre indiferente a minha amiga, numa frieza insuportável, ele sacudia o gelo em seu copo, e ela ao lado como se cumprisse contrato ou fosse cena de um filme, e eles nem se beijavam direito quando saiam, e Pedro pareceu ser tão sincero.

“o dia hoje começou a acabar, não é Júlia?”, meus ossos estalaram por dentro da minha pele, eu olhei nos olhos calados de Evandro, e quis fugir dali, correr pra bem longe, pra não ver os meus amigos tristes, mas eu não era assim, e ainda pensava numa solução
“não é esse o fim que eu vejo acontecer... e você, Evandro vai me ajudar a não deixar que esse seja o fim”, implorei pegando suas mãos e colocando contra o meu peito, juntando as nossas mãos
“o que for pra te fazer feliz, eu farei!”, eu observei seus olhos falantes e senti uma eletricidade pelo meu corpo e uma boa sensação me atingiu como um perdão recebido.




Capitulo 09

Eu sabia que se eu me deixasse levar por aquela situação, eu não teria como ajudar os meus amigos, e tinha que passar por aquilo da melhor forma possível, e tentar ser natural quando o teto está caindo na sua cabeça tinha algo de insuportável. E eu não podia abraçar o mundo e colocá-lo sob meus braços, e se tinha que acontecer deles ficarem juntos e infelizes, que fosse apenas por hoje. Não demorou muito pra tatá começar a dar defeito também e seus pequenos olhos dispararam contra Dinha e Pedro quando eles finalmente se beijaram. Ela olhou-os e depois olhou na minha direção, disfarcei pra que ela não percebesse que eu já estava olhando pra ela, e a expressão vazia dela, e mecanicamente ela largou o copo de suco de laranja na mesa que estava na sua mão, e passou as mãos nos cabelos - isso era típico dela quando algo não estava legal – apanhou da mesa sua bolsa e tirou seu celular e fez umas duas ligações e o guardou com violência jogando a bolsa sob a mesa.
Olhei em volta virando devagar o meu pescoço e vi Gustavo olhando pra Dinha por cima do ombro de Roseane, a expressão dele não era nada boa, ela tinha um desconforto, uma desolação contida. Eu sabia que se eu ficasse alheia depois será difícil apoiá-los, mas eu também não tinha como separá-los e tudo que eu podia fazer era esperar que o estrago fosse de leve.
“Júlia, voce sabia que o Pedro queria ficar com a Dinha?”, era o que eu temia que alguém me fizesse àquela pergunta
“cara, eu to de cara com isso! Eu estava esperando que o Gustavo fosse ficar com ela”, justifiquei sem mostrar interesse
“Logo, a Dinha que tem o prazer de dar toco em qualquer garoto nas festas pra depois ficar contando vantagens”, ela estava muito desanimada
“é mesmo! Isso é estranho! Mas, ela está fazendo isso pra deixar o Gustavo mal. é meio logo, saca?”, eu sabia que ela estava mais interessada em saber sobre o Pedro e não sobre a Dinha
“Pô, ficando logo com o Pedro?”, a voz dela ficou cheia de rancor
“tatá, pega leve.”, aconselhei
“tá tranqüilo, cara. Eu não tenho nada a ver com que ela fica ou deixa de ficar. Só acho que o Pedro podia ser menos retardado, ele não merece ser usado assim, na cara dura, na frente de todos”, agora a voz dela tinha todo mau humor possível
“seu namorado vai acabar desconfiando desse seu interesse pelo Pedro, minha amiga”, eu tentei segurar a mão dela que não deixou e puxou-a com violência pra trás
“Eu, interessada no Pedro?”, a voz dela deve ter sido escutada até na pista de dança lá embaixo
“cara, fala baixo!”, tentei cobrir-lhe a boca em vão
“eu estou falando baixo, Júlia”, o tom de voz dela estava ainda mais pesado
“vamos descer um pouco, eu e você, e sair daqui antes que todos comecem a comentar”, peguei-a pelo braço e desci as escadas com ela que ia descendo e olhando pra trás e no canto da pista ela ainda ficava olhando lá pra cima na tentativa de ver alguma coisa


“me desculpa, Júlia. Eu perdi a cabeça...”, agora sim, ela caia em si
“fala sério! Eu estou triste, mas ao mesmo tempo feliz. Finalmente você mostrou que quer ser feliz também. Todo esse tempo que namora o Beto, eu nunca te senti feliz de verdade, e como eu também vivia com a esperança sob a sola dos meus pés, eu nunca pude chegar até você e abrir seus olhos”, peguei na mão dela e apertei levemente e enchi a minha expressão de compaixão
“eu era feliz com ele no inicio...”, ela ainda tentou se explicar
“no inicio quando ele queria ficar com você, mas assim que conseguiu isso, ele passou a te tratar mal. Ele nunca te deu valor, atenção e nada além de te levar pra sair. Ele não conhece a menina maravilhosa que você é. Nunca soube”, olhei-a nos olhos firmemente
“Pedro, conversou tão pouco comigo, cara e numa dessas conversas, ele disse que eu tinha muito a viver, tipo, que eu era tão linda pra estar tão apagada... eu não consegui esquecer essas palavras dele”, as lágrimas saíram de seus olhos como se fossem chuvas caindo do céu
“qualquer um que te olhe com atenção percebe que você se anula, cara, menos o seu namorado esnobe”, levei a mão até o seu rosto e quis enxugar as lágrimas de seu rosto
“e se...”, desta vez eu tapei a boca dela com a minha mão
“nós vamos ao banheiro e tipo, você vai limpar esse rosto e vamos subir e ignorar o que está acontecendo e vamos resolver isso noutro dia”, fui firme com ela antes que as coisas piorassem
“você está certa, Júlia”, foi só o que ela conseguiu dizer, mas foi o suficiente, então fomos ao banheiro e subimos e quem disse que a tempestade havia passado? Ela estava apenas no começo.

Aquilo era uma mistura de tempestade e pesadelo ou um pesadelo com tempestade e com certeza não havia um céu azul no céu durante aquele perrengue na boate. E não tinha como evitar que o céu desabasse em nossas cabeças, quando subimos, Gustavo estava conversando com Evandro e gesticulava nervosamente, definitivamente tudo estava muito errado. Eu e tatá nos aproximamos deles e tentamos apaziguar a situação, embora sabendo que seria impossível e já sabíamos o motivo do nervosismo de Gustavo.
“Por que você está reclamando da Dinha, foi você quem ficou com a Roseane primeiro, se toca Gustavo!”, disse Evandro pro nervoso amigo, ele parou de falar e pensou e pensou, abaixou a cabeça e nos olhou atento
“então é isso?”, disse enigmático
“isso, o que cara pálida?”, perguntou Evandro
“então, eu estou assim, agindo como um babaca porque eu estou afim da Dinha, é isso?”, essa não era uma pergunta retórica. E olhamos pra ele e ele começou a rir debochadamente e parava de rir e começava novamente, balançando a cabeça como se não aceitasse a sua situação
“caiu a ficha?”, perguntou Evandro colocando a sua mão delicadamente no ombro de seu amigo


“como eu fui gostar dessa Garota irritante, patricinha, cheia de marra?”, a resposta ninguém tinha pra dar, mas todos nós sabíamos o que ele acabara de descobrir
“porque talvez, cara, ela seja um pouco do que voce nunca foi e isso te chamou atenção e ela também pensa igual a você”, Evandro continuava com a mão no ombro dele
“mas, ela está com o Pedro...”, ele tentou vira-se pra nos mostrar os dois juntos
“já parou pra pensar que a ficha dela ainda não caiu?”, agora Evandro colocara as suas duas mãos no ombro do amigo que tinha agora a expressão calma e com a palidez de quem recebe a noticia que tem apenas um dia de vida

Eu e tatá observávamos a conversa dos dois sem nos meter, e eu olhando pra tatá via que a minha amiga também estava caindo do céu naquele instante, e eu dei uma alisada em seu ombro e sorri sem nenhum prazer pra ela. Peguei seus pedaços e juntei, e ficamos as duas olhando Pedro e Dinha juntos e Beto do outro lado, indiferente bebendo seu refri sem se dar conta que começara a perder a namorada.
“como vamos consertar tudo isso?”, tatá falou tão baixo que eu acho que ela nem fez a pergunta pra mim. E era mais como se ela se perguntasse em voz alta, mas eu respondi instintivamente
“temos que ver o que a Roseane está achando disso porque se ela estiver gostando do Gustavo, ferrou! Ela vai acabar sofrendo mais uma decepção porque dessa confusão ela é a única inocente”, defendi a minha amiga que até agora poderia estar entrando numa maior furada
“Meu Deus, é mesmo... a Roseane... eu não tinha pensado nela...”, a culpa chegou até tatá e foi como uma flecha certeira em seu coração
“cara, eu vou saber logo disso, antes que essa duvida quebre todos os meus ossos”, eu tirei a mão do ombro de tatá, e fui indo até a ela encostada à mesa e parei diante dela e sem ser notada esperei que ela quisesse conversar comigo
“Júlia, o que foi amiga?”, ela nem tinha idéia do que eu fui fazer ali, mas ela ficou com cara de preocupada
“vou ser rápida e direta, amiga! Você está gostando do Gustavo?”, soltei logo a bomba antes que ela explodisse em minhas mãos
“sei lá, acho que não... não mesmo... foi só curtição... já passou, já foi!”, respondeu ela olhando pro copo de coca-cola na mesa e balançando a cabeça ao som do funk que começara a tocar
“você vai ficar bem, amiga?”, insisti
“claro, Júlia.”, ela continuava a balançar a cabeça e a dançar
“legal!”, exclamei virando pra voltar pra perto da galera que aflitos esperavam saber o que se passava na cabeça de Roseane
“toma cuidado, gata”, alertou ela
“cuidado com o que, Roseane?”, me virei bruscamente pra ela
“pro Evandro não saber do seu interesse no Gustavo, cara”, disse ela parando de dançar e com olhar de compaixão



“Não, não... eu não quero nada com ele”, minha voz saiu embaraçada e dei meia-volta e fui me aproximando dela novamente
“o que foi aquilo então, cara?”, ela ficou séria e eu tinha que contar-lhe tudo que estava acontecendo

Depois de contar cada detalhe daquela confusão, eu peguei na mão dela e passei em meu rosto, pra que ela pudesse sentir a minha calma, e entre sorrisos e alguns abraços depois de detalhar tudo pra que ela entendesse bem, ela me olhou e disse que tudo que ela precisava era de amigos que a amassem como nós.
Ela estava calma, e eu aliviada por saber que Gustavo pra ela era apenas um amigo e não um futuro namorado, mas isso me fazia lembrar que ela ainda sofria pelo toco que tinha levado. Embora fosse evidente que ela ia superar tudo na boa, e nós estávamos ali pra ajudá-la a passar pelo desgosto da separação porque sabíamos que ela gostava do garoto. Deixei-a dançando e desta vez, virei e com um peso menor nos ombros, não sentia mais meus ossos se apertando dentro de mim.

“galera, ela não esta gostando do Gustavo! E Gustavo é melhor não repetir a dose.”, eu estava completamente elétrica e fui falando direto
“ela parece estar numa boa mesmo!”, disse Evandro olhando pra Roseane dançando sozinha
“ela esta sim, tipo assim, cara, ela disse que é amiga do Gustavo e que foi apenas pra curtir que eles ficaram”, eu empurrei o Gustavo fazendo careta pra ele
“e agora, e Dinha e Pedro, vai falar com eles também, Júlia?”, perguntou tatá sem jeito pra não mostrar que ela tem seu interesse nessa estória
“já que estou na chuva, vou sim”, era a única coisa que eu podia fazer pra evitar o sofrimento dos meus amigos que sem perceber armaram uma situação chata pra eles mesmos, mas de qualquer forma, eu estava vendo que não seria permanente, e que meu instinto agregador ainda funcionava quando posto a prova, e que nada era impossível de acreditar quando havia amor envolvido, e é pra isso que vivemos.

Me enchi de coragem e parti pra outra missão, cheguei perto de Dinha, e coloquei a minha mão em seu ombro, ela virou-se parando de dançar e viu que meus olhos estavam sérios. Ela sabia o que eu estava fazendo ali porque todos os envolvidos, ela era a única que estava atenta a movimentação que acontecia, e ela sabia que Gustavo ao vê-la com Pedro largara a Roseane minutos depois, e mesmo agindo feito aço, eu sabia que ela estava derretida por dentro.
“podemos conversar Dinha”
“claro, Júlia!”, ela abriu um sorriso
“então, venha! Pedro, por que você não se junta lá com a galera”, dei a deixa pra que ele saísse dali imediatamente
“pronto, estamos sozinhas e já sei o que vai me falar Júlia”, ela parou de dançar e colocou as mãos em sua cintura


“sabe mesmo?”, duvidei
“claro, você veio falar do Gustavo!”, ela estava numa altivez insuportável
“você se enganou, cara. Eu vim falar da Roseane”
“da Roseane?”, eu pude vê-la cair do seu pedestal
“Sim!”, respondi dando tempo para que ela percebesse onde a conversa chegaria
“eu não estou entendo”, agora ela estava ali, presente no chão
“eu explico tudo”, ainda fiz um silencio proposital
“tudo bem, explica Júlia”, agora sim, ela estava totalmente dando importância a minha presença
“vocês sem pensar em mais nada além de vocês, tipo, quase podiam ter ferido a Roseane...”, ela me interrompeu
“o que eu fiz de errado”
“tudo, gata! E calma que eu já chego lá”, afirmei fazendo sinal com a mão pra que ela esperasse
“eu começo a entender...”, ela tinha a voz mais calma
“então, vocês em seus egoísmos nem perceberam que a Roseane está passando por um momento ruim, e o Gustavo pra te fazer ciúmes ficou com ela, e você com Pedro, e se isso continuar quem vai sair pior dessa estória será a Roseane, porque o Gustavo gosta de você e você gosta dele. Mas, os dois são cabeças duras pra perceber isso, e ao invés de fazer algo pra ficar juntos, forma bolar esse plano de ciúmes...”
“mas, foi ele quem começou...”, a beleza dela desapareceu por completo
“ainda sim! Dinha”, eu tentei me impor com a voz firme
“mas, eu não quero gostar daquele garoto, ele faz de tudo pra me irritar”, ela se projetava como ele
“só que nem você e nem ele vai poder ficar fugindo disso por muito tempo, e tipo assim, cara, mesmo que consiga, eu espero que não seja por muito tempo. Eu gosto de vocês, e seria bom que parassem de brincar de gato e rato”, ela estava um pouco depressiva
“eu não sei... vou pensar”, a cor sumiu do seu rosto e era a mesma reação que Gustavo teve ao ser flagrado
“eu posso entender, mas pense que por hoje, tipo, já chega de ficar com o Pedro porque ele está gostando da tatá...” revelei
“caraca! Todo mundo gostando de todo mundo e ninguém ficando com ninguém que quer ficar!”, a cor voltou ao seu rosto
“viu? É complicado!”, soltei um riso tímido
“e você é a única de nós que está com quem quer ficar e logo você que se recusava a falar dessa possibilidade, cara, lembra que brigava com a gente quando queríamos te arrumar algum garoto.”, ela deixou um riso escapar do seu rosto triste
“eu estava perdida mesmo e por isso, eu vou fazer tudo pra que vocês não fiquem como eu ficava”, fiz uma careta
“valeu por isso. Júlia!”, o rosto dela ficou mais feliz
“vocês são as pessoas que eu mais amo e quero todos vocês felizes”, mudei a expressão e acabamos com um abraço apertado

Voltamos pra nossas casas, e o pesadelo tinha ficado pra trás, embora nenhum deles tenha admitido o que sentia, mas nenhum deles voltou a ficar junto e um pouco de sofrimento foi evitado. E eu não tinha outras armas pra usar, além da verdade que eles tinham, e voltando na Van eu os observei caindo de seus muros, se esborrachando no chão, e tentando se levantar da queda. Eu ainda via que eles estavam envergonhados, com olhares vazios, pele seca, boca sem palavras, e encolhidos como se estivesse se protegendo de uma possível batida.

Já em casa, mergulhei na minha cama e os meus pensamentos me acompanharam e eles foram me mostrando que agimos errados por nada, e fui vendo os meus pensamentos ficarem distantes e distantes e peguei no sono e quando a manha chegou levantei meio cansada, indisposta, como sempre me levantava e só depois de lavar o meu rosto é que eu conseguia realmente despertar. Era preciso estar disposta pra começar a semana, e os estudos tinham um peso maior do que os meus pensamentos. E fui apanhando as coisas que eu queria livros, cadernos, anotações de aulas e jogando tudo dentro da minha mochila sem olhar, e eu sabia que eu não podia me estressar, senão corria o risco de perder o interesse nas aulas.

E eu tinha fé que aquilo era algo de mais importante que estava acontecendo na minha vida, prestar o meu vestibular, conseguir uma boa classificação e abrir com isso, o meu campo profissional. Somei todos os pros e contras, e avaliei o que tinha pela frente, e concordei pra mim mesma colocar os estudos acima de tudo, e estava fazendo isso, embora nesses dias os meus pensamentos tenham sido dedicados ao Evandro em quase sua totalidade e eu estava feliz com isso.

As aulas seguiram apunhalando a minha decisão, e eu tinha sempre o olhar de Evandro na minha linha do céu, e ele se esforçava pra que eu me mantivesse firme aos estudos, e ele me mostrava sempre que tudo aquilo era mais importante do que nós. O receio dele no inicio do nosso namoro é que eu podia achar que era necessario tanto empenho assim da minha parte, afinal meu pai e minha mãe tinham uma boa situação financeira, e eu por isso, podia acabar me desinteressando.
E eu cheguei a colocar essa possibilidade na balança, mas eu não queria sempre ser aquela menina que tinha as coisas prontas nas mãos e que decidissem por mim o que eu tinha que fazer. E eu tinha planos de conquistar as coisas com o meu próprio suor, e eu jamais aceitava tudo que meus pais me davam por vicio, e eu tinha como evitar, trabalhando, mas eu cresci num ambiente onde o dinheiro nunca foi o problema.
Mas, eu tinha toda a responsabilidade de onde ele vinha e de como ter tanto privilegio pode ser penoso com o modo que o mundo pensa, e desde novinha eu sempre quis saber diferenciar isso.






E eu procurava não deixar que o dinheiro dos meus pais me causasse culpa, ninguém escolhe nascer rico ou pobre, e eu não escolhi, mas eu também não podia deixar que isso me acomodasse. Meus pais sempre me incentivaram a lutar pelo o que eu queria, de ser independente, e de jamais ficar de braços cruzados esperando ganhar o que quisesse sem me esforçar.
E agora, crescida não seria diferente, nem pra eles e nem pra mim, e eu não podia entrar nessa pilha, e numa tentativa de relaxar procurava me jogar nos livros, e não ficar forçando encontros além dos que tínhamos depois das aulas e também das nossas reuniões de estudos em grupo, eu estava sempre atenta pra não errar na mão e confundir o namoro.

À noite, eu deitava na minha cama, e pensava no meu comportamento, e fazia uma avaliação do que eu tinha feito dos meus atos com Evandro durante o pouco tempo que ficávamos juntos, e eu não podia deixar que nada interferisse, nem numa coisa e nem em outra, tinha que haver um equilíbrio aceitável. Eu sabia que pro Evandro seria mais complicado, O esforço dele em conseguir aprender nas aulas, sua concentração tinha que ser maior. E eu dava a maior força pra ele conseguir e não ficava no seu pé cobrando atenção, e quando estávamos, nós aproveitávamos tudo que podíamos, brincava, ria, e aproveitava bem o tempo.
As duas coisas iam muito bem, uma não interferia na outra. E eu conseguia passar que eu estava disposta a seguir em frente, e ser feliz nas duas frentes. Eu também não podia reclamar, eu via o Evandro todos os dias no curso, e depois das aulas quando ficávamos juntos por algumas horas e ainda podia ficar nos fins de semana com ele – quando ele não tinha que trabalhar – e diminuímos as saídas pras festas, depois daquele dia tétrico.

Os meninos e as meninas não se acertaram, e Roseane voltou às boas com seu namorado, quase um mês depois e ainda sim, estava tudo bem com eles, e eu sentia que aconteceria logo, sempre que estávamos juntos, os olhares deles, se procuravam e tatá estava a um passo de terminar o seu namoro com Beto e em seu Orkut até as fotos deles juntos, ela já tinha tirado, e como eu disse, eu não podia me estressar com mais nada porque as coisas estavam indo bem, e isso me deixava relaxada.
Evandro vinha sendo algo tão bom pra mim, sempre carinhoso, atencioso e amoroso, e mesmo com a nossa diferença, o namoro andava tão bem, fazendo tão bem. Parecia que a minha vida estava segura, e que só dependia de mim pra mantê-la a salvo, e eu não queria deixar escapar essa chance, e me agarrava a ela com unhas e dentes.







Capitulo 10

Eu não seria uma garota fútil, e aprendi desde cedo a valorizar o dinheiro que eu ganhava, e eu levava a sério ir a clinica do meu pai trabalhar, servia café, suco, água aos clientes; limpava salas, e organizava fichas no computador, e fazia tudo isso porque eu tinha a necessidade de aprender tais valores e nunca gostei de aceitar todas as coisas de mão beijada, e trabalhava seis horas por dia.
Minha mãe no principio ficava atenta ao que eu fazia, mas depois ela passou a ter orgulho da sua única filha que não agia feito uma rainha em casa – apesar dos meus pais lidarem muito com futilidade, meu pai com as dondocas procurando estética como salvação e a minha mãe decorando ambientes de madames – eles nunca foram de evitar que eu trabalhasse de alguma forma, mesmo sendo pro meu pai, ele jamais determinou o que eu fizesse, e eu era quem escolhia o que eu fazia na clinica, desde servir até limpar as salas.
No lugar disso, eu tinha liberdade total de poder fazer o que eu quisesse na clinica pra no fim do mês ter um salário que eu merecesse, e isso me deixava muito contente. Quando ainda estudava pela manha, trabalhava a tarde e agora fazendo cursinho no Werneck pela manha continuava a ir de tarde, só que agora um pouco mais tarde do que antes, afinal as coisas mudaram, eu tinha muito mais pra estudar e ainda ganhara um namorado de presente.

Minha vida sempre foi agitada, eu pensava olhando meu rosto no espelho do meu banheiro. Eu apanhei uns produtos de beleza, e comecei a fazer uma maquiagem leve, e como a semana passou voando, era dia de sair com Evandro e com a turma toda. Sábado pela manha, eu ia me encontrar com as meninas que resolveram mudar de visual, no salão oficina do cabelo, na Gávea e íamos mudar os cabelos e eu nem tinha uma idéia do que fazer com o meu, afinal, eu adorava vê-lo crescendo e sempre lisos. Mas, eu tinha que fazer os cabelos pela manha porque à tarde eu queria estar linda pra encontrar com Evandro.
As meninas estavam impacientes, nervosas com a possibilidade da mudança, e eu não tinha reação porque eu não queria mudar muito, e então não criei expectativa sobre como eu ficaria depois do corte. No salão, já nos esperavam, uma mulher de nome Sanya, nos recebeu muito atenciosa, e ela era nova lá, nunca a tínhamos visto trabalhando ali, e fomos até a outra sala e sentamos numas cadeiras perto do espelho. Dinha é a que mais queria mudar, ela queria além de cortar, ela queria pintar, colocar luzes em seus cabelos, e Roseane queria radicalizar, além de acabar com seus cabelos cacheados, ela queria cortá-lo e deixar uma franjinha. E tatá repetia que queria luzes, clarear ainda mais seus cabelos que já eram claros, e aumentar um pouco mais o volume deles e cortar pra poder usá-los divididos ao meio, além de fazer a tal das luzes.
E eu apenas queria tirar um dedo do tamanho do meu cabelo, e eu não gosto de tintura neles, então eu mudaria tanto assim, mas era o que eu tinha em mente. Dinha começou a ter seus cabelos cortados e ao lado dela, Roseane já estava colocando clareando mais os seus cabelos, que ficariam ainda mais claros, num bronze ainda mais visível.



Demorou mas, já estávamos todas prontas, e Dinha ficou muito linda, com seus cabelos alisados e loiros, as luzes a deixaram com mais azuis nos olhos, e o corte valorizou muito seu rosto. Roseane ficou parecendo essas garotas capas de revistas teen ou uma dessas cantoras adolescentes. Os cabelos quase raspando acima das orelhas, a franja caindo no rosto, e a cor mais clara, deram a ela um ar de menininha. Tatá parecia outra pessoa, o rosto dela ficou mais visível, claro, jovem, e seus olhos com mais brilho e até sua expressão frágil ficou mais forte. E eu, apenas cortei as pontas, e fiquei com um rosto mais visível e diminui um pouco o volume dos lados, dando a impressão que cortei muito, e melhorou bastante, embora eu tenha detestado. Mas, agora eu podia usar a minha franja caindo mais ao canto do meu rosto, dividindo-os mais pra esquerda ou pra direita.
Saímos do salão e fomos andando pela calçada até o ponto do ônibus, e lembrando o ultimo show que tínhamos ido, da Lilly Allen na apoteose, e naquele dia tínhamos feito a promessa de mudar o nosso visual, mas o tempo foi passando e passando e só agora tomamos coragem. E agora era inevitável pensar no que os garotos iriam dizer se iam gostar, e se depois de todo esse esforço se receberíamos aquelas expressões de ‘nossa, que linda!’
Descemos do ônibus e dobramos a esquina e eles já estavam no Domino’s Pizza-Leme, uma pizzaria que gostávamos muito de ir quando íamos à praia, com as cadeiras na calçada era muito bom passar um tempo ali conversando, vendo as pessoas e sentindo o refresco vindo do mar. Mal nos viram, Evandro levantou-se e veio com um sorriso encantador no rosto, e seus olhos nem se mexiam
“Nossa Senhora, você está linda, Júlia!”, ele disse esticando sua mão pra tocar em meu rosto e eu fiquei fazendo cara de envergonhada, mas se ele nada dissesse, eu terminaria o namoro na hora, pensei e ri de volta
“obrigada!”, minha voz saiu fraca

Sentados ali conversando, eu notava os olhos de Pedro em cima de Tatá, e ela parecia retribuir com sorrisos, sem que Beto notasse e Gustavo nem piscava olhando pra Dinha, Roseane e seu namorado em lua-de-mel depois que eles voltaram então pra eles tudo estava lindo. Os meninos aprovaram a nossa mudança, e eu me senti feliz porque eu dificilmente gosto de mexer em meus cabelos.
O garçom veio com as pizzas e refrigerantes, e serviu a todos, e tatá viu que não tinha vindo o seu suco de laranja, e quando Beto levantou, pensamos que ele fosse lá pegar o suco, mas ele foi direto ao banheiro e Pedro levantou-se num ímpeto e foi até lá dentro e veio com o suco e colocou na mesa, e abaixado atrás dela, os seus lábios mais uma vez tocaram os cabelos dela e tatá ao vira-se pra agradecê-lo ficou de frente ao rosto dele e os lábios finos dela quase tocando nos lábios de Pedro






E a gente ali assistindo a tudo, quietos, mudos, com a respiração presa e olhos fixos nos dois, que alheios a tudo, ficaram se olhando, e Pedro olhava os olhos azuis de tatá e em seguida olhava a sua boca perdida num batom rosinha.
E eu pensando ‘beija, beija’, numa torcida interna, mas que não deu em nada, ele se ergueu e se ajeitou, e voltou ao seu lugar, e segundo depois, Beto voltou do banheiro e sentou-se ao lado de tatá, que fez uma expressão triste.
Se ele a tivesse beijado, certamente Beto teria pegado os dois num flagrante, e isso não seria nada bom e nem justo, afinal, tatá era a namorada dele, e seria melhor terminar primeiro antes de traí-lo, e assim não ganharia fama nenhuma.

Saímos da pizzaria e fomos passear a beira-mar, final de tarde, ciclovia cheia de patinadores, skatistas e ciclistas, o calçadão com seus quiosques cheios, a praia ainda com banhistas e surfistas, algumas pessoas jogando futevôlei, outras fazendo exercícios na areia, um final de tarde comum na praia.
Evandro me abraçava forte e a gente parava de andar e ficávamos abraçados, e voltava a andar, eu me jogava nos braços dele e com meus modelitos de verão, eu tinha total liberdade de pular, de correr, sem me importar.
Andamos até o inicio de Copacabana, e sentamos nos bancos, e mais uma vez a minha atenção foi em Pedro, que ao lado de Roseane olhava tatá com ternura nos olhos e ela retribuindo e Beto olhando pro mar. Gustavo ao lado de Dinha falava coisas que a fazia dar gargalhadas e Roseane dando uns malhos no namorado.
Quando seria a hora em que eles fossem ficar juntos, e tanta demora disso acontecer, já me angustiava, apesar de não mais me meter, diretamente, eu diria, afinal eu fazia questão de marcar esses passeios com todos.
Evandro mega carinhoso segurava a minha mão e olhava gentilmente nos meus olhos, fazia carinhos em meu rosto e falava sempre cheio de carinho comigo, e se eu sonhasse me ter um namorado, esse namorado teria que ser ele, e ou eu teria que inventá-lo.
Aquela solidão que eu sentia se perdeu diante da alegria que eu sentia ao estar com Evandro, e ela era tão solida, tão latente em mim, eu vivia sufocada pelo vazio, pela duvida e até cheguei a pensar que viver um amor nunca seria natural pra mim.
E agora eu via o quanto havia de engano, o quanto havia de medo nas minhas atitudes, e o quanto havia de negação. Eu me dedicava a cultivar uma auto-piedade destrutiva que não me deixava enxergar nada além da minha tristeza, mas olhando pro Evandro me tratando com tanto carinho e cuidado, eu respiro aliviada por poder sentir que o amor, está ai e que pode ser alcançado por todos, porque se eu que o negava a cada segundo o havia encontrado, nada seria impossível pra ninguém, é só questão de tempo e ao menos uma vez em nossas vidas o amor chega.





Olhando toda extensão da praia indo com os olhos até onde podia alcançar. E tudo que eu via era a beleza das montanhas, e pro cima dos prédios a visão do cristo, e virando o pescoço um mar cercado de montanhas que nasciam dentro d’água, espalhadas e entre elas o pão de açúcar. E eu passava a mão nos olhos, esfregava e tudo continuava lá, o mar chegando até a areia, como Copacabana é linda, vista daqui do Leme e de lado.
E fiquei pensando como as pessoas gostam de fazer exercícios ao ar livre, parecia uma imensa academia em céu aberto, e aquela movimentação pelo calçadão, nas areias e na água, me deu vontade de me vestir e ir correndo pra lá, eu adoro correr na praia.
Minha timidez sempre me jogou contra lugares fechados, e eu me acostumei a fazer meus exercícios pela praia, pegava minha bicicleta e pedalava pela ciclovia, com esse mar me acompanhando, e quando corria pelo calçadão, eu até esquecia ela e muitas vezes eu fazia exercícios com a turma da terceira idade, onde eu sempre era tratada como netinha por eles, domingo era o nosso dia na praia.
Distraída em meus pensamentos, eu sentia apenas a mão de Evandro segurando a minha, e isso me ligava a ele, e o sentimento de estar livre da prisão em que eu vivia corria ali, livre pela praia e me levava com ele. Apertei a mão de Evandro e deitei no banco e deixei a minha cabeça pousar no colo dele, e fiquei sorrindo pra ele.

“eu vou querer que isso jamais se acabe”, murmurei
“como é bom saber disso”, ele falou se abaixando pra que seus lábios tocassem a minha testa
“eu nunca estive tão feliz, Evandro!”, minha voz quase nem saiu
“e eu sempre quis ser feliz como estou sendo com você”, retribuiu
“eu tenho você e eu não quero que isso mude”, eu pensava ser possível uma mudança
“se alguma coisa mudar entre nós, terá que ser pra melhor, e esse pouco tempo já mostrou isso, e eu sempre achei que eu já tinha pronto todo meu plano, eu achava que eu já sabia por onde seguir. E minha programação mudou toda depois que te vi e o que eu tinha programado faltava algo, faltava você pra que ela tivesse algo que me deixasse feliz de verdade”, escutei aquelas palavras antes de sentir seus lábios pressionando os meus com força
“eu não estava em seus planos?”, perguntei
“não! E por isso, eu sabia que tinha que te encontrar pra não ser mais sozinho”, as mãos dele arrepiou toda minha pele quando ele tocou no rosto
“e eu estava esperando por você porque eu quis ficar sozinha, e no fundo eu tinha essa esperança de que você fosse chegar pra mim”, e o beijo de agora tinha o mar ao fundo como testemunha do amor que crescia entre nós.
“e eu só pensava em te encontrar, Júlia! Todo esse tempo eu sabia que você estava por ai e que seria impossível ficar sem você, e eu sentia, e eu imaginava, e eu sonhava com esse momento e eu precisava de você para que a minha vida ficasse melhor”, ele falava acariciando o meu rosto e como era bom escutar tais palavras ao som do mar que parecia querer escutar a nossa conversa
“eu não quero te perder e eu sei que eu não morreria por isso, mas eu não quero mais viver como eu vivia. Todos os dias quando eu via o mar, eu sentia o vazio de saber que faltava alguém, que mesmo diante dele, eu me sentia vazia, e isso eu não quero mais”, fechei os meus olhos e os apertei fortemente pra segurar as lágrimas
“eu não vou a lugar nenhum e sua vida não voltará ao que acabou de dizer por que eu vou estar aqui porque eu te encontrei”, sua mão enxugou as minhas lágrimas
“você promete?”, afinal, eu tinha que pedir um juramento
“com toda a força do meu coração, eu prometo!”, eu vi uma expressão de esperança em seu rosto
“então diga... eu quero acreditar... diga...”, era chegada à hora, e não tinha mais como passar sem saber a verdade, sem ter medo de falar
“eu amo você, Júlia! Eu amo você, Júlia!”, ele repetiu enchendo o meu rosto de pequenos beijos
“eu amo você também, Evandro!”, o rosto dele iluminou o meu
“eu tenho tudo que eu preciso pra ser feliz agora, eu tenho uma garota sensacional ao meu lado, eu tenho o seu amor, Júlia”, suas mãos tinham o desejo de fazer do meu rosto sua casa
“e eu tenho a mim em seus olhos, e isso é o que eu sempre quis ter, eu tinha que me ver feliz em seus olhos, e tenho você aqui perto de mim e tenho o seu amor por mim”, eu decidi viver sem medo e decidi amar
“eu ficarei até o dia em que isso não estiver mais trazendo até você, a felicidade que merece porque eu quero ver você sempre feliz”, e eu vi que seus olhos negros estavam avermelhados e sua voz embargada, e trocamos olhares de carinho e eu que pedi tanto a Deus pra que eu pudesse viver um momento assim, que a primeira vez que dissemos as palavras foi capaz de me fazer sentir uma força tão exata abrindo o coração e isso é eterno.
“Fica comigo pra sempre!”, E não foi por medo ou por esperar quem daria o primeiro passo, mas porque tanto ele quanto eu; estávamos sentindo que não queríamos perder o que tínhamos nas mãos. E atamos as duas pontas do começamos quando nos encontramos pela primeira vez, agora tinha um elo, algo que quase podíamos tocar; carinho; querer; entender; paixão; verdade e amor.
“Eu vou sempre estar em você, Júlia!”, enquanto ele falava tudo estava entre a razão e o que era real, estava o nosso amor, e pra ser sincera, eu não sabia como seria escutar de alguém algo assim, e meu desejo foi de voar dali, me espalhar pelo vento, de gritar pra que todos pudessem ver o quanto eu estava feliz em escutar que eu estava sendo amada e que amava.

A pizza já fria era a única testemunha do que estava acontecendo ali, e toda aquela felicidade dividida apenas entre mim e Evandro, sob os olhares do mar e das montanhas a nossa frente.





Saímos caminhando pela areia da praia de mãos dadas, e mais um sonho meu eu via concretizado, e pra minha alegria eu estava no meu bairro e o Leme é um grande, harmonioso, delicioso ir-e-vir de gente de todo o tipo, que aproveita a ausência de trânsito na beira-mar num "footing" que se tornou um dos espaços mais democráticos que já pude ver e desfrutar na vida.
E haja o que houver, eu sempre vou poder guardar na mente essa imagem, desse dia, o som da voz real de Evandro dizendo que me ama, e a gente rindo a toa, pelas areias juntinhos, isso vai ficar como um registro de um dia perfeito.
Eu peguei e guardei a voz dele dentro do meu coração, e eu que nem sabia o que seria amar, vivo agora a certeza de que aprendi o que é, aprendi o que é sentir e não é mais sonho, agora é meu o amor que Evandro em dava.
Com meus pés se afundando na areia fofa, apoiando minha mão em seu ombro e meu braço em volta da cintura dele, nós caminhamos até a beira da praia, sentei na areia e tirei a minha sandália e ele tirou seus tênis e ficamos um pouco ali, parados a contemplar o mar.
Dali a pouco, entramos no mar, pra que as ondas molhassem os nossos pés, seria como um beliscão pra ver que não sonhávamos, que tudo aquilo acontecia, e que sonho só o amor que estava presente. Evandro me levantou em seus braços, e eu segurei aqueles braços fortes com as minhas mãos, e ele me ergueu no ar, eu levantei a cabeça e meus olhos ficaram diretos para o céu, e parecia que eu estava voando.
Rodando comigo em seus braços, eu via o céu se movimentar e jogando a minha cabeça pra trás, eu via a cidade se misturando com as montanhas, com o mar, com o céu. E tudo girava em torno de nós dois, em torno da nossa felicidade e todas as pessoas testemunhavam os nossos corações abertos, soltos e livres, se espalhando pela cidade, por entre as pessoas, bicicletas, patins, barcos e areia.
Eu já havia esquecido de todo resto, de onde estávamos, e de quem éramos e até do sol forte que fazia e quando Evandro foi me descendo, eu sentia a água molhando os meus pés novamente e outro arrepiou tomou conta do meu corpo, e colado ao dele, minha respiração ofegante encontrava a dele, e nos beijamos demoradamente.

“eu estou vivendo um sonho, Evandro!”, eu murmurrei e ele veio com seus lábios junto aos meus
“vou te mostrar que não é um sonho e te trazer pra realidade”, e os nossos lábios começaram a escorrer um pelo outro, minhas mãos em suas costas pareciam procurar apoio sem encontrar e as mãos dele por cima dos meus cabelos pressionavam o meu corpo e o fazia ficar ainda mais junto a ele.
E as ondas iam e vinham em nossos pés, e ali era onde eu queria estar pra todo sempre, parar o tempo, como numa fotografia e deixar que a vida fluísse em torno de nós. Num abraço e beijo eternizado, como estatuas, num museu, num lugar público, onde as pessoas pudessem tocar no amor pela primeira vez, era assim que eu queria parar o tempo, com nós dois juntos pra sempre.




“eu queria que a gente nunca saísse daqui”, eu disse carinhosa
“nós podemos ficar aqui”, Evandro adoçou ainda mais seus olhos
“eu quero ficar pra sempre”, mudei a expressão
“eu também, mas o prefeito ia mandar retirar a gente daqui e nos levaria pra um abrigo”, brincou
“a gente se escondia na areia e quando todos fossem embora, a gente sai por ai correndo, brincando por aqui em volta”, soltei-me dos braços deles e sai correndo pela areia com ele atrás de mim
“não adianta correr, Júlia, eu vou te pegar”, dizia ele correndo atrás de mim sem querer me alcançar
“eu nunca vou deixar voce me alcançar”, eu corria o mais rápido que eu podia e parava e me virava pra que ele passasse por mim
“eu vou querer mil beijos quando te alcançar, Júlia”, ele se jogava na areia e ria
“levanta e venha, senão não vai ganhar beijo algum”, e eu voltava a correr e passar perto dele que tentava me segurar com as mãos
“espere ai”, ele se levantava lentamente pra que eu pudesse me distanciar dele
“assim nunca terá os meus beijos”, eu parei e coloquei as duas mãos na minha cintura esperando ele se aproximar e ele me jogou na areia e caiu por cima de mim rindo
“agora quero os meus mil beijos”, ele estava segurando as minhas duas mãos acima da minha cabeça
“melhor então calar a boca e começar a me beijar”, eu levantei um pouco a cabeça e ele veio ao encontro da minha boca e foi um dos melhores beijos que eu ganhei dele.
“ainda me deve 999 beijos, Júlia!”, ele se virou de costas na areia e eu me virei e coloquei os braços em seu peito e a mão em seu rosto
“você acha que eu vou deixar que você esqueça essa divida?”, ele passou seus braços por minha cintura e me rodou ficando por cima de mim novamente
“eu não vou deixar que você se esqueça. Eu nunca vou deixar você se esquecer disso, Júlia”, eu podia ver a verdade em seus olhos e isso me fazia muito bem
“eu jamais esqueceria!”, ele meteu seus braços em minha volta e me segurou com força e começou a rodopiar comigo pela areia e ficamos rolando pela areia e quando parávamos nos beijávamos em meio à areia
“ainda vai fugir de mim?”, ele atravessou os meus olhos com tanta ternura no olhar
“eu nunca vou sair daqui, eu sempre vou estar aqui com você”, prometi sentindo a minha garganta tão seca
“e eu vou sempre querer estar com você por toda a minha vida!”, e agora a minha garganta secou de vez e toda a água que havia em meu corpo saiu por meus olhos.





O nosso silencio tomou conta do lugar onde estávamos e tudo que conseguíamos escutar eram as batidas de nossos acelerados corações. Eu estava me sentindo capaz de perceber que eu podia ter pela primeira vez alguma coisa que fosse minha, que eu tivesse conquistado alguma coisa minha, e isso me dava orgulho de mim mesma.
Coloquei os braços pra cima e recolhi as pernas, e Evandro ficou de lado com um braço pro cima da minha cintura e deitou sua cabeça em meu peito, e eu podia escutar o barulho das lágrimas nascendo em seus olhos. E eu levei uma mão à sua cabeça e alisei seus cabelos sem dizer uma palavra, e ele também permaneceu quieto e minha respiração fazia a cabeça se mexer e eu fiquei olhando o céu com certa tristeza porque eu sabia que não seria sempre assim.
A vida tinha nos colocado em lugares opostos e isso estava me fazendo tão mal naquele instante, eu via que era isso que estava incomodando Evandro, ele sabia que não seria fácil levar esse amor adiante, e ele estava se sentindo desconfortavelmente triste.
“Evandro, nós vamos lutar pelo que nós queremos”, falei olhando pro céu como se fizesse uma oração pra Deus
“eu espero ter forças pra superar o que está por vir”, completou Evandro

Novamente as lágrimas saíram, e eu sentia o meu peito molhar com as lágrimas dele sob a minha blusa, e eu apenas alisei seu rosto e tentei secá-las com as pontas dos meus dedos. O rosto de Evandro estava sem brilho, e ele colocava o olhar cuidadosamente na outra direção, pra que eu não pudesse ver que eles estavam vazios.
Evandro esperou alguns minutos pra se recompor, e ficou em pé e me deu sua mão pra me ajudar a levantar, e eu tentando me equilibrar, fiquei de pé, meio tonta, mas sem largar as mãos firmes dele.

“fique bem! ’, eu soprei
“eu estou bem!”, ele riu de volta
“sim, eu sei”, ri de volta
“já passou! Júlia!”
“eu sei”, sussurrei em seu ouvido
“então, vamos ver a galera como se comportou na nossa ausência”, ele passou sua mão na minha cintura e eu joguei o meu braço em volta do seu largo pescoço

A praia foi ficando pra trás, e som das ondas diminuindo enquanto a gente se aproximava do calçadão. O olhar de Evandro já voltava a ter o brilho de antes, e eu tinha a certeza que eu tinha ficado forte o suficiente pra suportar tudo que fosse pra ficar com Evandro, eu tinha de alguma maneira abandonado todas as minhas duvidas e tudo que eu sabia era que eu amava Evandro e por ele eu lutaria até o final.




Capitulo 11

Como os dias agora passavam mais rápidos, e eu não tinha mais a preocupação com o calendário, eu apenas seguia os dias com mais atenção, sem desejar que eles acabassem logo, e ainda mais as horas em que eu estava com Evandro, essas eu queria guardar no bolso e não deixá-las irem embora.
A turma marcou de ir correr na lagoa Rodrigo de Freitas, pela manha de sábado, e eu sempre gostei de ir lá correr, a calma, a pista, os quiosques pra tomar um suco depois da corrida, e eu procurei um par de tennis e peguei um branco com detalhes rosa, escolhi um short preto, e uma blusa veruska cinza e prendi os cabelos com uma bandana cinza, e me olhei no espelho, e pensei pronta pra ganhar a maratona e dei uma gargalhada.

Roseane vestiu uma túnica helga preta, uma legg Bahamas branca, tênis preto e ficou totalmente linda. Tatá sempre a mais discreta possível, se não fosse à cor de seus olhos, sua roupa jamais chamaria atenção, e Dinha, coitada da concorrência, ela dentro de uma legging azul clara, um top branco, cabelos presos óculos escuros na mão e lembrei os versos de Vinicius ‘que me perdoe às feias, mas beleza é fundamental’.
Os meninos separados por estilos de maratonistas profissionais, Evandro de regata branca e short azul escuro curto, deixando suas coxas ainda mais grossas, Pedro seguindo a mesma linha, e Gustavo, esse está sempre diferente deles, a sua bermuda de ciclista azul escura até o joelho, e sua regatinha vermelha, mas sempre com bom gosto. O namorado de Roseane é sempre muito esquisito; e eu adoro analisar a todos antes de sair.
“Júlia com esse seu tênis Nike, tipo, eu pagaria minha divida mensal e ainda sobraria grana pra diversão”, fiquei desconcertada com a observação de Gustavo
“cara, tu nunca sabe ficar na sua!”, Dinha retrucou cruzando os braços
“foi mals, eu só quis quebrar o clima”, Gustavo virou as costas e ameaçou atravessar a rua
“espere, Gustavo!”, alertou Evandro e um carro passou tirando um fininho dele


Pegamos um ônibus e chegamos rapidamente naquele bairro tão cheio de vida, com aquela enorme lagoa cravada nele, e é uma delicia dar uma corridinha em volta da lagoa num dia de sol, admirando o corcovado lá no alto, isso é um dos privilégios vir correr aqui. O espelho d’água, os passaros que sobrevivem ali, e depois dar uma paradinha pra tomar uma água de coco, e contemplar esse visual fantástico num dos decks de madeira, ver casais andando de pedalinho, crianças e adultos.
“meninas, não tenham vergonha de dar uma parada pra dar uma respirada, porque eu não terei nenhuma”, disse Pedro olhando tudo ao redor
“essa pista é enorme!”, emendou Gustavo colocando a mão sob a testa pra alcançar ao longe
“já estão amarelando?”, perguntou Dinha em tom de escárnio se preparando pra alongar e todos começamos a nos alongar junto com ela.

A Pista da Lagoa é uma verdadeira passarela por onde desfilam homens e mulheres. As mulheres mais discretas, porem mais fascinantes.
São tantas! Umas alegres, outras falantes, umas caminhando e outras correndo. Despojadas de roupas tradicionais exibem uma indumentária justa ao corpo, colante, mostrando o que têm de mais bonito, as formas e curvas do corpo, tornozelos abaulados, pernas bem torneadas, barriguinhas sedutoras e bumbuns rechonchudos. Um verdadeiro desafio aos estereótipos do superego, onde se funda em paradoxo e fica subentendida a proibição.
A Lagoa que conhecemos é repleta de grandes figuras, personagens constantes, mas efêmeras pelas manhãs ou final de tardes, na pista correndo.
São atores despretensiosos, de um palco visível aos expectadores que surpreendidos passam, de carro ou a pé, contemplando curiosas formas de comportamento para caminhar ou correr. Isso é a principal curiosidade, o ponto alto, a janela das almas, por onde nos penetramos indiscretamente, para ver a interpretação de personagens tão diferentes e às vezes bizarras que chega a ser divertido.

Depois de correr por quase quatro quilômetros dos sete e pouco que daquela pista enorme, paramos e nos sentamos num bando e para tomar fôlego, colocar ar de volta aos pulmões, fiz o meu exercício predileto, parar e observar as pessoas e Sentada ao lado de Evandro em um banco, saboreando água de coco e observando as pessoas, a gente vai se deliciando com o desenrolar dos acontecimentos e comportamentos de diferentes corredores ou andarilhos de uma pista que mais parece um palco de teatro, sem saberem que estão sendo observados, eu ficava vendo aquela escrotice toda.
Os homens são mais engraçados. Também nessa passarela de exibição se apresentam de forma muito variada, cada um com a sua própria característica, sua maneira de ser, o modo de exibir a técnica inovadora que criou para correr, para fazer alongamentos, modo correto de respirar e articular.
Há, por exemplo, um tipo muito escroto que a gente avista de longe. Vem ao nosso encontro, caminhando altivo e se movimentando todo, braços e pernas, pisando no chão com muita firmeza e esbanjando vigor, parecendo mais um daqueles soldados comunistas que marchava na praça vermelha, mas sem farda militar, com roupas descontraídas, tipo bermuda e camiseta, fica insinuando apenas o desejo de ser um grande sargento.
Há também o tipo remador; é aquele que corre com os braços levemente dobrados e mãos fechadas, como se estivesse segurando remos e movimentando-os alternadamente conforme os passos e movimento do corpo, a uma altura, de modo a sugerir o remar dos dois lados de uma canoa.
Um tipo interessante, porem com menos freqüência, é o caso de um personagem que corre com pouca velocidade e com os dois braços sem movimentá-los e esticados um pouco para frente, com as mãos fechadas e tensas, como se estivesse empurrando um carrinho, articula passos bem miúdos e dá a nítida impressão que está o tempo todo segurando um Pum.


Outro tipo escroto é aquele que para correr assume uma postura graciosamente original, se posicionando levemente inclinando para frente, como se estivesse querendo dar uma cabeçada em alguém e com os braços um pouco abertos e tensos, também sem movimentá-los, como se estivesse cercando galinhas é um dos tipos mais engraçados. Corre em zig-e-zag com pouca velocidade, costurando entre as pessoas, e dessa forma, desempenhando a cena que faz lembrar, também, uma galinha choca, com asas abertas, protegendo seus pintainhos.
Muito comum, são aqueles que para fazer alongamento usam uma arvore qualquer no seu caminho. Posicionam-se na frente dela, com as duas mãos depositam toda força que têm sobre o tronco. Se fingirmos que não sabemos o motivo desse procedimento, fica parecendo que estão querendo, inutilmente, derrubar a arvore.
Enquanto esses atores desfilam pela passarela da pista, funcionários da prefeitura distribuem graciosamente para as pessoas mudas de hibisco. Em um palanque improvisado palhaços de um grupo teatral divertem as crianças, o jornaleiro da banca fica atarefado, e daqui a pouco - diz o pipoqueiro-, uma escola primaria do estado vai tocar e cantar. A satisfação toma conta do lugar, alegria se manifesta e tudo no seu devido tempo normalmente acontece. Mas, nalgum lugar, existe um casmurro, a observar cada um dos modelos sociais, buscando com ansiedade e expectativa de mais um tipo escroto para contar.

“o que está pensando Júlia?”, Evandro interrompeu meus pensamentos com a sua voz firme
“nos tipos de pessoas que correm; o jeito delas; e o pipoqueiro me fez ver o que está acontecendo ali”, eu fiquei sem jeito pelo que estava pensando
“Há! Se todas as prefeituras desse país tivessem espaços estruturados, como esse, para oferecerem as pessoas satisfação de necessidades tão nobres e por meios tão engraçados. Se soubessem montar circos e distribuir pães corretamente, (no bom sentido). Então seriamos todos cidadãos mais notáveis, mais ricos de saúde, mais civilizados e com mais esperança na competência dos governantes. O Marketing Social e ecoeficiente seria indispensável e o mais aplicado por todos governantes municipais. Os resultados seriam nossos. Nosso bem estar, nossa satisfação, nosso prazer pela vida e cidadania altamente justificada com IDH tão elevado quanto aos dos escandinavos, como é o daqui da Lagoa”, eu pensei comigo mesma: ‘bem-aventurados os que caminham e correm felizes e indiferentes ao bobo do observador que se recusa inventar, também, um tipo esquisito para desfilar enquanto corre
“você sempre teve essa visão das coisas?, eu fiquei envergonhada de estar olhando pras pessoas e vendo apenas o lado engraçado delas
“veja onde cresci Júlia. Se a gente não pensar no bem social fica difícil viver numa área tão carente e depois estou trabalhando a muito tempo nessa área e se escuta muito blá blá blá e pouca ação como essa em qualquer área social, e quando vemos que funciona bem, dá vontade de ver isso implantado em todo país”, emendou


“fico envergonhada em estar aqui sentada e pensando besteiras enquanto as coisas estão acontecendo bem na minha frente”, abaixei a cabeça como sinal de vergonha
“tudo bem. Tem umas pessoas escrotas mesmo nesses lugares, que chamam atenção e olha lá aquele cara de vermelho que parece que vai pilotar uma Ferrari”, disse ele apontando pro rapaz que vinha correndo em alta velocidade, passando por entre as pessoas, e eu levantei a cabeça e ri
“Nossa, ele quase derrubada aquela garota!”, eu já sorria novamente
“e ali vindo devagar toda de preto, de óculos escuros, a Luiza Brunet”, ela vinda caminhando com uma amiga ao lado tentando não ser reconhecida
“é mesmo a Luiza”, ri novamente
“e ela riu quando o Schumacher de fim de semana passou por ela, e ela ainda fez um comentário pra amiga dela que saiu dando gargalhada. Todos nós fazemos o que você estava fazendo, é normal”, ele colocou sua mão sob minha perna e sorriu
“eu exagero. Já me acostumei observar as pessoas e desde pequena faço isso onde quer que eu vá. Preciso parar com isso”, salientei
“então dá uma olhada lá no Cristo e me diga o que você consegue ver daqui?, ele apontou pro alto da montanha do Corcovado
“não sou boa com coisas, só com pessoas, mas vou tentar...”, fiz uma expressão de quem analisa uma obra de arte pendurada numa parede
“não se apresse. Júlia!”, a mão dele veio de encontro ao meu rosto; e ele me deu um beijo na bochecha delicadamente e eu olhei atentamente para o Cristo por alguns minutos, quieta, distante e pensativa
“cara, sempre que eu olho pro Cristo, eu fico deslumbrada, seja de longe de perto, ver aquela imagem tão grande lá no topo do morro, a floresta aos seus pés e eu vejo isso daqui de baixo porque lá em cima não é um lugar que eu vá com freqüência, que eu me lembre eu estive lá há séculos atrás. Mas, de lá de casa, da praia, da rua, daqui, eu sempre adorei olhá-lo...”, me virei e olhei no rosto de Evandro
“você falou da floresta, aquele é o Parque Nacional da Tijuca, e está vendo aqui pela encosta?”, Evandro virou lentamente seu rosto e apontou a montanha verde
“sim!”, respondi me virando na direção em que ele apontava
“Vamos um dia lá e quero te mostrar o nosso trabalho com plantas nativas e um pouco do parque. Hoje, corremos aqui, mas depois nós vamos correr lá, nas paineiras. Tem uma subida ótima, e algumas bicas d’água que caem das rochas, e depois podemos ficar lá do alto da boa vista, um mirante muito lindo.
“Caraca. Vai ser ótimo! Eu adoro correr ao ar livre e ainda mais no meio da mata. E quem vai adorar é a tatá, embora o namorado dela nunca goste de correr, ele prefere ficar na academia, sempre que marcamos, ele nunca aparece”. Virei um pouco mais pra ele e coloquei a minha perna por cima da dele
“e por falar em tatá, vamos procurar a galera que parou lá atrás”, ele tirou a minha perna de cima da perna dele delicadamente e ficou em pé com sua mão na testa fazendo que estivesse procurando por eles




“conseguiu avistá-los daqui?”, ao tentar me levantar desequilibrei e Evandro me segurou pra eu não cair
“obrigada”, agradeci colocando ainda mais meu corpo ao dele
“obrigada, nada pode ir me beijando”, pude ver a mudança de expressão no rosto dele
“mas, não íamos procurar o pessoal?”, quis deixá-lo ainda mais voraz com aquele olhar sério e ajeitei as minhas mãos em suas costas e aproximei ainda mais o meu rosto ao dele
“só tem um jeito de você sair daqui. Júlia”, sua voz estava rouca
“qual é o jeito?”, eu também estava com a voz rouca
“me dando um beijo”, insistiu
“e se eu não der?”, retruquei
“vamos ficar aqui pra sempre”, uma luz iluminou seu rosto
“não parece ser tão ruim assim”, aproximei ainda mais o meu rosto ao dele
“e se eu fizer isso?”, a boca dele tocou no meu rosto ao lado da minha, e depois do outro lado
“e se eu fizer assim?”, fiz o mesmo com ele
“olha só, tem um casal ali no pedalinho se beijando!”, quando eu virei o meu rosto automaticamente pra ver o tal casal e virei de volta, Evandro esperava com seu rosto de frente ao meu e me roubou um beijo
“assim, não vale. Você me pegou de surpresa”, ele sorrindo me deu um novo beijo ao lado da minha boca
“e você não gostou?”, o riso não saiu de seu rosto
“posso ter de novo? É que eu queria uma segunda opinião”, e os lábios deles pressionaram os meus violentamente e depois foram se acalmando
“e agora, tem uma opinião formada?”, perguntou
“ainda não sei bem, mas você pode continuar me dando chance pra que eu forme a minha opinião e prometo que daqui a cem anos te dou uma resposta concreta”, brinquei
“nossa, eu devo estar beijando muito mal. Só daqui a cem anos”, ele não parava de rir
“você acha que eu cederia assim tão fácil?”, eu disse tentando não rir
“então, eu não vou perder mais tempo e vou te encher provas pra você ir estudando”, e seus lábios desta vez mais calmos deslizaram pelos meus e seus braços tão fortes, mas me abraçando tão leve parecia me segurar pra que nós flutuássemos pela Lagoa, e todos pudessem nos ver naquele beijo e assim alcançássemos o Cristo lá em sua montanha mágica
“assim, cem anos acabou de passar em menos de um minuto”, eu suspirei
“não diga nada, senão vamos ter que passar cem anos sem nos beijar, e vamos continuar procurando o beijo perfeito”, entendi o que ele queria dizer
“tudo bem. Você ainda tem mais uns anos pra saber”, eu coloquei um dedo em seus lábios e senti a carne deles e levei o dedo até a minha boca e beijei-o
“tem meu gosto em seu dedo ou tem o seu?”, ele perguntou quando eu estava tirando o dedo dos meus lábios
“tem o nosso gosto, Evandro!”, respondi com um ar menos inocente

Depois que eu respondi, eu tentei tirar a expressão que estava em meu rosto e voltar ao normal, pra não ficar muito exagerada e especialmente sem graça, e eu não queria ficar ruborizada, se já não tivesse. Afastei os pensamentos e volti a sorrir, mas a minha cabeça estava desobediente e senti um ardor em volta do meu rosto, e me afastei de Evandro pra que ele não visse que eu estava ficando toda vermelha.
“lá está à galera, vamos, Evandro!”, eu virei rapidamente e comecei a puxá-lo pela mão e eu quase o arrastei
“eles estão sentados naquele quiosque, Júlia e parece que não vão a lugar nenhuma”, disse ele ofegante
“eu sei”, respondi sem olhar pra trás
“então, por favor, diminua a corrida”, ele pediu parando de correr
“é que eu quero saber o que eles vão pedir”, disfarcei
“eu aposto em pizzas!”, Evandro parou de correr de vez e se abaixou colocando a mão na cintura e dando uma respirada forte
“eu não acredito que voce se cansou?”, fui pra cima dele fazendo cócegas
“pare, pare. Eu não cansei é que o pique repentino me deixou sem ar”, as mãos deles impediam a minha de tocar em seu pescoço
“então vamos ver quem chega primeiro neles”, eu mal acabei de falar e me virei correndo
“vamos!”, eu escutei a voz dela lá trás e quando eu olhei pra frente, ele já estava passando por mim e parando na minha frente de braços abertos e eu nem consegui parar e me joguei contra os braços dele
“ainda bem que me segurou senão eu ia vencê-lo na corrida”, soei pretensiosa
“e você acha que eu não sei”, ele analisou o meu rosto
“o que foi?”, perguntei abaixando a cabeça
“nada”, concluiu
“diga”, insisti
“estava vendo como você é linda, mesmo quando fica envergonhada, só isso”, eu não tinha como evitar os olhos curiosos dele
“envergonhada?”, agora o rubor encheu cada canto do meu rosto, afinal ele havia percebido o que eu tentava esconder
“e você fica linda toda corada, Júlia”, e ele gentilmente passou sua mão no meu rosto sem tirar os olhos dele
“eu posso jurar que todas as pessoas estão olhando pro meu rosto nesse momento”, eu disse com a voz presa
“eu garanto que apenas eu estou tendo esse privilegio, Júlia”, ele olhou tudo em nossa volta
“eu queria só eu e você aqui nesse planeta”, falei apreensiva e soltei um suspiro profundo
“e quem ia fazer a Pizza?”, uma gargalhada cortou o clima de vergonha que eu estava sentindo, e Evandro soube me deixar à vontade e me abraçando me levou de volta a caminhar.




Chegamos ao quiosque e todos estavam rindo, Dinha e Gustavo lado a lado e Roseane, tatá e Pedro do outro lado da mesa e nós nos sentamos ao lado de Dinha. As pessoas da mesa ao lado também riam e falavam alto, e ninguém ficou me olhando, o que eu achei ótimo, e ainda sim, eu olhava em volta pra ver se alguém me observava.
“a gente estava esperando vocês pra pedir alguma coisa, e o que vai ser?”, perguntou Dinha
“Pizza, pra variar, gata”, respondeu tatá
“fala sério! Aqui tem quiosques que servem desde comida Italiana à comida Japonesa, e vocês vão querer pizza...”, disse Dinha inconformada com o nosso pedido de Pizza
“então, Pizza é comida Italiana!”, disse Gustavo no ouvido dela
“vai começar garoto?”, ela se virou pra ele tão rápido que ele se assustou
“não. Eu apenas te informei que pizza é comida Italiana”, ele falava e se protegia com as mãos
“nossa. Sério? Eu achava que pizza fosse comida mineira”, ela olhou pra ele com raiva nos olhos
“esses dois não vão parar nunca de brigar, fala sério!”, tatá pareceu nervosa
“o que foi tatá?”, Pedro segurou a mão dela carinhosamente
“nada. É que tipo, esses dois me deixam nervosa com essa briga infantil por qualquer coisa”, ela respondeu sem tirar a mão dela do lugar
“relaxa. Eles brigam pra não ter que admitir que queiram ficar juntos”, e a mão dele continuava sob a dela
“Eu, ficar com o Gustavo? Vai ser mais fácil eu ver vocês ficando do que eu ficar com esse garoto”, a voz de Dinha estava aflita e com seus movimentos afoitos
“Pedro e eu?, tatá tirou a mão debaixo e colocou pra baixo da mesa
“por que tatá? vai me dizer que não pensou nisso, cara?”, intimidou-a
“eu... claro que não... Pedro é um... amigo”, ela gaguejou ficando ainda mais pálida
“eu também acho que a tatá nunca ia querer isso rolasse entre a gente!”, Pedro temporizou
“eu acho que vocês são quatro tontos e estão perdendo tempo”, Roseane se meteu na conversa sem deixar de olhar pra dentro do quiosque
“de quem você está falando, Roseane?”, tatá sem voz audível buscou forças pra perguntar
“e eu é que sou desligada! Voce e Pedro, Gustavo e Dinha! Vocês estão loucos pra ficarem juntos e ficam disfarçando, brigando”, ela não mediu as palavras, típico dela
“gente, a pizza está chegando!”, avisei desfazendo o inicio de discurssão que não chegaria a lugar nenhum
“quem pediu pizza?”, Dinha nem acabou de falar e Gustavo soltou uma risada
“Dinha, na boa, fique calada, por favor!”, ele colocou sua mão na boca de Dinha aumentando a ira dela que o mordeu e nós caímos numa longa gargalhada.
“depois de correr, suar, sentamos e comemos pizza”, ela ainda tentava nos livrar da pizza
“e o que tem demais, cara?”, eu falei rindo
“nada, só que nos esforçamos à toa”, ela falava séria
“você vai resistir a esse cheirinho, Dinha?”, eu perguntei
“tá maluca? Claro que não! As calorias são bem vindas”, e finalmente ela riu

Depois de muito rir, conversar, todos nós fomos caminhar pelo deck, e ficamos de mãos dadas olhando pra Lagoa. Gustavo e Dinha nãos e desgrudavam e sozinhos riam mais do que brigavam, tatá e Roseane estavam indo andar de pedalinho e Pedro ficou encostado no corrimão do deck olhando as duas.
Roseane na hora de entrar no pedalinho acenou pro Pedro e o chamou com a voz de quem está aprontando, e quando Pedro chegou perto, ela deu o ticket pra ele e saiu correndo dali.
Tatá ficou muda, e nada disse, apenas sorriu sem jeito, mas logo os dois entraram no pedalinho e em instantes já estavam quase no meio da lagoa, e afastados e sozinhos.
Eu fiquei feliz de vê-los juntos, mesmo que fosse por uma armação de Roseane, lá estavam os dois conversando e rindo e eu torcia por isso, porque eu queria a minha amiga bem, e Pedro gostava mesmo dela.
Quando me virei pra falar com a galera, eles estavam alugando bicicletas, e chamando por meu nome, e apontando uma dessas bicicletas que são pra dois, eu olhei nos olhos de Evandro que concordou com seu olhar.

“vamos passear de bicicleta!”, eu disse
“vamos queimar a caloria da pizza!”, ele disse rindo

O passeio foi formidável, pegamos a ciclovia e contornamos toda a Lagoa, o vento no rosto, E fomos até meu cantinho favorito, próximo a curva do Parque das Catacumbas, junto ao espelho d água, em meio às árvores e com duas visões espetaculares. Uma o Cristo Redentor sobre o Corcovado em um ângulo em meio ao verde da Montanha, que remonta a uma paisagem campestre, e outra dos Dois Irmãos, junto com a Pedra da Gávea, emoldurada pelos prédios da cidade.
O que eu gosto da Lagoa, é que este é um espaço para todos sem distinção, é o espaço da família, dos pais levando os filhos para andar de bike; para passear nos pedacinhos; para soltar pipa; sem falar no primeiro futebol dos moleques. É também o lugar das senhoras e senhores, que vão com seus cuidadores e/ou filhos, passear ao sol, recordar a vida. A lagoa é o lugar dos amores, aonde os casais vem namorar sentados nos deck, vendo o lindo por do sol, que em épocas do ano, adormece na montanha, em outras em meio ao Dois Irmãos e a Pedra da Gávea e no verão, em meio aos prédio de Ipanema – Leblon. Imagina quantos namoros não se iniciaram na lagoa, quantas pessoas não se encantaram umas com as outras ali. Vejo também casais com mais de 50 anos, bem velhinhos, e ainda passeando de mãos dadas. Algo muito romântico e que mostra o poder da palavra amor.



Capitulo 12

Pela primeira vez eu estava fazendo algo que eu queria de verdade, e por isso, me cerquei de cuidados, e fui criando uma barreira pra me proteger de coisas que claramente pudesse me atingir. E não ficar dando atenção aos pensamentos que vinham de fora, pensamentos sobre futuro, que futuro! Se até pouco tempo atrás, eu estava em coma, vivendo os dias sem ter paixão, além disso, eu tinha e continuava com meus planos, e houve tempo em que eu pensei em desistir, mas, dei adeus a essa idéia e agora, eu não podia deixar que o fato de Evandro não tivesse a mesma posição social, que isso venha atrapalhar e eu realmente não me importo com isso porque eu estou tendo o que eu nunca tive.
Algumas pessoas dirão que eu estou louca, que eu não tenho juízo, que algo assim pode estragar a minha vida. Mas, se elas olhassem direito veriam que eu estou tendo a sorte que provavelmente eu não teria novamente de viver um grande amor.
Uma única vez, eu me sentia aliviada, vendo as coisas de um jeito que eu gostava, e nada mais me angustiava como se tivesse sempre me afogando, precisando de ar pra respirar. Ou que eu precisasse que alguém me levasse pra fora de um lugar fechado pra respirar, e era assim que eu me sentia o tempo todo e desse jeito, eu não queria mais viver.
Eu escutei os passos de Dinha se aproximando, mas mantive meus olhos voltados ao Cristo, e antes que eu virasse a minha cabeça, ela se abaixou na minha frente.
“Júlia e Evandro! Vocês podem me ajudar?”, ela chamou minha atenção
“alguma coisa, Dinha?”, perguntei abaixando os meus olhos pra ela
“Nada de mais! Tipo, eu só queria conversar com voce!”, eu abaixei a cabeça com calma
“Diga”, Evandro quase rompendo o silencio de onde estávamos
“você sabe que eu sempre digo que quando volto de viagem com meus pais, seja pra quais países que vamos, tipo, eu sempre faço questão de sair por aqui, dar umas voltas pela cidade, pra rever esses lugares, tipo pra acalmar o meu coração”, ela estava bastante emocionada
“sim, voce sempre fala assim: ‘nada mais lindo do que esse pedaço de terra nesse planeta’, e fica insistindo pra ir a todos os lugares, mas tipo assim, cara, o que tem isso a ver, já que você não voltou de viagem?”, eu coloquei uma mão em seu rosto
“é que eu quando viajo fico pensando em ter alguém aqui me esperando voltar, e simplesmente eu nunca tive isso, e por isso, eu sinto tanta vontade de voltar dessas viagens e saber que alguém estivesse aqui a me esperar...”, a voz dela sumiu






“e você está falando isso porque acha que agora terá alguém ate esperar quando for viajar, mas você acha que pode continuar revivendo aqueles momentos mesmo se começar a namorar o Gustavo?”, Evandro perguntou e ela abaixou a cabeça e deitou-a nas minhas pernas
“é... tipo assim”, agora a voz dela sumiu de vez


“você sabe que eu não posso te garantir isso, Dinha! quantas vezes eu fiquei olhando pro mar, tipo, querendo que ele me ajudasse e respondesse perguntas assim e eu ainda não sei aonde esse namoro vai dar, mas eu não fugi dele e se não der certo ao menos eu pude ter alguma coisa pra lembrar, como esse dia de hoje”. Eu alisava os cabelos delas
“eu estou morrendo de medo, Júlia!”, ela ergueu a cabeça e seus olhos estavam mostrando seu pavor
“olha só, as pessoas estão por ai tentando amar e ser amadas, tipo assim, cara, eu sempre achei que o amor não fosse uma coisa natural pra mim e olha pra mim agora! Eu estou aqui feliz e eu sou a prova de que você vai conseguir também, minha amiga”, eu peguei em sua mão e coloquei em seu coração
E olhei pro rosto estonteante de Evandro e me penalizei
“vocês duas estão muito melancólicas e sendo duras com vocês mesmas. O que Gustavo falou pra você lá no pedalinho?”, ele cortou a nossa tristeza
“ele fala tanta coisa, cara, mas eu sei que ele quer ficar comigo, mas eu não quero que seja algo vazio, estou cansada de não ter algo mais sério e ele parece ser legal, mas não sei se ele vai querer o mesmo que eu estou querendo. Sabe Evandro?”, ele balançou a cabeça positivamente
“sim”, respondeu olhando pra mim como quem pergunta ‘e agora?”‘, eu ajeitei a minha blusa
“mas, o que ele disse a você?”, voltei a olhar pra ela com curiosidade
“ele disse que estava na hora de pararmos de brigar, e me deu um beijo na boca, e eu fiquei em silencio e disse que ia pensar”, ela abaixou a cabeça desanimada
“o que pensa em dizer, Dinha?”, Evandro abaixou o ouvido até perto da boca de Dinha
“eu quero dizer que ‘sim’, mas eu estou com muito medo”, ela disse baixinho
“levanta daí e vai até lá e diga o que quer pra ele”, aconselhei-a
“isso, Dinha! vocês vão se dar bem”, Evandro também parecia acreditar nos dois
“vocês acham isso?”, concordamos com a cabeça e ela levantou-se mais animada e tatá e Roseane se aproximaram
“que reunião de bacana é essa?”, perguntou Roseane com cara de deboche
“queremos saber o que está rolando”, tatá parecia menos curiosa
“é que eu decidi namorar o Gustavo”, ela disse e começou a dar uns gritinhos e todas nós ficamos gritando e nos abraçando e Evandro sentado rindo.





O cordão umbilical eletrônico acabou cortando o nosso clima, eu o celular de tatá informando com um som agudo que a mãe dela enviara uma mensagem, na verdade essa era a centésima mensagem que ela recebera. Ela ergueu uma sobrancelha e mostrou a mensagem pra gente, e voltamos toda a rir, exceto tatá que estava um pouco perdida.
“você não vai ficar assim por causa da sua mãe, não é?”, eu a encarei
“não, eu já estou acostumada com isso, cara”, ela concordou
“todas nós estamos! Nossos celulares dêem estar com a caixa de mensagem lotada”, eu disse pra animá-la
“vamos pra casa, então?”, ela foi se ajeitando
“e logo mais vamos comer um peixe na ‘roca do Leme”, eu falei apontando o dedo pra tatá e piscando meu olho
“vejo que você não se esqueceu”, ela pareceu mais animada na voz, mas logo franziu a testa
“o que foi desta vez, amiga?”, direcionei meus olhos pra ela
“antes eu vou ter uma conversa séria com Beto e esse namoro não passa de hoje”, ela ficava distante e quando voltava parecia segura e ainda mais que Pedro deixou escapar um sorrisão que não deu pra ninguém deixar de ver
“então logo mais vamos comemorar a esse fim de namoro, e vamos combinar que aquele garoto era muito escroto com você, cara”, disse Roseane quebrando o silencio
“já não era sem tempo, tatá”, disse Dinha colocando a mão em seu ombro
“se você vai ficar bem e feliz, conte comigo, amiga”, eu encostei a mão em seu rosto pálido e juvenil

Todas nós ficamos surpresas com a decisão de tatá porque há tempos esse namoro não decola, anda parado, lento e infeliz, mas ela fazia questão de continuar e a gente sempre ficou meio que de fora, tentando cuidar dela.
Eu a abracei tentando não mostrar que eu estava feliz com a decisão dela, e podia ser constrangedor que ela percebesse isso, e ao contrario, eu mostrava que estava ali pra apoiá-la.
Eu me mostrei imparcial, mas Pedro não se continha de alegria, e sorria, e esfregava as mãos nervosamente, e não parava de encará-la, e tatá olhava pra ele por baixo dos óculos.

“vamos, galera!”, interrompeu Roseane puxando tatá pelo braço
“vai ficar numa boa, amiga?”, eu ainda tive tempo de perguntar isso a ela antes que Roseane a tirasse dali
“sim, eu vou, Júlia”, ela disse tentando virar pra trás e segurar seus óculos

Apanhei meus óculos do banco, e dei a mão pro Evandro e o ajudei a ficar de pé e ele me abraçou carinhosamente e antes de deixar o local dei uma olhada por cima do ombro e soltei um sorriso.




Em casa, eu andava pelo meu quarto, tentando me acalmar, meus pensamentos não paravam indo e vindo, eu tinha que saber sobre tatá, e de repente eu escutei um barulho perto da porta do meu quarto, e eu fui ver andando devagar até a porta, e era só o vento jogando a janela do corredor de um lado pro outro.
E passei a tentar diminuir a pressão que eu estava sentindo, e fui até o meu computador e coloquei uma musica do Silversun Pickups, e a musica começou e eu comecei a cantar e a dançar e a letra dizia:

Eu tenho esperado,
Eu tenho esperado por este momento por toda a minha vida
Mas isso não é suficientemente certo

E esta “realidade”
É impossível, se possível,
Para pessoas “cegas” a palavras
Tão claras e tão inaudíveis

Eu tenho esperado
Eu tenho esperado por este silêncio por toda à noite
É apenas uma questão de tempo

Para parecer triste
Com este mesmo velho decente olhar malandro
Fixado para repousar em você
Mira livre e tão irreal

Todos estão tão intimamente reorganizados
Todos podem focar claramente com tal brilho

Travado e carregado
Continua o mesmo velho decente olhar malandro
Direto através de sua contemplação
É por isso que eu disse eu relaciono
Eu disse nós relacionamos
É tão divertido de relacionar

Este é o quarto, o sol e o céu
Este é o quarto, o sol e o céu


E foi obvio que eu cantei até a minha voz ficar rouca, e pude espantar a ansiedade que eu estava sentindo e a culpa que pesava nos meus ombros, mas pelo outro lado eu só tinha a mim mesma pra culpar, mas nós éramos mais do que boas amigas, éramos como irmãs desde pequenas estávamos juntos, uma apoiando a outra.
Era insuportável ficar ali em saber as noticias, e ficar imaginando que minha amiga possa estar mal, embora ela estivesse tão decidida, e a presença de Pedro talvez tenha a ajudado a tomar tal decisão, que há temos todas nós esperávamos.
Aquele Beto a tratava mal, essa última dele tirar as fotos deles do Orkut, e colocar fotos de suas amiguinhas, foi à gota d’água pra gente passar a odiá-lo. Dinha era a que mais metia o pau nele, e nem admitia parar, mesmo sendo babaca, a gente sempre o crucificava-o, em comparações, em atitudes, ele era um sem noção.
Avisei aos meus pais onde estávamos indo e os beijei em seus rostos, e antes de sair eu disse as horas em que já estaria de volta, como sempre eu fazia, e esperei que Evandro me interfonasse pra eu descesse.
Torcia pra que tatá estivesse bem, já que ela nem respondeu as minhas mensagens e ligações, e nem as meninas tinham noticias dela. E quando a gente já estava na porta do prédio esperando por ela, a mãe dela chegou e parou o carro e quando ela desceu, eu pude escutar as batidas do coração de Pedro, saltando do peito e caindo no chão. Ela estava simplesmente linda, ela vestia uma blusa gola pólo listada branca e lilás, colares de perolas cinza enormes, uma bermuda de jeans verde escura e com uma meia-calça preta por baixo, e uma sandália preta de salto alto e seus cabelos estavam mais lisos e soltos, a maquiagem ressaltando seus olhos azuis.
“vou subir e me trocar!”, meus olhos estavam focando-a com admiração
“para vai”, ela se aproximou com uma expressão de pura vaidade
“você está muito linda!”, exclamou Pedro com os olhos lentamente subindo pelo corpo de tatá
“para gente! Assim eu vou voltar pra casa e me trocar”, os olhos dela acompanhavam os de Pedro

Nós sempre procurávamos nos vestir bem, mas tatá sempre pareceu querer esconder seu corpo através das roupas sem vida que ela vestia. Eu me vesti com uma blusa branca com nós nos ombros, e grande, uma bermuda xadrez vermelha e uma sandália vermelha com detalhes brancos que fazia um traço no peito dos pés. Isso era o normal que eu me vestia sempre que saiamos. Dinha e Roseane sempre vestiram de forma ainda mais chamativa, vestidos, saias, shorts, bermudas, saltos altos ou baixos, elas sempre ficavam lindas, mas tatá foi a primeira vez que a vimos assim parecendo capa de revista de moda.
“meninas chega de rasgação de seda e vambora!”, a voz de Gustavo não tinha culpa nenhuma e ele nem se deu o luxo de olhar pro rosto iluminado do estático Pedro.
Percebendo que tatá estava tentando parecer melhor do que realmente estava, eu achei melhor que Pedro ficasse por perto com seu carinho, isso traria mais conforto pra ela. Eu simplesmente toquei no ombro dela e esfreguei-os e com os olhos eu mostrei que eu estava ali, se ela precisasse de qualquer coisa.
Passei por trás dela e estiquei a minha mão pra que Evandro a segurasse, e atravessamos a rua, e eles vieram em seguida, eu pude escutar o som dos saltos das meninas no asfalto.
E Evandro largou da minha mão e correu na frente dizendo que ia tirar uma foto nossa, e continuamos andando quando uns rapazes passaram correndo quase esbarrando em mim, Evandro correu pra me proteger e vimos uns policiais correndo atrás deles de arma em punho e dois deles pararam na nossa frente
“encosta ai no carro e coloca a mão na cabeça”, disse um dos policiais pra Evandro apontando a arma pra ele
“O que que isso?”, foi a única coisa que saiu da minha boca
“cala a boca e fica quietinha!”, o outro policial foi abrupto, ele apontou a arma pra mim e eu tremi toda da cabeça aos pés
“documento, cadê o documento, porra?”, pediu ele batendo com a mão na cabeça de Evandro
“está no meu bolso, na minha carteira, posso pegá-la?”, Evandro se mantinha calmo embora os policiais estivessem nervosos e ainda mais quando a turma se aproximou do local em que estávamos
“encosta todo mundo ai, porra!”, ordenou o policial que parecia estar mais nervoso
“o que está acontecendo, por que vocês estão fazendo isso com a gente? O que nós fizemos?”, minhas perguntas saíram nervosas
“eu já disse pra você calar a boca, porra!”, ele me empurrou violentamente contra o carro e Evandro correu e me segurou pra que eu não caísse no chão
“deixa-a em paz! Se você quer bater em alguém que bata em mim”, disse ele me amparando, mas provocando ainda mais a fúria dos policiais que foram pra cima dele
“tu é macho? Tu é macho?!”, o policial afastou Evandro de perto de mim e o ameaçou com a arma e foi contido pelo outro
“suave, Sgt Tomaz! A rua está cheia!”, alertou o policial
“o que esses playboyzinhos pensam! Que podem sair por ai fazendo zona, tocando o terror!”, o policial estava totalmente incapaz de se controlar e uma viatura chegou com a sirene ligada e desceu dela um policial que aparentava mais idade do que os dois ali presente e veio ajeitando as suas calças e com uma expressão mais calma eles pareciam subordinados a ele
“o que está acontecendo aqui?”, perguntou olhando pro Evandro
“eu não sei, senhor! A gente estava indo ao roca do Leme, e uns caras passaram correndo por nós e esses policiais nos pararam...”, ele disse em tom baixo
“confere soldado?”, ele nem olhava pro tal Sgt e antes do soldado responder os dois outros policiais voltaram trazendo um rapaz algemado e sangrando no rosto
“soldado, essa turma estava na ocorrência?”, perguntou ele ao outro soldado que acabara de chegar
“não senhor! Eles não faziam parte dos brigões! foi esse aqui e havia mais dois que evadiu do local que estavam brigando lá na rua de trás”, salientou o soldado
“então Sgt peça desculpas ao pessoal”, o Sgt obedeceu e se desculpou
O oficial ainda perguntou se gostaríamos de prestar queixas contra os dois policiais, mas recusamos e só queríamos sair dali o mais rápido possível, todos nós ficamos muito estressados e amedrontados com o episodio ocorrido e continuamos a andar um amparando o outro com cumplicidade do silêncio.




O lugar que nós fomos era bonito, mas estávamos todos muitos nervosos pra perceber isso, apesar eu sempre observava tudo e lá tinha tudo com madeira trabalhada, cadeira com costas altas, mesas redondas, um ar de liberdade, uma boa iluminação e sentados podíamos ver a praia à noite, toda iluminada, pessoas andando pelo calçadão, bicicletas, tudo como de dia, a areia cheia de pessoas jogando, namorando ou simplesmente tomando banho de mar.
Fiquei por minutos olhando pros apartamentos com suas luzes acessas, e ficamos em silêncio por algum tempo, e eu sabia que alguma coisa dentro de mim estava me apertando. Era como se toda a beleza diante de mim não pudesse pertencer ao que eu sentia, e essa tristeza vinha de encontro à visão do meu futuro porque eu não queria vê-lo sem Evandro.
E começou a tocar cassettes won’t listen e ao som de ‘paper float’ ,, e eu sentia com toda força e ar que tenho nos pulmões que Evandro já fazia parte do que seria a minha vida daqui a dez anos e por isso, eu hesitara olhando aquela cidade tão linda, iluminada e feliz.
Com a vida passando por ela, e eu queria que ela levasse o meu namoro junto com ela, mas no fundo eu também sabia das dificuldades imposta pela sociedade em que vivemos, mas eu não quero ofender e nem tirar nada de ninguém, quero apenas ser feliz ao lado de alguém que eu amo muito.
Evandro também pensava assim porque ele deve sentir todas as coisas que eu sinto, e ele não vai querer me machucar se eu tiver que fazer alguma escolha ou que ele faça as suas escolhas.
“eu jamais deixarei que algo que possa te machucar novamente”, ele levantou e escondeu seu rosto de mim colocando sua mão em frente aos olhos
“eu não vou deixar que tirem você de mim, Evandro”, levantei e coloquei a minha mão na sua e a tirei de frente os olhos
“ninguém vai me tirar de você, mas vão mastigar a gente até que não vamos agüentar mais, e eu não posso deixar que isso aconteça com você”, ele tirou as minhas mãos das mãos dele de forma gentil
“eu não quero saber, eu não ligo!”, um barulho forte explodiu na minha mente
“mas, eu não posso vê-la passando perrengue assim por minha causa e não fazer nada, não é justo com você!”, ele tomava cuidado com as palavras enquanto procurava respirar profundamente
“se você terminar comigo por isso que aconteceu, aí sim, vai estar me machucando”, voltei a segurar as suas mãos sob os olhares da galera que sentados um pouco mais afastados observavam em silêncio a nossa conversa
“eu não quero ter que fazer isso e nem quero que você o faça”, ele franziu a testa e o som evasivo de suas palavras não retirou o meu temor e ao contrario, fiquei ainda mais tensa quando ele soltou as minhas mãos e ficou olhando a cidade “é tão linda!”, murmurou
“a gente vai superar isso tudo, Evandro”, passei a sua frente e me acolhi em seus braços e ele deu um sorriso que não durou dois segundos e senti suas mãos frias em meu corpo e senti o dolorido do choque contra o carro





“eu só queria poder ter a certeza de que tudo ficaria bem e que você pudesse ser feliz”, o frio das suas mãos foi parar em seus olhos avermelhados e vazios
“o que se passa com esses olhos tão tristes?”, eu disse numa voz tão doce e agradável
“eu nunca vou deixar que te firam de novo”, eu me aninhei nos braços dele mesmo sabendo que eu me sentia tão triste com o que acontecera me sentia segura ali
“por que tanta tristeza em suas palavras?”, ele colocou suas duas mãos em meu rosto e o pegou com força
“porque eu não em sinto mais sozinho desde que você entrou no meu mundo, e eu quero que sintas o mesmo”, olhei em seus olhos negros com amor
“eu não me sinto sozinha, e sei que o motivo é que você está comigo”, as mãos dele pressionavam o meu rosto
“eu tenho medo da pressão que vai ser... nós dois juntos... daqui pra frente... e se vamos conseguir suportar”, ele murmurou
“se eu tiver que desistir, eu vou desistir da única coisa que eu quero dessa vida”, agora as mãos dele soltaram o meu rosto
“olha em nossa volta, olha esse não é o mundo que eu vivo e como faremos pra que não vá ser ruim pra nós dois?”, eu olhei em nossa volta e vi a cidade brilhar
“eu sei que é diferente, mas é o que temos e te oferecer além do que sinto, do amor que recebi de você, é impossível pra mim”, ele lançou os olhos na direção do mar e vi as lágrimas em seu rosto “eu não quero riqueza, eu quero você, Evandro”, levei a minha em seu rosto e fiz um carinho
“eu sei, mas eu preciso fazer você entender...”, quando ele falou e eu senti a voz dele ainda mais triste
“entender o que, Evandro”, perguntei
“que eu e você estamos entrando numa jornada perigosa e decisiva das nossas vidas e estamos prometendo amor, mas eu sei que não é só isso que vai ser importante...”, senti um arrepio na espinha
“eu sei que vamos saber esperar e se isso fará parte do nosso futuro, vamos saber lidar com isso”, eu virei às costas pro mar e encarei-o
“eu sei que hoje estamos bem e que ainda não há um estrago que não seja possível consertar, mas e amanha como será?”, ele continuava evasivo e eu não o deixei continuar e o beijei, mas foi um beijo cheio de dor, quase sem vida, mas que continha uma resposta silenciosa pra tantas duvidas que pairavam sob nossas cabeças e que eu queria fazer desaparecer e assim trazer de volta a certeza que sempre esteve em nossos corações
“amanha a gente descobre como será” eu parei de beijá-lo e encarei-o firmemente
“é que nós estamos apenas namorando e que nem sabemos se isso é o que queremos pro resto de nossas vidas. Eu sei que estamos apaixonados, e que eu amo você, mas vamos deixar de pensar em planos mais longos e curtir o nosso momento”, ele deu um sorriso tímido
“eu amo você”, eu disse feliz


Capitulo 13

Em casa, eu contei o que houve aos meus pais, eu queria esperar um pouco mais antes de continuar, mas a reação deles foi de susto e depois que expliquei que tudo foi resolvido, eles ficaram aliviados ao saber que todos nós estávamos bem e que aquilo não passara de um grande susto.
Fui pro meu quarto, troquei de roupa e sentei à beira da cama, e fiquei com os cotovelos apoiados nos meus joelhos e segurei o meu rosto com as minhas mãos abertas pra ele não cair no chão.
Levantei e fui até o espelho na parede perto da entrada do closet, olhei profundamente a imagem refletida e via que era eu ali, vivendo o meu medo da perda, da coragem e de tudo que eu pudesse ter em força.
E voltei a olhar pra dentro de mim, e eu sabia que ainda havia muito pra se lutar, e que a força perdida podia ser recuperada, trazida de volta, e dada a ela um lugar mais seguro dentro de mim.
Esse é o momento em que agarramos os pedaços para não deixá-los desaparecer, e a gente sabe que depois de ir ao outro lado, não poderemos mais voltar, e vamos ter que esperar para saber se vamos poder nos encontrar outra vez. Já quis arrancar meu coração e colocá-lo em cima da mesa; e ficar vendo-o bater para entender porquê ele parecia bater esperando tanto ser chamado por alguém como Evandro.
E assim a gente passa horas demais achando que tudo pode voltar pra nós, e quando o tempo vai ficando pra trás, nos sobra tão pouco que pensamos que já não podemos mais sentir. E como ninguém pode sentir por nós, tudo parece ficar pesado demais; e agora eu já nem sei mais como dizer que estou cansada, para tentar explicar por que ainda continuo a querer que nada venha a ser como antes.
Eu não consigo mais esconder a tristeza dentro de mim, e ela sai pelos meus olhos e as coisas coloridas que Evandro me mostrou ficaram tão pálidas como a minha imagem diante do espelho. E agora, quando eu olho no meio de uma multidão tentando, eu fico tentando ver o rosto dele lá. E parece que todos são iguais e só o meu está diferente a carregar um dor que se espalha em mim toda.
De onde vem às perguntas que se arrastam em minha mente? São as mesmas perguntas que me fizeram ficar mais triste a cada segundo por saber que tudo que eu queria, pudesse ir embora tão cedo. Morrendo é como eu me sinto embora eu pareça ter milhões de anos que me fervem nas veias; e ainda me levam a querer viver mais um milhão de vidas só pra encontrá-lo em todas elas. E eu sei que eu ainda tenho muitas de coisas pra dizer, mas não agora, não aqui e será que algum dia eu vou reencontrar o amor e poder olhar em seus olhos mais uma vez?.







A noite foi longa e cansativa porque eu não conseguia parar de ver aquela cena, e com ela a conseqüência do que estava por vir, e por ser honesto, eu sabia que Evandro pensava em lidar com isso sozinho.
O dia amanheceu e eu mal conseguia me levantar da cama, mas era inevitável que eu fosse pra aula porque eu sentia que haveria uma conversa ainda mais definitiva. Olhei pra minha cama, e pensei em como eu sempre me sentia segura nela, em como procurei salvar a minha vida deitada ali, e quanto tempo eu perdi agindo assim, e agora que a minha vida quer ir embora pra longe, mas desta vez eu não vou cruzar os meus braços.

Na entrada do curso, as meninas ficaram ao meu lado e quando Evandro desceu com os meninos, eles se juntaram e se afastaram sem olhar pra mim, e subiram as escadas lentamente. Eu me virei pra ele e sorri um sorriso machucado e como eu não sei esperar, peguei a mochila e joguei-a pra trás nas minhas costas, já menos dolorida, e peguei na mão de Evandro e o puxei pra perto da parede do prédio.
“você está melhor, Júlia?”, ele perguntou atencioso
“estou melhor sim”, fiz uns movimentos com os ombros, mas senti uma forte dor nas costas
“sei que espera que eu fale algo agradável, mas eu também sei que você sabe que é à hora de acordarmos desse sonho. Voce é pra sempre parte de algo que eu não me encaixo e eu não mudo o que eu sou por mais que eu tente; e voce quer trocar o mundo que eu conheço do meu jeito; por um mundo que eu ainda não vi. E o que voce mostra, eu sempre deixei escapar; e o que voce diz que nunca vai se quebrar,e tão frágil aos olhos dos outros”, sua voz tinha o tom de tristeza
“eu já deixei se espatifar por tantas vezes antes de você chegar; Evandro. E o que voce diz que vai parar; eu não consigo deixar ir; e ver voce desistindo de mim não vai ser a melhor coisa pra nós dois, Evandro”, eu tentava permanecer calma diante da frieza dele
“Eu queria sentir como voce sente; eu queria ser como voce é. Eu não queria que voce visse que eu perdia quando eu ganhava mais e mais de voce; é que eu via do fundo dos seus olhos o que voce via em mim; e de todas as coisas que eu via em voce; e não daria pra voce ficar depois disso”, ele se esforçava pra me manter afastado dele
“Voce tem os olhos sem despedida e palavras que me fazem querer que eu me afaste; mas tudo vai se afundando e eu sou como pedra no mar; por mais veloz que eu vá, sei que acabo me afundando; e cada movimento seu é um toque suave; um sentimento que eu não posso mais deixar de sentir”, eu tinha as palavras certas pra fazê-lo recuar, mas algo em seus olhos o mantinha firme no propósito de não recuar
“Nunca quis deixar voce triste e por isso ficava feliz o tempo todo em que voce estava comigo; e eu observava que voce sentia o que eu sentia e nada desaparecia do meu mundo; quando voce mergulhava na felicidade; que não era eu quem lhe dava”, seu olhar esvaziou; seus olhos ficaram nulos, opacos


”Dos seus olhos o mundo parece ser tão lindo, e às vezes eu quero sentir que fosse tão fácil assim; e dos seus sonhos; eu quero acreditar que seja possível. Mas, eu vejo o mundo um jeito tão cruel agora com você querendo se afastar de mim. E eu me lembro quando voce chegou com esse brilho nos olhos, eu quis entender porque eu era tão diferente, e triste assim e por que eu via as coisas de um modo tão cru, tão vazio; e enquanto voce mostrava que a vida não pesava; e carregava um peso tão difícil de suportar”, levei a minha mão em seu rosto
“isso não é uma promessa que estou quebrando, é que eu não suporto a idéia de vê-la passar por coisas que jamais passaria senão comigo, e isso está me matando, e eu não posso ver isso acontecendo todos os dias, eu não posso vê-la morrendo quando eu olhar em seus olhos e ver que nada posso fazer”, ele ergueu a cabeça, respirou forte
“eu não morro ao seu lado, eu vivo, Evandro. O mais perto do paraíso que eu cheguei foi quando você me pegou pela mão e me levou pra ver o mar lá de cima do morro; e eu nunca pensei que algo tão lindo pudesse machucar tanto a gente, como agora que sei que jamais vou ver estar lá com você novamente.
E depois de um tempo a gente se acostuma com a dor; e fica achando que ela nos ensina a evitar o que vamos sentir; mas ela escraviza a gente e não nos deixa mais amar. Esse medo de saber que ainda podemos sentir faz tudo ficar perigoso; e nos escondemos de tudo que possa nos fazer feliz; e desta vez não vai ser assim, eu vou começar a viver novamente e tentar e tentar”, eu peguei em suas mãos e o puxei pra perto de mim
“não sinta medo, Júlia”, ele empalideceu
“Eu fiquei acordada a noite inteira; e fiquei com medo de dormir e não mais sonhar com você; porque agora é só em meus sonhos que você vai aparecer; e às vezes nem sei se é você quem está lá; vestido de inimigo; mas isso faz enganar meu coração. Eu sempre fujo da realidade indo pra longe daqui; e assim ninguém sabe o que eu penso quando eu estou triste ou quando eu quero chorar. Mas, agora vão saber que estou triste porque aqui comigo, você não vai mais voltar; pra me pegar pela mão. E eu não vou consegui mudar as coisas que te fizeram ir embora; mas sei que elas vão ficar aqui a me torturar pela falta do seu coração; essas coisas eu vou ter que esquecer pra voltar a sentir”, as minhas lágrimas já molhava a minha blusa
“E se foi eu quem decidiu que ia lhe esquecer então não sei porque eu fico assim; me sentindo tão vazio e com esse gosto amargo na minha boca que não quer passar. Você é tão forte em mim que às vezes me esqueço das coisas que eu nunca quis; e vivo agora perdido nessa confusão; e é você quem eu devo esquecer e não a mim. Prometo a mim mesmo que vai ser só por hoje que vou lhe manter aqui; e não vou me preocupar que a noite chegue e eu ainda esteja pensando em você”, eu não pude rebater o que ele acabara de dizer, foi pesado demais e minha voz estava tremula





E parecia que com aquela conversa, nós tínhamos deixado de acreditar no que sentíamos, e que todo amor que sentíamos ficou tão cansado que nos feria até quando tentávamos nos abraçávamos e lutar por algo que machucava tanto perdera o sentido. E eu sei que eu nunca mais vou tê-lo pra mim se ele for embora agora; e já não quero mais guardar o que sobrou; porque quando penso em tudo que eu tinha na minha, o que eu sinto é apenas solidão e isso nunca me fez bem; e vou passar a lembrar e a cuidar de mim.
“eu sempre vou estar por perto de você, Júlia”, a cor voltada ao seu corpo
“Por tanto que você me mostrou que tudo tem um sentido, é estranho como nesse momento nada se justifique; e nem faz nascer nenhuma certeza em mim. E se alguém tivesse me dito que isso teria um fim tão cedo, eu certamente não acreditaria, mas eu não posso acreditar que está acontecendo agora. E então talvez por eu saber que eu não consigo dizer isso ao meu coração como eu costumava antes de se tornar real”, eu já não mostrava mais força, mais nada saia de mim além de dor
“Olha, eu ainda nem cheguei à parte onde eu nem sei o que dizer; além das coisas sem sentido pra você”, a mão dele tocou em meu ombro
“por que então está fazendo isso comigo, Evandro?”, levantei a cabeça e tirei a mão dele dos meus ombros
“eu sinceramente quero fazer o que é certo...”, o cansaço se alojou em seus ombros
“isso é o certo, Evandro? O certo é que eu sinto falta de um pedaço de mim quando você não está perto; o certo é que eu não sei o que se passa comigo; sinto raiva, ódio e cansaço; mas penso em você e tudo fica bem; e esqueço que sem você nunca mais vai haver amor na minha vida. O certo é que o sol vai clarear os nossos corpos pela manha tentando esconder o que não é mais a realidade; o certo é já não existimos mais, não há mais nós dois depois de hoje; e o certo é querer trazer pra perto da gente aquilo que amamos; e o certo é o que é será pra sempre e será sempre a solidão”, meu corpo doía todo; e eu ainda tentava ficar de pé e olhando para mim tão vagarosamente descobri que tudo que sentia estava querendo ir embora para sempre e fiquei parada com as mãos erguidas como se o céu pudesse me devolver o que perdia
“Às vezes eu me sinto incapaz de sentir que pertenço a algum lugar; porque sempre penso em você onde estou; e quando saio e não te vejo sinto uma tristeza de estar ali sem você. O que vem a mim são as coisas que não quero mais guardar; e junto todas as partes que não morreram em mim; e faço forte e digo adeus ao que ficou; e tudo que deixo ficar é o gosto daquele último beijo; mas só por enquanto”, ele tinha todo amor nas palavras, mas sua expressão era de medo, de duvida e de mentira
“eu sei que você me ama, mas eu não posso te impedir de ir embora...”, minhas últimas forças saíram naquelas palavras e um carro parou tocando mouth, do Bush e eu escutava claramente o refrão: ‘ nada dói mais do que a sua boca’
“Você precisa olhar pros dias com calma e força; e vai ver que tudo isso vai mudar; o que te faz triste agora é a sombra do que restou de tudo que sentia. Hoje é o dia da sua segunda vida; seu tempo de esquecer as coisas que não deram certo é agora”, ele tinha cautela na voz
“e quais as coisas que não deram certo? Eu e você? Ou nós e a sociedade?”, voltei a me sentir viva e capaz de lutar pelo que eu queria, embora eu nunca o faria ficar caso ele não quisesse
“esse nosso namoro não evitaria que você sofresse quando a sociedade cobrasse de você...”, ele quis me segurar e mais uma vez tirei as mãos dele de mim, e o encarei como se eu não pudesse acreditar no que ele me dizia
“não acha que é tarde demais pra pensar nisso e essa não é à hora pra recomeçar. A gente sempre fica se segurando na promessa de não sofrer, mas você se for, você vai me deixar com a solidão e isso vai te prende a mim aonde quer que você vá e você ainda vai ter que aprender a sorrir de verdade, sem que eu esteja por perto, já pensou nisso?”, eu tentava duramente fazê-lo ficar embora eu soubesse que ele acabaria indo embora
“Eu sinto tanto medo de não conseguir mais voltar a ser o que eu era, e nem sei se eu vou poder te fazer feliz com a vida que eu tenho pra te oferecer. Eu não quero tirar você do conforto da sua casa pra que te dar em troca o que? Uma casa na favela?”, ele justificava o abandono que ia cometer com coisas que eu não podia rebater, e o admirava ainda mais por isso, mas tudo que eu desejava era que aquela conversava terminasse logo
“eu só quero o seu amor, Evandro!”, eu tentei ser mais calma possível com as palavras e gestos para que ele pudesse entender que o meu amor ainda estava ali comigo
“e até teu silencio eu sei amar; e agora eu fico aqui a pensar se um dia eu vou poder te dar ao menos um pouco de conforto, mesmo você não cobrando isso de mim, mas eu vou olhar pra trás e sempre vou saber de onde você veio”, a respiração dele saia forte e ele também não conseguia mais estar sereno
“e você acha que eu preciso tirar a vida de dentro de mim antes dela murchar e ir, só porque vou perder um conforto de coisas matérias. Há tantas coisas que eu não disse a você e não tenho pra onde fugir, e essas são as coisas que me doem; são as coisas que eu não fiz com você. E que sei que agora você vai encontrar isso além de mim”, pressionei meu corpo contra o dele tão forte que senti os ossos da minha costela bater em seu peito
“eu sei que você não pensa assim”, disse ele, mas quando há um cansaço superando o que sentimos, é melhor deixar de querer encontrar o que ficou pra trás e pelo caminho seguir porque não vamos encontrar nada do que pensávamos existir nessa vida, se toda vez que dissermos adeus ao que queremos.
“eu não posso mudar o que sente e nem mesmo tentar mais interferir em sua decisão e espero que você pense melhor em tudo isso porque eu sei que eu gosto tanto de você, Evandro”, e eu cheguei ao limite daquela conversa, e eu não queria sair dali, eu não queria ir pra casa e não queria ir pra lugar algum, e eu mantinha a promessa de nunca deixar esse amor ir embora, e olhando pro rosto de Evandro, eu desejei que ele ficasse com toda a força que eu tinha, eu o beijei além de mim.




Tatá e a galera chegaram sem que eu percebesse, enquanto eu via Evandro se afastando lentamente, seus passos decididos o levam pra longe de mim, apesar de perceber que ele carregava um enorme peso em suas costas. E achando o que era certo, ele levou até o fim a nossa separação e um dia ele me disse que era pra eu ficar ali; e logo eu que nem tinha mais onde ficar; e tudo que eu podia fazer era atravessar a rua pra tentar ficar olhando ele se indo a distancia.

E quando eu me acostumei com a idéia de ter um amor, veja o que eu ganhei; foram dois dias vazios sem falar com Evandro; sem a paz que eu tinha antes dele cortar minhas pernas e me deixar só com a sorte das lembranças.
Eu passei a escrever milhares de recados que nunca mandei; e fui tantas vezes na entrada da favela pra vê-lo; já que no curso ele não voltou mais; ele e os garotos foram estudar num curso em botafogo, e ele não tomou mais conhecimento de mim.
Eu só queira entender porquê eu nunca entendi nada; e daí, se eu sempre tentei ser o que o fazia feliz; e vivia sempre o que eu podia oferecer e receber; sem imaginar que assim eu me eliminava. E desse domínio perdi o valor de mim mesma; deixando minha vida mais vazia e sem fé; e ficava pensando se Evandro já estava feliz longe de mim.
Esqueço o tempo em que eu passei lamentando o que eu nunca tive da vida; e se éramos tão amigos; não era preciso toda essa separação amarga, cega e doída. Reconstruo meu mundo e faço do sol algo frio que nem mais queima a minha pele; e me coloco diante de tudo pra esquecê-lo. Comecei agora a ver a virtude que eu tinha ir ficando pra trás quando ele deixou de me amar; e quis ter de volta tudo que perdi dentro de mim.
A dor que eu achava linda só era maldade então; quero agora o que seja bondade tome conta de mim e que ele possa me olhar nos olhos e eu voltar a me ver lá dentro. É preciso agora esquecer e viver o que se tem para mim; e sentir meu coração que é tão imperfeito; que fica indagando porquê Evandro não pode mais estar aqui; e sigo só e um pouco mais serena.
Depois que eu admiti que eu sempre tive essa coisa de ser dependente de meus sentimentos; comecei a ver que tudo era mesmo um sonho meu; e o tempo em que comecei a amar acabou e não vai mais voltar. E olhar pra frente agora é questão de me amar um pouco mais e saber que onde eu vou poder ficar será num futuro sem Evandro.
Fico alheia a tudo ou ao que não me deixa começar a viver e as coisas que me nego a fazer, por cansaço e solidão, me deixei ficar numa luta contra o que ficou quando Evandro se foi, e não sei abandonar o que senti e fecho tão fortemente as mãos, pra que não se vá, mas sei que já não há seu amor aqui; só a minha frustração. Virtude de poder achar que tudo está bem, e ao olhar em minha volta, tudo que vejo são passos dados pra trás e não sei acompanhar teus pés e nem saio do lugar em que estou, pareço agora viver num lugar estranho. Ocupando um lugar vazio em meu coração, teu nome despenca no meu abismo mental e como uma faca afiada e cega, me corta a esperança de vê-lo sorrindo pra mim novamente, da porta da frente.


As meninas querendo me animar combinaram de ir lá à minha casa tomar banho de piscina, e eu concordei e lembrei que os meninos iriam vir também e que eles podiam me passar noticias do Evandro.
Quando elas chegaram, Beto foi o primeiro a entrar e foi logo fazendo a pergunta repetitiva que ele sempre fazia sem perceber: ‘ e ai, Dr. Arnaldo quais as celebridades o senhor turbinou essa semana?’. Ele sempre queria se informar antes das revistas e meu pai sempre falava pra ele esperar pra saber pelas revistas e ria pra ele, e depois contava em segredo em seu ouvido.
As meninas já entraram indo atrás de mim, e tatá sempre por perto, com olhares e cuidados, ela dizia que quando Evandro passasse seu constrangimento do dia em que os policiais o pararam na rua, que ele voltaria atrás e eu queria acreditar nisso.
Eu já estava abatida demais, com olheiras, e meus pais sempre me perguntando sobre Evandro, eu já não agüentava mais a pressão de não saber responder nenhuma das perguntas, e eu só sabia que eu tinha sido amada ao longo desses dias e que agora ele não estava aqui comigo. E sol daquela manha tinha algo de bom ao tocar em meu rosto, eu na espreguiçadeira me entregava, com as mãos pra cima, e eu sabia que nós não tínhamos ditos adeus, e isso me animava quando eu começava a ficar triste.
Depois de um tempo conversando com tatá ela se levantou e andou na minha frente e eu olhei-a e a chamei pra que ela virasse pra mim, e admirei, por alguns instantes e toda vez que eu fazia isso ela corava todo o rosto.
“O que foi, Júlia?”, ela colocou as mãos em sua cintura fina e eu vi uma mulher na minha frente onde eu sempre via uma menina frágil, ela estava dentro de um biquíni preto com detalhes em brancos, a parte de cima um tomara-que-caia e a parte de baixo de cortina com laços nos lados e de sandália branca com uma laço preto no peito do pé e saltos alto, finalmente tatá se sentia feliz
“nada, é que me lembrei de algo, cara, e você e Pedro?”, disfarcei
“somos grandes amigos como você sabe, Júlia, apenas isso”, ela franziu a testa e ajeitou os óculos, tirando-os da sua cabeça e cobrindo seus olhos
“espero que vocês se acertem logo, como a Dinha e o Gustavo...”, eu apontei os dois se beijando atrás das plantas
“esses dois tentam disfarçar pra que a gente não saiba que eles estão ficando”, ela tinha sarcasmo na voz coisa que ela sempre procurou evitar e virando ela foi até a piscina e tirou os óculos e a sandália e pulou na água que veio e molhou meu rosto e me trouxe aquele arrepio de volta e a vida linda que eu não me sinto bem em lembrar que vivo. E tudo que eu soube fazer até agora foi ficar lamentando e vendo tudo se escorrendo por minhas mãos, tão impacientemente, vi todo amor se perder, e eu ficar tão só, que em minha cama, meu corpo pesava mais de quinhentos quilos e assim observava em lembranças em momento final de união a mim. Agora, vivo e sem saber onde estar e perdida assim, sem vontade de me levantar e voltar a caminhar, e penso que já é hora de ver que Evandro se não vai mais voltar, tenho que ir atrás dele.



“galera, nós vamos à babilônia agora!”, pulei da espreguiçadeira e apanhei a toalha e sequei o meu rosto
“Já não era sem tempo!”, gritou Roseane apanhando a sua roupa sob a cadeira
“vamos lá resgatar o Evandro?”, perguntou Beto olhando pra Roseane colocar a bermuda por cima do biquíni ainda molhado
“essa é a Júlia que eu adoro!”, tatá veio e me abraçou
“vou avisar os seus pais lá dentro porque eu sou a única com a roupa seca aqui...”, Dinha correu se equilibrando no salto com os braços abertos
“eu sei onde ele está agora, Júlia! Alias aonde ele vai todos os dias sempre que pode...eu já estava cansado de ver meu amigo sofrendo daquele jeito, tá ligado?”, disse Pedro contente abrindo um largo sorriso

Eu tinha que apanhar minha vida e levar adiante e torná-la mais fácil, uma vez que só eu tenho que me importar e ir atrás de Evandro junto ao que sonhamos; e depois ir ao encontro do mesmo sonho que se importa em sonhar junto. Era como sair dos mortos e isso é tudo que tenho que fazer, para voltar antes que seja tarde demais e ao perdão dos nossos espinhos, mas o que me deixou aqui é o que me faz querer ir adiante.
Essa é a última vez que eu tento salvar a minha vida, das angústias que sinto, pelas que coisas que faço, e eu direi a Evandro o que penso, e se ele se fechar novamente, eu o abrirei como a quem abra a uma porta.
E esse brilho de luz morta em meus olhos, que ele não consegue mais ver e, que fica através do meu lugar, eu fico esperando ele voltar, me arrasto em viver num mundo diferente, e nem sei o que ele está pensando nesse momento; ou onde está. Por dias acreditei que quando ele olhasse para trás poderia me ver, e assim saber que eu não mudei em nada, apenas fiquei mais insegura, enquanto estava sozinha aqui.
A vida nem faz mais o sentido que antes eu pensei que existisse; tudo está em ruínas agora; e tudo que eu acredito é tudo que eu não vejo mais; e tudo que eu sinto não tem mais motivo de estar aqui. Eu sempre quis que Evandro ficasse bem, mas chega de respeitá-lo. E sei que eu não soube explicar o que era mais importante pra mim, as coisas que eu sonhava não tinham preços, e fiz das palavras dele uma tempestade sem fim; e nela me afoguei.

Minha vontade era não mais estar aqui e a dor passou pra mim; e era tudo um erro que eu não conseguia entender, e só foi ficando mais complicado, e eu com menos força pra conseguir levantar a cabeça e seguir sem ele. Eu não vou mais me acostumar a esquecê-lo como venho lutando pra conseguir; e sei que nada estava indo bem e agora já está tudo difícil pra caramba.
Eu queria abraçá-lo e dizer que eu sinto muito pelas coisas que nem cheguei a cometer, mas todos os outros erros, dizer que eu não os cometeria nunca mais. Assim, nunca mais deixá-lo ir embora, mas eu me sentia tão fraca pra lutar contra esse coração e essa dor que não me deixa esquecer que Evandro ainda não se foi.



Capitulo 14

Na entrada da favela a presença da PM já não representa mais uma ameaça; e subimos pelas alamedas, becos e a cada metro subido o meu coração batia ainda mais forte, causado pelo esforço físico e pelo incondicional amor que eu sentia.
Gustavo e Pedro iam mostrando as coisas, a pracinha cheia de crianças brincando, adultos malhando em barras, fazendo abdominais em pranchas postas na pracinha. As meninas com os olhos fixos em tudo que via de novidade, e talvez sentindo um pouco de vergonha como eu sinto.
E nós não paramos, afinal estávamos ali pra uma missão, embora as meninas não parassem de fotografar tudo que viam pela frente e finalmente chegamos a entrada da coopbabilonia e Pedro veio por trás de mim e sua voz estremeceu o meu coração:
“ele está lá adiante, sentado olhando pra onde ele se sente mais feliz. O meu amigo que eu pensei ter perdido sempre vem aqui e senta ali por horas e agora é hora disso acabar, é hora dessa tristeza de vocês dois ir embora, vá lá e curem-se!”, a mão dele esfregou os meus ombros e eu esfreguei a mão dele em retorno e eu corri pelo mato sem perder tempo

Quando eu cheguei mais perto de Evandro, ele virou-se e ficou de pé limpando suas mãos da terra que havia nelas, e vi seus olhos brilharem que chegaram até os meus e eu fiquei segura naquele instante de que eu ia salvar as nossas vidas.
“o que você está fazendo aqui, Júlia?”, ele deixava um sorriso doce escapar
“eu vim sentir os nossos corações mais uma vez, Evandro! E acabar com essa saudade que vai crescendo sem me dizer o que devo fazer pra não sentir nada disso, e eu não gosto mais de nada do que eu não possa entender.
Eu vim esquecer o cansaço que é tudo que venho tentando no momento, abrir as portas e sair e se tornar uma leoa e voltar a sentir o vento no meu rosto, que só daqui de cima eu senti. Mas, eu também vim aqui pra me lembrar do que vivi como um prêmio e não como culpa, como venho sentindo. E essa imagem daqui de cima, eu não quero como um quadro pendurado na parede da minha memória.
E eu vim aqui para deixar de fingir que o que sentimos não esteja mais aqui. E eu não vou mais querer ser encontrada pela dor; pela decepção. E eu vim aqui pra fazer tudo diferente pra que tudo fique melhor!”, eu dei mais alguns passos e estiquei as minhas mãos pra ele e eu senti ele me segurar e me tirar dali
“Eu quis saber quem eu era e só me via atrás de você e quando eu ficava só comigo, eu não sabia o que sentir e nem o que fazer. E tudo dependia de como você sorria pra mim para que eu soubesse pra onde seguir e não devia ser assim. Uma pessoa não pode ser apenas um espelho pra outra, e eu joguei tudo fora e não há mais apenas ‘eu’, sou mais do que pensei ser e das coisas que eu deixei de estar corroendo dentro de mim, se partiu e agora tudo espera até que eu fique mais forte e possa voltar a ser feliz comigo mesmo”, e ele olhou em meus olhos e eu flutuei com ele como se voássemos de asa delta por sobre a cidade


“o dia em que você se afastou de mim, aquele dia foi o mais difícil de suportar...”, minha voz saia lenta
“eu quis te proteger de tudo e de todos, inclusive de mim mesmo. Olha lá pra baixo, veja essa Cidade linda, veja daqui como eu sempre vejo. Daqui eu posso tocar o céu e tudo pode ser meu, e nada tira a minha força e quando eu te abracei aqui aquele dia, eu pude ir tão alto como eu nunca imaginei. Mas, quando eu estou lá embaixo, todos podem me tocar, me machucar; me ferir e de lá eu sei que eu nunca vou poder tocar o céu, e não haverá mais nada que eu faça que me fará chegar perto dele novamente”, a melancolia na voz dele me estremeceu toda por dentro
“pode ser estranho pra você, mas quando eu estou lá embaixo a única coisa que eu sei que pode me levar até o céu, está aqui no alto”, eu me encostei devagar nele, eu não queria afastá-lo de perto de mim
“Meu corpo precisa do calor do teu corpo e ele sente muito frio longe de você”, ele ficou de cabeça baixa enquanto eu me encostava ainda mais contra o corpo dele
“então, também se trata do que sente por mim, do que sente pelo meu corpo”, eu ergui a cabeça dele com a mão e o fitei seriamente
“você já tem dezessete anos e eu não quero estragar o que você e eu sentimos, e não sei se saberei me controlar”, ele abaixou a cabeça novamente
“eu te ajudo a se controlar, não tema!”, e voltei a erguer a cabeça dele
“e era você quem tinha os planos mais belos e eu só fiquei com meu egoísmo; e as coisas que eu usei contra você. E seu olhar tava tão machucado pra ver que eu chorava também, e tudo ficou em silêncio por tanto tempo que eu passei acreditar que assim era o nosso mundo; em pedaços e um sofrimento que eu não queria que sentíssemos. A gente tinha mais do que qualquer outra pessoa; mas eu tive medo de não saber aproveitar e deixei o amor ferido; e assim, me perdi por cansaço e falta de vontade de continuar”, o mar lá embaixo fazia tanto barulho eu podia escutá-lo batendo nas rochas e areia
“esqueça tudo isso e vamos continuar tentando”, eu pedi com cautela na voz
“Quando eu ainda podia olhar em seus olhos e ver que havia amor morando lá, eu pensava que eu nunca teria mais que sentir essa dor, de não sentir que tudo cai um dia e nem podia me lembrar de como é difícil se levantar. Tudo fica lento; sem vida e diferente, minhas pernas fracas não me levam nem ao portão da minha casa; e me deixam ficar o dia todo em casa; e meus olhos só vêem seu rosto, e nada lá fora me interessa ver; meus ouvidos surdos em outras vozes que não sejam a sua, mas eu vou lutar e mudar meu abandono e essa tristeza”, e tocando de leve a minha bochecha com mão, ele sorriu delicadamente
“fique comigo, Evandro!”, eu sentia a mão dele tocar o meu coração quando seus dedos passaram levemente em meus lábios
“confie em mim, Júlia! Desta vez, eu não serei tão fraco porque eu sei que eu estive morrendo cada vez que eu me sentava aqui e ficava olhando lá pra baixo e sabia que você estava lá vivendo em separada de mim e eu daqui sabia que você lá embaixo sofria e me amava”, e naquele mesmo lugar nos beijamos mais uma vez sob os aplausos da galera que estava de longe nos observando.


Reuni todos ao nosso redor e ficamos todos olhando lá pra baixo, e os nossos olhos brilhavam e foi um momento que eu novamente quis guardar pra sempre, e eu podia sentir uma fascinante sensação de alivio depois desses dias de separação.
“gente, escuta o que eu vou falar. Quando eu estive aqui a primeira vez, eu cheguei a minha casa e pensei em fazer algo e agora com vocês todos aqui, eu acho que dará certo”, e uma onda de esperança passava em meus olhos
“qual é a outra missão? A primeira nós já cumprimos com sucesso, vocês dois voltaram”, Roseane falava entusiasmada
“então, gata! Eu queria gravar uns vídeos depoimentos de alguns moradores e juntar um numero de fotos de todos os lugares daqui e a gente depois colocaria esses vídeos e fotos em nossos Orkuts, criamos um comunidade e postamos os links e distribuímos pra galera que temos adicionadas para que eles postem os vídeos e fotos também. E assim vamos tornar conhecido o que é a vida aqui, e se não ajudar também não vai atrapalhar, o que acham?, conclui rapidamente
“essa idéia é ótima, Júlia”, tatá sorria lindamente
“Roseane, Dinha e Gustavo vão fazer os depoimento em vídeos. Tatá e Pedro e Cleber vão tirar o Maximo de fotos que puderem e fotos com os moradores e eu e Evandro vamos gravar uns vídeo da coopbabilonia”, eu sorri
“nos encontramos aqui dentro de umas duas horas, Júlia”, disse Gustavo tirando a sua câmera do bolso e checando-a, e todos eles repetiram o ato

Eu tenho estado à espera de um novo herói, é que ando cheia dessa maldade toda; que anda por aí e ninguém faz nada pra mudar isso, e eu não vou mais calar o meu coração. A minha vida toda sente dor; e o que me resta é pedir por justiça antes do grande fim; e serei eu apenas um contra todos os que matam a floresta, a vida. Mas esse não é o ar que eu respiro e por defesa eu ataco e me defendo por me fazer sofrer tanto, e agora eu vou comprar oxigênio no mercado da esquina.
Um copo d’água limpa não pode ser tão difícil de achar; e nem pessoas de bom coração; e os velhos heróis que morreram são lembrados; e não mais as suas causas; elas continuam ignoradas e a gente vai vivendo as nossas próprias vidas. Estamos nos acostumando a maltratar a beleza; a dignidade e tudo de bom que já não temos mais; e estamos muito ocupados e deixamos tudo pra depois; qual é a diferença?
Os anjos estão à espera de ajuda e indiferentes a gente marcha por caminhos diferentes; e diz que tudo está bom do jeito que está, mas estão atirando pedra em nós porque nós falamos de amor. A justiça anda tão opressora e não é cega quando julga os grandes interesses de quem quer destruir e dizem que não vai nos fazer mal; mas por onde anda o sol?
Talvez nada tenha mudado, talvez seja apenas a minha imaginação, e meu universo seja diferente e o lugar que eu vivo não tenha nada pra fazer de novo. Quem sabe seja uma aflição minha e que estamos seguros de nós mesmos; e que o que resta seja apenas viver o que temos pra viver. Esse ar anda tão poluído, o meu mar cada vez mais sujo e toda a coisa que a gente não zela a gente sempre acaba perdendo

Logo depois com todo material nas mãos, eu olhei as fotos e achei tudo maravilhoso, e como não fizemos tudo junto, e todos estavam curiosos de como ficaram os matérias, Evandro nos levou pra casa dele e pudemos ver no computador dele como ficaram os vídeos-depoimentos, e esses vídeos seriam os mais importantes desse projeto. Acomodamos-nos pelo chão da sala e em silencio escutamos emocionados os depoimentos de cada morador que cedeu seu tempo pra falar da vida na favela.


‘eu antes não saía tranqüilo para trabalhar, e tinha medo de deixar a minha família em casa. Eu não tenho mais medo de deixá-los em casa nem de enfrentar tiroteios na volta’, Melquiades Barboza, 48, um senhor sorridente falava cheio de orgulhoso

‘eu troquei o barraco de madeira por apartamento com “vista para o bondinho” e conseguiu que uma loja entregasse aqui o sofá que comprei’, Isabelle Soares, 38, a moradora feliz com a loja que subiu pra entregar seu sofá

‘Minha família morou fora daqui por seis meses por estar traumatizada. Passamos muitas noites debaixo da cama, com medo dos tiros. Minha filha de seis anos sabia, pelos disparos, se era assassinato ou guerra no morro. Não tem dinheiro no mundo que pague essa liberdade’, Robson da Silva Pereira, 32, outro morador com um belo sorriso no rosto

‘Com o tempo, a resistência acaba. É claro que uma cultura de domínio do mal, que durou 75 anos, demora a mudar. Quando cheguei, tinha apreensão de armas e drogas. Hoje as ocorrências são de brigas de casal ou de alguns rapazes por causa de bola, pipas e tal’, diz o presidente da associação dos morados, Jose Barros de Freitas

Nos arredores da favela, a vida também mudou. “Tem muita gente voltando para Botafogo, pro Leme. Com o problema da insegurança, ficou prejudicado. Havia uma debandada do bairro. Ninguém queria morar lá. Em um ano, os imóveis valorizaram 15% e já nem encontramos tantos disponíveis para alugar”, afirma o diretor de locações da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis, Carlos Oliveira, que estava na favela levando uns moradores pra comprar uns imóveis.
Para a socióloga Jaqueline Muniz, da rede Latino-americana de Policiais e Sociedade Civil, o projeto UPP tem que virar política pública. “A satisfação dos moradores é pelo aumento da percepção de segurança. Mas é preciso criar orçamento para não deixar a iniciativa morrer, como tantos outros projetos”.É um ano sem a comunidade escutar troca de tiros nem ver afrontamento de bandidos armados”, “O problema tem solução. “Poderemos fazer isso em qualquer área da cidade”, disse Amarildo Motta, o comandante da UPP.

“Morador da favela há 48 anos, o paraibano Carlos Moreira, 90, está aliviado: Acabou o medo de bala perdida e a falta de tranquilidade para chegar em casa.
‘antes o carteiro não subia aqui e agora ele vem direto, assim, como o gás, água nas bicas’, Dona Josefa da Mata, uma moradora orgulhosa
‘tem uma senhora chamada Braulice, que vem todos os dias aqui trazer comida pra setenta famílias, e essa senhora já construiu mais de cinquenta casas, ela não é rica, mas consegue dinheiro pra fazer todas essas coisas’, Heriberta Damasceno, 82, teve seu barraco transformado pela dona Braulice


Sentados e bastantes emocionados e ficamos envolvidos na mesma onda de sentimentos permanecemos com os olhos fixos na tela do computador, vendo aquela gente feliz por estar tendo coisas tão simples em suas vidas.
“gente essa dona Braulice é uma fofa”, eu falei emocionada
“mesmo quando havia traficantes por aqui, eles a respeitavam”, disse Evandro
“eles tinham é que vazar e não respeitar”, a expressão dura de Gustavo era algo raro de ver e continha rancor nas palavras dele
“espera ai, galera! Eu tive outra idéia depois de conhecer a vovó Braulice, tipo assim, cara, a gente reuni todas as meninas lá em casa e tipo, cada uma de nós doa roupas e acessórios e vamos organizar um bazar pela net. A firma que fez o site da clinica do meu pai, é de um amigo dele e ele faz um pra gente, e podemos tirar fotos com as roupas, tipo, a gente tira uma onda de modelos, assim quem comprar vai poder ver como a roupa fica, e reunimos esses materiais e colocamos no site também. Chega disso de favela-chic, essa coisa é pra idiotas”, eu falava sem parar
“amei a idéia, amiga!”, exclamou tatá e isso pra ela seria muito difícil de lidar já que sua mãe a forçou até os seus doze anos que ela seria modelo
“na boa, posar de modelo vai ser um mico, mas eu aceito a idéia da Júlia”, Dinha detesta essa coisa de modelo de fotos com poses armadas, preparadas, braços, pernas, posição do corpo, sorrisos, tudo falso
“eu também acho um mico ficar dando uma de Barbie, mas é por uma boa causa, conte comigo, Júlia”, Roseane era outra que não gostava de tirar fotos fazendo poses de modelo
“então, temos que ligar pra Marcela, Claudinha, Sabrina, Beth, Lúcia e Flavia combinar com elas, e pedir que elas falem com as amigas delas. Vamos dividir as tarefas para que possamos começar imediatamente...”, eu estava em êxtase
“Júlia, Júlia!”, Evandro chamava meu nome com carinho na voz
“fala, Eva!”, ele já não esquentava com seu apelido
“e qual é o seu plano pra depois?”, ele estava curioso como todos ali
“ajudar a vovó Braulice a continuar o trabalho dela aqui e ver se outras pessoas entrem nessa junto com a gente”, expliquei feliz




Já com os celulares em punho começamos a ligar pras meninas marcando pra tomar um lanche lá em casa e acertar os detalhes do bazar. E eu me sentia muito melhor e estava fazendo algo que me fazia sentir feliz, e não estava mais lidando com a minha dor.
“já acertei com a Marcela e Flavia”, avisou Dinha
“e eu com a Claudinha e Beth”, gritou Roseane lá de fora da casa
“Sabrina e Lúcia ficaram amarradonas com a sua idéia, Júlia!”, tatá disse discando em seu celular
“Júlia, se colocar roupa de homens nesse bazar, eu quero ajudar também”, a expressão paciente de Gustavo chamava atenção
“eu também quero entrar nessa, Júlia”, Pedro falou entusiasmado
“gostei Gustavo, gostei Pedro... vamos que vamos!”, excelente poder saber que
os garotos estavam dispostos a ajudar e Gustavo era muito estiloso
“eu e Pedro gastamos a maior parte dos nossos salários em roupas, e tem algumas que nunca mais usamos, é só separar as melhores, as que usamos menos e tem bonés, tennis que nem cabem mais”, emendou Gustavo

Esses dias tinham me deixado muito mal, pra baixo e desolada e parecia que seria o fim do mundo a qualquer momento, um gosto amargo na boca o tempo todo, e agora ali, olhando o rosto de Evandro tão próximo de mim levava qualquer resíduo de tristeza pra bem longe.
E eu podia funcionar novamente sem ficar dando defeitos e pela primeira vez, eu estava arregaçando as mangas e fazendo algo de verdadeiro com o meu precioso tempo, eu sempre soube da brevidade da vida e de como desperdiçamos o nosso tempo aqui na terra fazendo coisas que não acrescenta absolutamente nada a nossas vidas.
Todos nós abemos que a vida vai se acabar, e ainda assim passamos o tempo sendo miseráveis; mesquinhos e cegos, porque todos nós temos essa certeza de que nada será levado daqui, nem as roupas do corpo. E se ainda assim, a gente consegue colocar a cabeça no travesseiro e dormir é sinal que não tememos mesmo a morte.
Mas, então por que não fazer algo de extraordinário com as nossas vidas e pensar além de nós, e se apenas pudéssemos deixar de dormir numa única noite e tentar tirar tudo que temos até mesmo o ar que respiramos, talvez nessa noite vamos precisar que alguém venha nos socorrer.
Teremos que contar com alguém que recoloque o ar em nossos pulmões, e o ar é uma coisa tão simples, todos nós podemos pegar sem pagar, sem que o governo interfira, com tarifas, taxas com seus nomes estúpidos, e pra respirar dispensamos o mais bonito do ato que é o da generosidade.
Mas, eu sou sonhadora e desde pequena eu achava que as pessoas gostavam de dar as mãos umas as outras, e aqui estou eu, uma garota de dezessete anos não querendo aceitar que essas coisas possam voar pra longe da vida da gente.
E se isso que estamos prestes a fazer vai acabar com todos os problemas das pessoas que vivem aqui... Bem, eu seria inocente demais pra acreditar nisso, mas é o meu primeiro passo e certamente bolarei outros, afinal eu ainda espero poder ir pra minha cama em muitas noites, e sentir o ar nos meus pulmões numa noite de insônia perfeita.
Antes de deixarmos a favela, eu e Evandro ficamos observando o céu azul, e sentindo o fascínio que a nossa volta nos proporcionava, e eu nunca tinha sido tão feliz em tudo que eu queria, e não era só por aquele momento, mas a cor que faltava em mim, agora coloria milhares de anos de existência, e meu rosto que estava sempre se partindo se consertava diante da certeza de que a separação passara.
“eu nunca vou deixar de pedir perdão a você, Júlia”, ele queria um perdão que eu já tinha dado bem antes de estar ali
“Vamos esquecer tudo que nos fez ficar tristes e dançar sob as canções mais alegres e melancólicas e nos despedir da perfeição da dor e se não há nenhum lugar para ir agora, então podemos ficar aqui e sentir esse dia calmo nos ajudar a encontrar o caminho que perdemos pra que nos leve de volta até o nosso coração”, a mão de Evandro estava gelada
“você está certa, Júlia! esse dia calmo para me mostrar que eu não posso desistir. E se eu não conseguir mudar nada por fora; vou mudar por dentro de mim mesmo; esquecer que as bombas estão armadas e desarmá-la”, ele tinha arrependimentos grudado na voz e em seu corpo, seus braços se mexiam lentos
“Esse dia pertence a mim e a você e sei que você quer acreditar em mim e que quer acreditar em você, e vamos conseguir deter a dor e dizer adeus a ela para sempre aos momentos que partiram os nossos corações e voltar a sermos felizes”, eu disse estimulada
“eu vou ficar e esquecer que eu fui fraco e quebrei a promessa uma vez, e vou me lembrar de nunca mais fazer algo tão estúpido assim, nunca mais, Júlia!”, o dia quente, o vento, tudo testemunhava aquele amor que voltara mais forte, mais seguro
“tudo que peço é que, por favor, fique e não apenas por hoje e não deixe ir essa última força que ainda tens”, eu apanhei suas mãos e as levei ao meu rosto
“meu mundo começa quando eu penso em você; moléculas e moléculas à parte de mim”, ele sabia o que ele queria eu podia ver em seus olhos
“Sei que sente medo, e esse medo vem fazendo parte do que você acredita ser o certo; e até algumas pessoas acham que é o certo, que a gente não fique juntos; mas é isso nos causa dor, e isso nos faz sentir tanto medo e nos impede de tentar ser feliz”, eu deixei que as lágrimas molhassem as mãos dele
“Por muito tempo eu nunca tive nenhum sentimento que viesse de uma pessoa em minha direção, como o seu que chega e para na minha boca e quando eu achei que eu não fosse capaz de sentir, conheci você, Júlia. Bem, eu sinto que fui fraco enquanto você sempre mostra ter tanta força, e eu disse que eu nunca tinha vivido aquilo que você me fazia viver e por isso, me perdi em alguns momentos, embora eu quisesse que você me detivesse algumas vezes pra que eu não estragasse tudo. E agora o tempo podia parar para a gente poder consertar todo o nosso mundo que eu estraguei, e assim parado, a gente pudesse ter o que a gente sempre quis, ao menos desta vez, pela primeira vez”, ele olhava meus olhos que molhados se fechavam sem parar
“me mantenha aqui em seus braços, e não me deixa nunca mais sair deles”, e eu colei a minha boca na dele e senti o céu novamente.



E todo triunfo que foi ter Evandro em meus braços, e toda gentileza que foi olhar em seus olhos, só servem para evitar o fim, e por que sabemos que o mundo ainda continua caindo dessa forma, e por que essa destruição toda em nossa volta, se tudo que sentimos foi apenas o gosto de um beijo de amor; e não vou deixar terminar assim. E mesmo com todo esse caos, Evandro ainda me olhava como se tudo estivesse calmo e perfeito, que eu esquecia de todo resto, e eu sorria pra tudo que a gente nunca mais ia deixar de ser.
O tempo que agora nos engole é o mesmo que antes chorava por nos achar tão solitários, e indo pra casa eu sabia que só durou enquanto eu pensei que fosse eterno, e seria eterno tantas vezes mais. E quando chegou finalmente o amor em minha vida, eu não sabia como seria mesmo tendo esperado por tanto tempo. Mas, enquanto estava ali, era meu, porque eu sabia que era ele, aquele amor era todo pra nós dois e significava muito para eu ter alguém como Evandro pra amar porque ele me fazia sentir a pessoa mais feliz entre todas as coisas vivas na face da terra.
Chegando a minha casa, um lugar que eu sempre soube que nunca me protegeria da vida, tudo que eu queria era tomar um banho, mas eu tinha tanta coisa pra fazer, mas eu pensava sobre o que acontecera.
E pensava quem de nós decidiu que ia amar primeiro; quem de nós ofendeu alguém quando decidimos ficar juntos, quem de nós tinha a culpa pelo que sentimos; eu nunca saberei quem de nós cometeu esse pecado, esse crime, do qual éramos acusados em silêncio, e dia após dia; teríamos que lutar contra um inimigo silencioso, um inimigo que julga; que separa; um inimigo que vive no olhar dos outros.
Eu e Evandro não podíamos pagar por algo que não fizemos, não havia erro, crime o que quer que seja na nossa relação, apenas o desejo de ficar juntos, e se isso não podia ser o suficiente, isso também não podia nos trazer frio e dor, e nos tratar como se fossemos bichos, e eu estava me sentindo ainda mais forte e segura das minhas convicções.
E eu parei diante do armário e fiquei lembrando o momento em que ele foi embora, as coisas em nossa volta pareciam que estavam se chocando contra nós, e toda aquela calma de quando a gente não se importava com mais nada, nos deixou ali e se perdeu num tempo que insistia em passar e naquele instante parecia que o mundo ia se acabar.
E eu não conseguia segurar as palavras certas e nada seria mesmo suficiente para impedir que tudo fosse embora; que eu fizesse algo que trouxesse de volta o brilho nos olhos deles; mas eu olhava pro céu tentando encontrar um jeito, mas eu só conseguia segurar as minhas lágrimas diante das promessas quebradas, e ele, tristemente olhava em meus olhos como se eu soubesse o que fazer para não deixar que tudo se acabasse assim, tão cedo.






Capitulo 15

Eu tinha que ocupar minha cabeça, e comecei a pegar roupas no armário sem nem mesmo olhar, já havia uma parte onde eu sabia estarem às roupas e acessórios que eu não usava mais, e eu ia jogando tudo no chão, uma após uma e já havia uma pilha que deveria servir pra começar.
Já de no finzinho da tarde as meninas começaram a chegar, trazendo malas, e os garotos chegaram também com suas mochilas nas costas, e Evandro parecia mais solto, menos apreensivo
“Oi, Eva!”, cumprimentei-o com um selinho, eu estava apreensiva
“Relaxa. Você vai se sair bem”, ele quis me acalmar

Meu pai estava na sala com os pais de tatá, Dinha e Roseane, Cleber, do Gustavo, Pedro e do Evandro, além dos pais de Sabrina, Claudinha e Lúcia, os outros pais falaram pelo telefone porque não puderam ir lá, mas deram o apoio total, e meu pai ia falando sobre como o site seria e como nós o administraríamos depois de pronto, o que seria dois dias pra ficar pronto. E eles estavam entusiasmadíssimos e os garotos, muito mais nervosos do que nós, então fui pro meio da sala e deixei o laptop do Gustavo pra que eles vissem as fotos, os depoimentos e voltei pra falar com a rapaziada e os chamei-os a atenção.
“galera, vamos dar uma relaxada pra poder começar! Evandro trouxe as etiquetas que eu pedi e eles e os meninos vão separar e catalogar as roupas. A idéia é simples, nós vamos formar grupos e vamos ir tirando as fotos cada uma com suas roupas por causa de tamanho e tal. Temos que aprontar as fotos antes do site ficar pronto e no Orkut vamos colocar os depoimentos em vídeos e as fotos que tiramos de lá e fazer uma comunidade pra não ter que adicionar pessoas em nossos Orkuts – caso elas venham – e enquanto tiramos fotos pensem num nome pro site”, eu não conseguia ficar calma por mais que eu tentasse

As fotos começaram e todas tentando fazer o melhor, tinham dois lugares no quarto que eu escolhi e outro na saleta perto do corredor pro meninos e tudo corria melhor do que pensamos mesmo com as risadas e as brincadeiras que ficamos fazendo por causa das poses.
E eu louca de curiosidade pra ver como os meninos estavam indo, e Flavia que entre nós é a que mais gostava de fazer poses, estava dando uma acessória aos garotos e pra nós também. Gustavo faria as fotos no photoshop, e como ele mesmo disse ‘ tá na hora de ver se todo dinheiro que investi naquele curso valeu a pena’, e assim cada um de nós foi s encaixando no projeto.
Nós todas tínhamos estilos diferentes, mas sempre gostamos de estar bem vestidas, e agora com a chance de passar isso adiante, nos deixava um pouco vaidosas, o que era bom porque nós queríamos passar nas fotos exatamente isso, vestir algo e se sentir bem.
As trocas de roupas e as poses estavam deixando todas cansadas, mas ninguém queria parar e os meninos terminaram primeiro e Cleber já entrou no quarto pegando as roupas que já haviam sido fotografadas e foi catalogando os preços, e Evandro pegava as etiquetas que ele trouxe no bolso e Pedro ia organizando as roupas na minha cama e Gustavo separando-a pra serem guardadas.
Eu olhava e via uma equipe trabalhando em conjunto, e meu pai entrou e deu uma ordem que todas atendemos na hora, ir fazer um lanche que Pedro e meu pai trouxeram um mundo de dogões e refri.

Logo que recuperamos as energias, eu apanhei um caderno e anotei os nomes das meninas e meninos uma em cada página e fui anotar as roupas no caderno, e passei pro Evandro e dei outro selinho nele e escutei meu pai dizendo pro Pedro que estava feliz com a volta de Evandro a nossa casa, e olhei pra ele sempre tão sério e ele riu pra mim apontando seu dedo e balançando a cabeça, esse apoio é o que eu sempre gostei do meu pai.
Claudinha separou os acessórios e Pedro foi fotografando um a um, óculos ray-ban e fosforescentes; óculos de coração quadriculados; óculos com flores; óculos modelos wayfarer; óculos Kanye West; lacinhos pra cabelos; flores pra cabelo; arco com flores; faixinhas de cabelo, cintos finos e largos; pulseiras; brincos; colares; bolsas; sandálias rasteirinhas, salto alto.
Assim que as fotos iam ficando prontas, Gustavo passava as fotos para o seu notebook, e já criava uma pasta com elas. Marcela e tatá começaram a tirar fotos das roupas, blusas de tantas marcas e cores; shortinhos; bermudinhas; de linho; de cetim; de jeans; calças compridas; e tudo ia sendo passado pro Gustavo.

Montamos um arsenal de guerra, todos se movimentando pelo quarto, os barulhos das câmeras zumbindo nos ouvidos, flashes ardendo nos olhos, e meu quarto nunca teve tanta gente dentro dele, mas era ótimos ver os amigos ali se empenhando pra gente por essa idéia pra funcionar.
“tive uma idéia pro nome do site: Mãosdadas.com.br - o que acham?” disse Beth com seus grandes olhos verdes debruçada sob umas peças de roupas no chão
“tudo a ver, Beth! Adorei!”, e todos balançaram as cabeças aceitando o nome
“pronto a comunidade e o site já tem nome”, eu disse carregando umas peças de roupas pra colocar sob a cama
“nome e fotos prontas!”, gritou Gustavo erguendo o notebook e todos nós corremos pra ver.

As fotos ficaram sensacionais, ele rapidamente colocou as fotos dos acessórios e deu um ar mais Professional as fotos, e ainda colocou a descrição e os preços embaixo, um trabalho de arte.
“você é ótimo Gustavo!”, eu elogiei-o alisando seus ombros
“esperem pra ver as fotos de vocês, o que farei com elas. Estou cheio de planos pros meus pluggins aqui”, ele voltou a arrumar as fotos e todos nós voltamos ao trabalho

Coloquei uma musica pra que todos relaxassem, e enquanto The Drums tocava, eu pensava no mico que nós estávamos pagando porque nossas fotos sempre foram estranhas, quase sempre esquisitas as poses que fazíamos as caretas, e ria baixinho e tatá olhava pra mim e ria de volta, como s soubesse o que eu estava pensando.
“tatá, let’s GO SUFFERING”, eu troquei o SURFING da letra pelo sofrimento e nós duas começamos a rir alto.


Exaustos e com a noite já escurecida pelas horas, saímos finalmente do quarto e sentados do lado de fora e comemoramos as fotos e juntamos as mãos e as jogamos pro céu, e eu estava me sentindo viva, de fato. Meus olhos agora se voltaram para Evandro que em pé procurava disfarçar seu cansaço passando as mãos no rosto.
As meninas começaram a ir embora, e foi ficando cada vez mais vazio, até que todos foram embora. Gustavo dizendo que passaria a noite em cima do computador pra terminar todas as fotos; e a semana começaria mais movimentada e nada melhor do que uma noite de sono pra ter a disposição de encarar o dia pela manha.
Fui ate o meu armário e apanhei o livro que tinha separado pra ler de Agatha Christie e li em voz baixa como se fosse pra eu mesma escutar e li o trecho do poema ‘ amor’:

‘Dois corações juntos, duas mentes, duas almas. Duas pessoas afinadas entre si, que compartilham as mesmas metas. Dois corações juntos que agem como um. Duas pessoas juntas que querem se divertir. O número mágico... Bem... Deve ser dois

Porque com só uma pessoa, o que poderia fazer você? É amor, e é de confiança, e uma mala cheia de preocupações... Está pensando como os outros... E uma mala cheia de compartilhar.

O calor em seu coração é a sensação de orgulho de seu ego. Sim amor é como uma flor que precisa de água e iluminação, e uma mala inteira de ternura são de se mostrar direito

Sim amor pode ser especial se você dá a ele esta chance. Algumas velas, um pouco de música, que dizem... Que é romance. Está até decidido para cada indivíduo como amar

Mas se você adquire isto direito, Oh!... A alegria que traz. Sim amor é a chave, e o número é dois. Com carinho ao seu lado, não há nada que você não possa fazer. Só o amor todo do mundo, e logo você verá. Amor conquista tudo... E me leva!!!’

Não sei qual foi o motivo, mas eu comecei a chorar e enxugando as lágrimas com as mãos, eu pensei em como seria se eu tivesse lido essa poesia ontem, e chorei ainda mais. Levantei meio lentamente e sentei a frente do computador e abri meu Orkut e comecei a escrever a poesia no meu perfil, e finalizei com a palavra ‘esperança’, e voltei pra cama e me joguei sorrindo.
Eu estava morta de curiosidade pra ver as fotos como ficaram, e corri até a sala e apanhei meu celular e comecei ligando pra tatá, depois pra Dinha, e depois pro Pedro, e até chegar aonde eu queria ainda liguei pro Evandro e aproveitei pra escutar a voz dele dizendo que o meu Orkut ficara ainda mais romântico com a poesia, eu fiquei vermelha como se tivesse sido surpreendida fazendo algo de errado.
E como nem Evandro sabia de nada, eu procurei desencanar e relaxar e sai da sala indo pra cozinha e preparei o meu café da manha, e fui pra piscina, o sol estava fervendo e eu olhei pro relógio no meu pulso e ainda era menos de sete da manha e até o final do dia, eu ia torrar com certeza.
“filha, logo mais apanharei você para irmos ver como está o site, pra você ver se é do jeito que você quer que seja”, meu pai disse procurando seu lugar de sempre pra sentar e ler seu jornal enquanto toma seu café da manha
“tudo bem, papai”, respondi olhando a rua lá embaixo e vendo como há privilégios de se morar num lugar desses
“procurando alguém, meu amor?”, minha mãe estava atrás de mim e eu me assustei de verdade
“não, mamãe! Eu só estava distraída!”, eu passei as mãos no rosto e suspirei
“então tome cuidado!”, alertou ela virando-se lentamente e indo sentar-se ao lado do meu pai

Eu nem via que às hora foram levada embora, e por mais curiosa que eu estivesse, eu sabia que logo estaria saciando a minha sede, mas era preciso esperar pelo momento certo e na porta do curso ninguém ousou entrar e caminhamos até a praça e sentamos no banco, Gustavo no meio e eu e tatá cada uma ao seu lado, Evandro atrás de mim sentado no encosto do banco e Pedro ao lado dele e Roseane e Cleber abaixados na minha frente.
Quando Gustavo abriu a primeira foto, eu olhei fascinada, era uma foto de Dinha, ela calçava uma sandália de salto alto prata, um shortinho branco com elastano, uma blusa em helanca com decote em V, duas pulseiras grosas e rosas. A pose dela com uma mão aberta em baixo da cintura, uma perna esticada e a outra um pouco dobrada mais a frente, o corpo meio inclinado onde estava sua mão, e a outra mão com o polegar no cós do shortinho, a cabeça de lado e os cabelos soltos.
Gustavo fez questão de mostrar primeiro aquela foto; e Dinha fazia cara de quem não estava nem ai, que não se importava, mas podia ver o brilho nos olhos com seus olhos azuis parados na foto.
“gata, você arrasou!”, disse Roseane

As fotos estavam fascinantes e o trabalho que Gustavo fez merece um premio, as fotos estavam de primeira, a qualidades das fotos, as cores perfeitas, e a cada foto a gente comemorava e depois que acabou tudo, a gente pulou, se abraçou na praça, com as pessoas passando e nos olhando estranhamente, mas a gente estava feliz de mais pra se importar em sermos vistos como um bando de crianças brincando no parquinho.



Quando tatá viu as fotos de Pedro, ela deixou um sorriso cauteloso escapar, e olhou pra mim com vermelhidão em seu rosto, e contendo a clara vontade de falar alguma coisa sobre as fotos dele. Evandro abriu uma foto minha e foi falando como aqueles concursos antigos de carnaval que aconteciam aqui no Rio:
“entrando no salão, vem Júlia: vestindo uma blusa em chiffon na cor coral com diversas camadas de babados. Possui busto com bojo e detalhe de pregas que valorizam o colo; e um Short em jeans azul com lindo detalhe de lapela com botão frontal e passantes; no tamanho 36, e sandália de salto alto, na cor grená, com laços no peito do pé e cobrindo os dedos e ainda com largas pulseiras grenás no braço direito”, ele trepado em cima do banco ia lendo tudo que tinha escrito na foto
“e fala da pose dela Eva!”, gritou Roseane
“a pose, tudo bem... lá vai: com as suas duas mãos na cintura, os cotovelos arqueados, um pé ligeiramente à frente do outro, quase ao lado; com a perna esquerda estica e a direita levemente dobrada pra valorizar ainda mais as belas pernas dela, Júlia com seus cabelos sempre soltos, faz aquele olhar de ‘eu vou pegar você, Eva...” ele mesmo não agüentou e começou a rir
“esqueceu dos brincos, Eva!”, novamente gritou Roseane
“gata, não dá mais corda pra ele”, eu querendo tirar o laptop das mãos de Evandro disse pra Roseane entre dentes e assim que tomei o laptop procurei uma foto da Roseane e subi no banco
“Júlia, não seja vingativa!”, ela já sabia que eu falaria dela e já estava rindo
“vindo ai pra arrasar no salão, entra Roseane: vestindo uma blusa sem manga em helanca light, com detalhe de babados em lilás em volta do pescoço e dos braços e laço na cor preta que desce do coração à barriga; e uma saia em helanca light com sobreposição de renda trabalhada. Cós largo com aplicação de elástico; e com sandália de salto alto; pra variar, na cor preta e dois cordões de perolas na cor negra e os brincos em argolas discretas e pulseira fina de cor preta”, eu parei de falar e olhei e todos estavam rindo
“fala da pose, Júlia”, ela mesma pediu
“vamos lá, a pose: a mão esquerda totalmente apoiada nos quadris; e o braço direito totalmente solte ao longo do corpo; e a perna esquerda ligeiramente arqueada, dando aquela dobradinha no joelho, pra valorizar a coxa da menina; e a outra perna um pouco afastada e esticadela, ela solta seu charme com seu sorriso fatal, e seus cabelos esvoaçantes”, eu respirei fundo e soltei uma gargalhada e desci do banco e fui abraçá-la
“sua barata, morde e depois assopra!”, ela tentava não rir
“você que começou; gata!”, eu abraçava e ela tirava o meu braço fazendo beicinho e correndo de mim rindo
“volte aqui, Roseane!”, eu fui atrás dela rindo
“tô de mal de você, Júlia!”, ela parou e abriu os braços e eu a abracei, mas ela ficou puxando os meus cabelos e rindo, duas loucas, com certeza.



“vocês duas parem de brigar ai e vamos ver o que temos pra fazer logo mais!”, tatá interferiu na falsa briga e nos separou entrando entre nós duas
“tudo bem, me solta, mas eu vou pegar essa garota lá fora!”, eu disse cerrando os dentes
“Acorda! Nós já estamos ‘lá fora, Júlia’, acabamos de matar aula!”, lembrou tatá
“é mesmo, esqueci desse detalhe, então, eu vou pegar essa garota agora”, eu voltei a correr atrás da Roseane
“vocês duas querem parar com isso!”, berrou tatá
“me deixa bater nela só um pouquinha, tatá, por favor, deixa?”, eu alisar os cabelos de Roseane com uma expressão maquiavélica
“Dinha! Me ajuda aqui com essas duas antes que eu rode a minha baiana!”, tatá parecia cada vez mais se distanciar daquela sombra depressiva que a cercava e a oprimia
“tudo bem, eu paro!” eu estiquei a mão na direção de Roseane “paz, amiga?”, perguntei séria
“paz! ET... phone... home!”, Roseane falou imitando a voz do ET e esticou seu dedo pra mim como o bichinho fez no filme e ficou impossível não dar uma gargalhada

Há muito tempo eu não se lembrava desse filme, e nem das lágrimas que eu deixei na sala do cinema quando eu tinha 10 anos e meu pai me levou pra ver o festival de reprises que aconteceu o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), além de ET passou ainda ‘de volta pro futuro’, ‘ghost – do outro lado da vida’ e ‘curtindo a vida adoidado’.
Foram quatro filmes que meu pai fez questão que eu visse numa sala de cinema, ele dizia que esses filmes só valiam a pena serem vistos com no cinema e com todos os lugares ocupados, ele tinha razão quando em cenas que eu achava que eu estava pagando mico chorando, eu olhava e vi as outras pessoas chorando também, o ET é tão bonitinho.
“Júlia!”, a voz distante de tatá me trouxe de volta a realidade
“eu viajei agora lembrando quando fui assistir ao ET com meu pai, e tatá, eu confesso que chorei em muitas partes do filme e ainda bem que ninguém que eu conhecia estava lá naquele dia”, olhei com o canto dos olhos pra ver se ela ia rir de mim
“você se esqueceu de que eu estava lá com vocês?, ela fez uma expressão um pouco frustrada
“é mesmo, tatá! Nós estávamos juntas, cara!”, eu esquivei-me do olhar que ela me lançara

Era verdade, tatá sempre estivera ao meu lado nos fatos mais marcantes da minha vida, ela sempre tímida, calada, mas sempre presente e sempre muito importante. E um pouco de culpa caiu sob meus ombros por não ter lembrado que ela estava ao meu lado naquele dia e abaixei meus olhos em sinal de reprovação ao meu lapso de memória e fiquei olhando pro meus pés, e sem coragem de olhar no rosto de tatá pra não ver a decepção nos olhos dela.


Antigamente costumava ser tão fácil mentir, mas agora crescida mentir doía muito mais que um tapa na cara, e o que costumava ser fácil agora eu não tinha a coragem de tentar, e levantei o rosto e pedi desculpas por minha falha. Tatá riu e disse que eu estava ficando velha, que era normal, e me deu um olhar de cumplicidade.
“Lembra que você se levantou e gritou pro ET se esconder quando os agentes chegaram? Esse foi o maior mico daquele dia”, lembrou tatá com certa expectativa no olhar de que eu pudesse ter me esquecido dessa lastimável cena
“isso eu queria ter esquecido, tatá”, mordi os lábios e fechei os olhos
“Relaxa. Você só tinha dez aninhos, cara!”, ela franziu a testa e olhou meu rosto com cuidado
“mico é mico com qualquer idade”, eu lancei meu olhar de ‘to zangada’ pra tatá
“não me olhe assim, cara. Foi você quem esqueceu que eu estava com vocês dois no cinema naquele dia”, disfarçou tatá retomando a conversa ao inicio
“as duas cumadres vão ficar ai o dia todo tricotando”, perguntou Gustavo cruzando os braços e em tom de bronca
“Não encha, garoto ou sobra pra você”, disse tatá imitando uma expressão de poucos amigos e colocando suas mãos na cintura
“sobra o que pra mim? Me mostra...!”, ele descruzou seus braços e ficou com cara de quem espera levar um soco de m pugilista e quando tatá foi cruzando o espaço que os separava, Pedro entrou correndo entre os dois e abraçou-a segurando-a firme em seus braços
“Corra, Gustavo, corra! Salve a sua vida e diga a todos que eu tive uma vida feliz!”, eu fiquei vendo os dois abraçados, e mordi os meus lábios de êxtase
“eu não vou te abandonar meu amigo!”, Gustavo fez que estava em câmera lenta e levou quase um minuto pra dar um passo
“Se liga, até você chegar lá seu amigo já vai estar morto”, disse Cleber sem perceber a real intenção de Gustavo que era deixá-los lá abraçados por mais tempo que pudessem
“eu sei, mas é que a Diretora Dinha disse que eu só vou salvá-lo se eu deixá-lo nos braços de tatá por mais tempo”, ele falava com a voz como se ela estivesse em câmera lenta também
“eu não disse nada, caramba!”, a voz de Dinha cortou o som estranho que Gustavo fazia com a boca enquanto continuava andando em câmera lenta

Como estávamos todos matando aula e não podíamos ir embora, ficamos na praça fazendo hora pro tempo passar e voltamos a nossa recente infância e esquecemos um pouco a responsabilidade de sermos adultos. Brincamos de pique - esconde; bandeirinha; e de pêra, uva, maça ou salada mista.
E como acontece sempre nessa última brincadeira, os roubos pra que alguém se beijasse não podem deixar de faltar, e logo no inicio a brincadeira teve fim.





Eu comecei com Pedro e deixando-o ver por entre os meus dedos levemente abertos, quando tatá estava na sua mira, veio a pergunta fatídica: pêra, uva, maça ou salada mista, mas ele não escolheu o beijo e sim a pêra, e apenas apertou a mão de tatá olhando dentro de seus olhos como se dissesse que não beijou porque não quis.
Deixando todos enraivecidos porque tatá nem esboçou reação quando ele a escolheu e a pergunta foi feita, e todos nós vibramos antes dele escolher ‘salada mista’ e pro fim, poder beijá-la, como ela mesmo havia se preparado.
Ninguém entendeu a reação dele que ao contrario de Cleber que mesmo sem ver onde havia parado escolheu salada mista e deu um beijo em Dinha para desespero de Roseane, mesmo tendo sido um selinho e para o meu próprio quando já na décima - quarta rodada após trocar de lugar com Dinha, e eu ter ido pra fila perfilada e Evandro ter seus olhos tapados pelas mãos de Dinha, e quando chegou à Roseane, o escutei dizer ‘salada mista’ e quando Dinha tirou a sua mão dos olhos dele, a expressão de surpresa que ele fez foi até engraçada.
E eu tive que vê-lo beijar Roseane na boca sob assovio da galera, e o que se seguiu foram tantos selinhos e o melhor deles foi quando Evandro enganou o Gustavo e o fez dar um selinho em Cleber
“beija, beija, beija”, todos nós juntos fizemos um coro; ritmados com palmas
“fala sério, galera!”, resmungou Gustavo
“tem que beijar!”, disse Evandro o empurrando pra cima de Cleber e os dois deram um selinho e rimos tanto que eu tive que me sentar no chão por não me agüentar em pé porque Pedro os fotografou na hora do selinho
Dinha trocou de lugar com Evandro e eu fui pra brincadeira e ela não conseguiu me enganar e ela não desistiu quando pegou Roseane e sussurrou algo em seu ouvido e Roseane disse em tom alto ‘salada mista’, com Dinha apontando pra mim morrendo de rir
“beija, beija, beija!”, agora era a vez de a turma soltar os gritos e assobios e eu ficar com cara de tacho e preparei pra dar um selinho em Roseane e quando aproximei meu rosto dela, ela colocou as suas mãos em meu rosto e o segurou com força e me beijou na boca
“que nojo, essa maluca me beijou na boca!”, eu disse passando a mão na boca e cuspindo no chão e Roseane morrendo de rir, foi até a Dinha e bateram as mãos
“tirou a foto Pedro?”, perguntou Dinha olhando pra mim com um ar de vitoriosa e eu comecei a rir sem parar quando Pedro mostrou a foto na sua maquina
“olha só, eu fui beijada na boca por uma lésbica que ainda não saiu do armário, vi Gustavo beijar o Cleber, vi o Cleber Beijar a Dinha, vi o Evandro beijar a Roseane, mas não vou sair daqui sem ver Pedro beijar a tatá!” e puxei o coro de beija, beija, beija e todos assoviaram e me acompanharam no corinho e finalmente eles se beijaram num selinho mais demorado, mas com uma foto tirada por Dinha pra que nunca s esqueçam

Deixamos as brincadeiras de lado e nos preparamos para ir embora, e todos, absolutamente todos estávamos felizes, relaxados e preparados pra retomar ao projeto de nossas vidas.


Capitulo 16

Em casa com as meninas planejamos o que seria feito pra que começássemos a ver se teríamos resultado com a nossa idéia. Sentadas ao meu lado estavam Roseane, tatá e Dinha, apreensivas e segurando a curiosidade, as expressões compostas.
“vamos fazer a comunidade primeiro ou colocar os vídeos e as fotos antes, valeu?”, eu sabia que era evidente colocar tudo em nossos Orkuts antes, mas não queria que dúvidas pairassem sob a minha cabeça
“gata, vamos às fotos e vídeos”, o olhar de tatá alcançou os meus com a mesma
cumplicidade de sempre
“as meninas estão esperando o aviso pra colocarem as fotos e vídeos depois que você colocar no seu Orkut”, Dinha lembrou o nosso combinado
“valeu! Então eu farei assim: eu faço agora e vocês fazem nos seus”, e comecei a publicar os vídeos no youtube já compactados pelo Gustavo e enquanto eles iam entrando na rede, abri meu Orkut e no perfil coloquei o aviso do bazar que faríamos pra recolher fundos pra ajudar o pessoal menos favorecidos da favela, e que as fotos com as roupas, acessórios e preço estariam no site maosdadas.com.br que estaria no ar amanha e fui adicionando as fotos dos moradores da favela com os trechos de seus depoimentos
“Caraca! Essa foi está incrível dessa senhora com esse sorrisão no rosto”, Dinha falava fascinada
“Eu gostei da expressão tranquila quando ela falava”, eu lembrei o modo como ela falava pausadamente e sorri
“Olha essa foto!”, Roseane apontou a foto com um sorriso pueril no rosto e eu fui adicionando foto a foto e quando todas estavam postadas, voltei ao youtube e colei o endereço do primeiro vídeo e postei-o no Orkut e mais um e mais outro e todos estavam na minha página
“pronto! Primeira tarefa está feita e agora a segunda: avisar as meninas enquanto vocês postem tudo nos seus Orkuts”, eu saí do lugar em que estava sentada e comecei a ligar pras outras meninas, e eu andava de um lado pro outro, nervosa
“Júlia, já tem alguns comentários em algumas fotos”, disse tatá mostrando um sorriso tão límpido e raro
“leia, tatá, por favor!”, eu pedi quase implorando e sentado em cima da cama com as pernas cruzadas
“que foto marcante! – esse é o primeiro comentário”, ela leu com a voz emocionada
“quem fez o comentário?”, eu quis saber
“Foi a Nelinha, aquela garota que mora em Ipanema que fomos ao aniversario dela de quinze anos, no ano passado, sabe quem é?”, ele reforçou o sorriso no rosto como se eu fosse precisar lembrar com a ajuda dela
“sei sim, ela é uma fofa! E o que mais tem de comentários?”, eu falava com tatá e ao mesmo tempo enviava mensagens pras meninas
“Essa senhora me fez chorar – esse comentário foi daquela garota que te chamou de fresca lá no Tênis”. O rosto de tatá ficou pálido achando que eu fosse me aborrecer
“legal, isso mostra que aquela coisa tem coração”, eu falei olhando pro celular sem mostrar indiferença ao fato de ser uma menina que tinha brigado comigo e eu nem me lembrava dela no meu Orkut
“tem mais outros chegando, esse aqui está lindo – eu não sabia que tinha pessoas com talento assim vivendo numa favela – a garota que escreveu esse comentário na foto daquelas oito meninas tocando violinos, é aquela toda fresquinha que só fala de Paris em seu Orkut”, disse tatá novamente com a voz emocionada
“Caraca, essa garota é insuportável com essa obsessão dela por Paris! Eu até passei a escutar aquela banda ‘friendly fires com aquela musica chamada ‘Paris’, de tanto ela me enviar o vídeo! E Não é essa que chamamos de ‘cheirosa’ no MSN”, eu levantei os olhos e descruzei as pernas e fiquei sentada nos meus calcanhares
“é ela mesmo, Júlia, a cheirosa!”, um pouco de brilho no rosto de tatá tirou um pouco o ar triste de seus olhos
“mais algum comentário?”, mudei o tom da minha voz como se fosse locutora de telejornal
“só na foto daquele garotinho com a praça cheia de crianças brincando ao fundo, já tem mais de quarenta comentários, Júlia”, a voz dela agora tinha vida, força, e ela parecia estar radiante
“nossa! O que está escrito nela machuca a gente de verdade. Ah, leia uns ai, tatá!”, eu fiquei sentindo uma pontada de orgulho descendo por minha garganta
“vou ler os que mais chamam atenção – é tão bom ver crianças vivendo como crianças, obrigado por mostrar isso, Júlia – esse comentário é da tia da Beth”, aquele tom embargado de tatá já mostrava como nós estávamos
“que fofa!”, eu não conseguia falar muito
“e esse aqui ô – Júlia, você está dando um choque de realidade na gente, menina – esse comentário é da Dessa, a prima da Isah”, tatá já não segurava as lágrimas, alias nenhuma de nós
“isso está tirando um peso dos meus ombros, eu achei que fossem ignorar”, enxuguei os meus olhos com a ponta do lençol
“ignorar? Escuta isso, mais de dez meninas escreveram em depoimentos que vão tirar fotos com algumas roupas e acessórios e mandar pra sua casa amanha de manha pra você colocar no bazar”, ficou impossível de que alguma de nós pudesse ter controle do que estávamos sentindo naquele segundo, então choramos abertamente, sem nenhum pudor
“melhor que vocês postem logos os vídeos e as fotos em seus Orkuts, tipo, e depois a gente volta a ler mais um pouco”, eu estava tremendo tanto que mal conseguia escrever as mensagens no celular
“tá, Júlia”, tatá disse baixinho
“e eu quero mostrar pro meu pai antes de sair com ele essas coisas toda no Orkut”, eu me enchi de coragem pra enfrentar tudo com a cabeça erguida e com a cara e coragem.




Se eu estava procurando por uma direção parece que ela acabou de me atropelar porque eu me sentia atingida em cheio; meu corpo estava quebrando as correntes que nos prende ao chão; e eu por tão pouca vez pude sentir meu corpo flutuar e se afastar milhas e milhas de distancia; subindo ao céu.
Na sala eu escutei meu pai chegar, e saindo do banho mal coloquei um vestido por cima do meu corpo ainda molhado e eu saí batendo a porta do meu quarto aos pulos e berros chamando pelo nome do meu pai, como se eu tivesse passado de ano ou descoberto a cura pro câncer.
“Putz, que susto, Júlia! O que foi menina? Pra que essa sangria desatada?”, ele me olhava espantado largando a maleta no chão
“colocamos os vídeos e fotos no Orkut?”, eu fiquei esfregando as mãos e esperando acontecer alguma coisa
“então me conta, como foram as respostas?, ele também estava curioso elo resultado
“as melhores possíveis, papai! As meninas estavam aqui e a gente já chorou pra caramba. Eu quero que o senhor veja aqui”, eu peguei na mão dele e sai em disparada pro meu quarto e se tinha alguma coisa que me deixava segura era estar com meu pai em momentos assim
“vamos ver isso porque eu passei o dia pensando nisso e devo ter colocado silicones em ombros, com tanta falta de atenção que eu estava”, ele brincou e sentou na minha cadeira e eu me joguei no colo dele e encostei as minhas costas em seu peito e procurei me acomodar e quando eu mostrei a página com as fotos, e não havia uma foto com menos de vinte comentários
“minha filha, quantos comentários, abra essa foto aqui”, disse ele esticando por cima do meu ombro e apontando a foto do garoto com as crianças atrás brincando
“essa foto é a que mais tá bombando”, eu virei e falei olhando os olhos do meu se tornarem água diante do que via e lia naquela foto – agora eu posso brincar com meus amiguinhos sem um homem mal bater em nós com a arma dele – eu achei que eu já tinha chorado tudo, mas as lágrimas voltaram aos meus olhos e fiquei soluçando amparada pelo meu pai.
“essas coisas atingem a gente, mesmo quando pensamos que estamos preparados”, ele colocou a mão no meu braço e abaixou seus olhos firmes e eu tentei me virar pra abraçá-lo procurando abrigo e coloquei as duas pernas por cima do braço da cadeira e fiquei deitada em seu colo soluçando
“eu estou com medo, papai!”, falei entre os soluços
“do que tem medo minha filha?”, ele afastou os cabelos do meu rosto como uma mão enquanto me segurava com a outra
“de não poder ajudar essa gente toda. De não dar certo o que queremos fazer...”, os soluços aumentaram
“você só um meio de saber, e pra isso acontecer, você vai ter que tentar. Colocar a sua cara a tapa, minha filha!”, a mão dele passava nos meus cabelos e desciam pelos meus ombros e iam até a minha mão e eu quase adormeci me sentindo protegida
“Júlia, não vá dormir! Temos que sair”, ele me deu umas sacudidas pelo braço pra eu despertar
“já estou melhor! Fique vendo ai às fotos e os vídeos que eu vou ao closet me arrumar e já venho”, passei e fechei a porta e fui escolher uma roupa leve pra sair
“não demore Júlia!”, ouvi a voz vinda lá do quarto e percebi como era grande o meu quarto e como eu era tão pequena. Demorei muito menos do que eu demorava, e ainda me maquiei e sequei os cabelos, e meu pai ainda via os vídeos, e eu parei na porta do closet e fiquei olhando pra ele todo emocionado, com seus olhos vermelhos, e eu tive a certeza d que eu tinha puxado ao meu pai.
Minha mãe é mais razão e meu pai é mais coração, mas na minha mãe eu reconheço a força que ela tem a disposição de enfrentar tudo de frente, de tomar as rédeas da vida dela, isso me orgulhava dela.


No caminho até a casa do amigo do papai, que mora na Urca, nós seguimos em silêncio no carro, e então peguei meu Ipod e coloquei os fones no ouvido e encostei a cabeça no banco e fiquei olhando as coisas passarem pela janela. Meu pai dirigindo fica sempre muito calado, ele diz que um segundo de distração pode trazer anos de sofrimento, e sempre fica calado.
Então eu recorro às musicas e as imagens em movimentos das pessoas, de prédios, casas, e de tudo que tem lá fora, depois da janela do carro. Chegamos à casa do amigo de meu pai, e ele era um homem interessante, devia ter uns 35 anos, diferente dos amigos médicos todos mais velhos que meu pai, e todos tinham cara de médicos, e esse não, ele não tinha cara de nada, ele podia ser tudo.
Ele tinha um ar de desdenho puro, um ar de deboche, cabelos alinhados, bem cortados, mas com a barba por fazer, e mãos firmes, senti quando ele apertou minha mão, e seu olhar era forte; maduro; másculo; e seu corpo fervilhava dentro da camiseta justa. Forcei a mente e lembrei onde eu tinha visto alguém parecido, foi no Wolverine, e ele se parecia muito com aquele ator.
Quando sentei eu sentei-me ao lado dele, eu estava me sentindo dispersa, longe desde cedo, eu estava ali e pensando que deveria ter colocado outra roupa e não aquela que havia vestido. Achava melhor ter colocado um vestido porque estava muito quente, eu me sentia em chamas subindo pelo corpo, e não conseguia ficar com as pernas paradas. E já estava nervosa de ficar sentindo tanto calor daquele jeito, a boca seca, a garganta seca, suor nas mãos e testa, e eu tinha que me concentrar e deixei o ambiente de lado e prestei atenção no que tinha valor real.

“antes de mostrar como ficou, quero te dar algo, Júlia”, ele se levantou e eu me senti menos incomodada quando ele saiu do meu lado
“minha filha tem 14 anos, e eu estava comentando sobre a sua idéia com a minha esposa ontem à noite e ela escutou a conversa lá do quarto dela, e hoje pela manha ela pediu que eu lhe desse isso”, ele me deu uma mochila cheia e eu quando abri vi algumas peças de roupas, e óculos, cintos, pulseiras e um Cd numa caixa
“preciso agradecê-la! como ela se chama? Vou colocar o nome dela no site como uma das colaboradoras”, eu levantei os olhos e os abaixei pra que ele não visse que eles estavam cheios de lágrimas
“Fátima... Fátima Borges... ela disse que vai contar as amigas dela sobre isso!”, ele disse orgulhoso da filha
“eu vou voltar aqui pra agradecê-la pessoalmente por isso! Que fofa!”, eu fechei a mochila mais confiante do que eu tinha ido fazer ali
“viu, minha filha, como o caminho é esse?”, meu pai também estava com os olhos vermelhos
“vamos ver o site?”, perguntou o amigo do meu pai que eu nem tinha feito nenhum esforço pra guardar o nome e tentada lembrar a todo custo, e só conseguia ficar ainda mais envergonhada na presença dele
“vamos sim, eu estou morta de curiosidade pra ver como é”, tirei a mochila do meu colo e coloquei-a no chão e me ajeitei na cadeira e era a primeira vez que eu não tinha o controle do que eu sentia
“olha só, aqui vão entrar as fotos e tudo poderá ser visto num tamanho normal clicando nas fotos menores, e toda descrição do produto poderá ser lida tanto nas fotos menores como nas maiores. E levando pro carrinho vai abrir as opções de pagamentos, os cartões, e tudo mais e nesse espaço aqui, vai entrar os vídeos com os depoimentos...”, ele ia apontando falando, mostrando e eu anotando tudo mentalmente
“filha se você quer mudar alguma coisa essa é a hora de falar”, alertou meu pai
“está perfeito, as cores, tudo... eu só quero colocar uma estação de radio aqui em cima no topo”, apontei no site o local onde o radio ficaria
“então quando você chegar na sua casa tudo já estará pronto, o servidor vai te passar toda manutenção do site e você vai ter a liberdade de mudar tudo nele sempre que quiser, fotos, vídeos, comentários”, ele explicava como um professor explica
“beleza”, de repente eu não conseguia falar muito e logo eu sem palavras, mas na verdade, eu começara a pensar em começar a fazer o site ter conteúdo
“se precisar de ajuda, estarei aqui, Júlia”, ele voltou a apertar a minha mão e eu senti aquela força da mão dele pressionando a minha mais uma vez
“pode deixar, qualquer coisa eu falo com você, e obrigada pelas roupas, dá um beijo na sua filha por mim e diga que amei o que ela fez, de coração”, agora eu ainda segurando a mão dele não conseguia parar de falar e soltando a minha mão ele tirou um papel do seu bolso e passou pra mim e tinha uma senha pra eu entrar no site pra postar as fotos, textos e vídeos.


Minha cabeça parecia um aeroporto onde a idéias decolavam e aterrissavam, as meninas agrupadas pelo quarto, falando aos seus celulares, os meninos sentados ao redor de seus laptops, e todos falando ao mesmo tempo, uma confusão só. O bazar estava pronto, o site carregado de roupas pra vender, o carro-forte do site, não eram as roupas, os acessórios, e sim, os vídeos-depoimento; porque nós só colocamos apenas uns quatro no Orkut.
Deixamos pro site os que achamos melhores, como o do garotinho na praça, e alguns outros que achamos que aqui faria mais efeito, e essa era a esperança que depositávamos. As meninas e os meninos trouxeram os seus laptops, e monitoravam o site e falavam pelos celulares e minha mãe monitorava a gente, e ela chegou a dizer que parecíamos correspondente de guerra, e era mesmo uma guerra que travávamos contra os nossos nervos.
“Júlia, as roupas começaram a serem vendidas”, gritou Gustavo erguendo uma mão para o alto e apontando como se apontasse aos céus
“Onde Gustavo você viu isso?” eu perguntei cuidadosamente
“vá até ‘compras no carrinho’, Júlia!”, ele falou com calma na voz
“Júlia, você precisa ver o teu Orkut com urgência, gata!”, a voz de Roseane tinha uma urgência desesperadora
“O que há nele?”, eu estava vendo as roupas na compra
“Uma chuva de pedidos do site”. Ela estava perdendo a cor em seu rosto
“gata, calma! Respira e entre ai e vá direcionando essa gente”, de longe eu tentei mostrar paciência pra ela
“Cara, tem um batalhão na espera aqui! Vou mandá-los toso pro site, vou jogar o link pra cada um deles”, disse Dinha toda feliz erguendo os braços
“parecem formigas saindo da terra. Uns estão avisando os outros do site”, tatá falava olhando a tela do laptop quase o deixando cair de tanto que tremia
“alguém chama meu pai aqui, por favor,”, eu não conseguia parar de tremer e fiquei segurando uma mão de Evandro que fazia com gestos e olhares pra que eu ficasse mais calma
“eu vou lá buscar o Dr. Arnaldo e assim ele me diz que é que vai aparecer turbinada essa semana”, Cleber levantou-se e pulando tatá ele chegou até a porta e saiu

Meu pai chegou da porta do quarto e deu um sorriso largo, e entrou pulando tatá e se abaixando ao meu lado. Eu estava seis metros de distancia dele dentro do campo de visão que estava naquele instante, e parecia que eu tinha diminuído de tamanho
“filha! está acontecendo?”, ele disse baixinho
“sim, e em menos de seis horas no ar, o bazar já está cheio de avisos de ‘esgotado’ para tudo que quanto é lado”, minha voz não conseguia sair uniforme da minha garganta
“Isso justifica tudo, Júlia! – gente vocês estão de parabéns pela bela iniciativa –“, meu pai ficou de pé e todos pararam de falar pra escutá-lo e eu sentada olhava pra cima e o vi grande, gigante, poderoso, forte e indestrutível, meu melhor super-herói com certeza
“pai, e agora?”, eu tinha que perguntar porque minha cabeça desorganizara todo pensamento
“todo volume das vendas vão pra conta e tudo está disponível no banco e você pode sacar quando quiser”, ele sabia que eu estava falando do dinheiro e nem precisei mencionar
“tem compras de quase todo país, Minas e são Paulo e estão encabeçando a lista, depois vem o sul e nordeste emparelhados, o centro-oeste está começando a aparecer forte também”, Gustavo tinha um controle melhor do que todos ali no quarto
“estamos bombando!”, gritei e meu coração parecia que ia sair pela boca
“isso é só o começo! Pela quantidade de pessoas que entrou na comunidade depois que o site entrou no ar”, novamente Gustavo passando as informações que a gente nem estava ciente direito
“quantas pessoas tinha antes do site entrar no ar?”, tatá perguntou
“tinha duzentas e poucas pessoas e agora já são... segurem-se: mais de CENTO E QUARENTA MIL PESSOAS”, Gustavo soltou um UHULL tão alto
“cento e quarenta mil pessoas, como é possível tanta gente tão rápido assim?”, eu fiquei segurando e apertando tão fortemente a mão do Evandro contra o meu coração
“é que a Beth, a Flavia e a Claudinha puseram os vídeos no youtube e Sabrina e Lúcia nas redes sociais Facebook e Myspace e os vídeos no youtube já passaram de duzentas mil visitas
“não entendo, eu também coloquei os vídeos no youtube”, minha voz continha uma cruel decepção
“é, mas você deu o nome de algum vídeo assim – Juliana Paes nua na favela”, Gustavo caiu na gargalhada
“essas garotas são demais...”, tatá riu
“espertas mesmo”, emendou Pedro
“que se dane! Eu quero mais é que o mundo acabe em purpurina pra eu morrer colorido”, disse Cleber fazendo todo olharem pra ele
“depois de me beijar na boca, você mete essa! Purpurina, brother?”, Gustavo ficou com cara de deboche pra gente e rimos novamente
“nossas roupas vão viajar pelo Brasil afora, gente!”, Roseane falou como se apenas agora ela caísse em si sobre as vendas
“é vai ter gente vestida de maluquete por todo país!”, disse Cleber levando um tapa no braço de Roseane
“por que você me bateu, amor?”, ele ficou alisando o braço no local que levou um tapa de leve
“não sei quem você xingou de maluquete, mas já bati antes”, ela ficou com a mão erguida como se ameaçasse bater de novo
“foi um ‘maluquete’ carinhoso, amor, venha cá, venha!”, ele a puxou pelo braço e deu um beijo leve no rosto de Roseane que desamarrou a tromba
“gente, comecem a avisar nas suas casas porque todos vocês vão dormir aqui hoje, e principalmente você Gustavo porque amanha chegará muitas roupas pelo visto e tem que avisar as meninas pra vir também”, era a finalização de uma idéia que começou naquele dia na favela e agora ela se tornara real.

Passado todo nervoso do dia do bazar, dois meses haviam ficado pra trás e os benéficos aplicados com as vendas das vendas; era claramente vistos nos vídeos que fazíamos na favela e postávamos no site maosdadas.com.br e o sucesso do bazar que agora recebia roupas de meninas e meninos de todo Brasil. Meu pai alugou uma loja onde colocávamos as doações que recebíamos, e mantinha na loja doze adolescentes da favela,do morro da Babilônia trabalhando, além de Gustavo e Pedro. E não parava de entrar recursos pra alimentação e construções de casas na favela.



Os vídeos recentes que usamos no site faziam que muitos deixassem comentários e os mais visitados foram esses três de um morador, e de um soldado da PM e de um Oficial da PM.


O porteiro José Pereira da Silva, 32 anos, aproveitou o domingo para brincar com os filhos na pracinha aos pés da favela. A cena era impossível antes da ocupação policial. Ali funcionava uma cracolância. “Hoje nossa vida está mais tranquila”, disse.

Os soldados receberam uma orientação de relacionamento comunitário: entender as pessoas que vivem numa área carente ao lado de uma área privilegiada. Esses policiais vivenciam um novo momento, uma nova perspectiva na polícia. Primeiro, porque vão trabalhar numa comunidade pacificada. “Eles são os agentes da tranquilidade”, disse um policial a nossa visita à favela.

Comandante da UPP, capitão Leonardo Nogueira, 32 anos, se reúne hoje com a tropa para passar instruções. Há trezentos dias ele circula pela comunidade, bate de porta em porta e conversa com moradores que, segundo ele, estão sendo receptivos.

“Estamos lá para garantir os direitos civis das pessoas e o fim do fuzil nas mãos de bandidos. Vamos usar a força de vontade e a disposição dos policiais mais novos para estabelecer um bom laço com a comunidade. Esse foi um ponto que me surpreendeu: eles estão nos ajudando muito com informações”, disse o oficial encarregado da gestão na favela.


Depois de ver e escutá-los mais uma vez e deixar a alegria tomar conta de mim, peguei Evandro pelo braço e o levei pra fora e quis ficar sozinho com ele, sentir o corpo dele pressionar o meu e eu começar a perder o fôlego, eu queria namorar um pouco depois de tanto corre-corre e perrengue pra que tudo ficasse pronto.
Evandro ficou impassível diante das minhas mãos curiosas, e gentilmente foi fazendo com que minhas mãos chegassem até o seu peito, e olhando firmemente, ele ficou ali, seguro e capaz de me mostrar com um olhar que eu tinha que ter calma e que toda a vida que ainda tínhamos pra viver, estava apenas começando.
Um amor feito sobre cuidados e carinho, com a certeza de que nada mais tivesse a força para nos afastar, verdades, covardias, diferenças, tudo isso ficara pra trás depois que os nossos corações decidiram ficar juntos para todo o sempre, e sua boca tocou na minha num beijo cúmplice e apaixonado.


FIM










































































































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