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cronicas-->KITSCH -- 24/07/2006 - 14:32 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Terceira crónica da série*)

3

KITSCH

Ando nú pela sala para enganar o calor. O barulho eu vem de longe não é do vento, é dos automóveis enlouquecidos. Cães ladram à distància e o rádio toca a mesma música, por horas a fio, com letras variadas, mas que dizem a mesma coisa. São salsas e merengues, para um povo que dança até quando faz compras no supermercado. Levam radiolas nos ombros. A música é sempre a mesma, com uma voz esganiçada dialogando com um coro feminino, uma orquestra metálica marcada pela percussão. O tempo todo. Variações sobre um mesmo tema. Sensuais, provocantes, seriam ingênuas se não fossem tão lascivas. Os aficionados percebem as diferenças de ritmo, os contrapontos do cantor e seu coro, nas orientações para a coreografia. Há povos que dançam com os calcanhares como os espanhóis. Que seria dos ritmos gringos sem os joelhos? E as nádegas que papel desempenham no samba? Os ombros são fundamentais para os cubanos mas aqui o predomínio é dos quadris.
(Haveria que prosseguir o exercício e buscar as funções do umbigo, dos dedos, das virilhas, dos braços e das mãos!)
Um sábado de calmaria. Andei pelas vizinhanças como quem delimita suas fronteiras, reconhecendo limites. Buscando similaridades e diferenças.
Nem triste, nem feliz. Apenas à toa. No supermercado as mercadorias exibem-se com extrema malícia. Vendem fantasia, conforto, vaidade e principalmente inutilidades e status. Comprar é vício além do necessário. As ofertas antecipam falsos desejos. Mulheres saem carregadas de sacolas e o prazer deve ser maior em adquirir do que em consumir. O supérfluo custa mais caro que o útil. E tem que ser. Novidades aguçam a curiosidade das pessoas. Nas lojas são exuberantes, em casa acabam esquecidas. Que importa? Foi barato.
Deve haver uma engenharia de vendas que precipita o cliente em um cenário de ilusões, para seu orgasmo exclusivo. O self service é a realização definitiva do capitalismo. Como conceber a democracia sem os e as liquidações?!!!
Só eu não me deixo seduzir pela breguice de uma porcelana made in Taiwan, cópia da cópia de outra cópia, mas parece legítima. Tem também um relógio em forma de coração made in Korea e um suporte para abajur com um ramalhete de flores de plástico aprisionado no acrílico. Melhor só dois: um de cada lado da cama, para um corpo obeso delirando com sua grandeza.
Relógios antigos feitos de plástico, cristo feito de vidro e um fantástico e imenso rádio no formato de uma nave espacial. Ou será uma arca? Vai tocar depois a mesmíssima música, todo o tempo.
Volto de mãos vazias.

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Próxima crónica da série: (4) NO MERCADO
Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO.

Iremos publicando as cronicas que vão constituir uma espécie de romance, paulatinamente.Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".



Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico. Brasília: Asefe, 1996. 115 p.
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