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Contos-->A DAMA DO METRÔ -- 10/02/2010 - 13:17 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ravenala não se apresentava como proprietária da loja na Av. Rio Branco.Procurava passar a imagem de uma atendente atenciosa, dedicada e gentil. Inevitavelmente, recebia galanteios de grande parte da freguesia masculina. Mas quando a conversa tomava rumo diferente da venda de peças, pedia licença para atender outro freguês...

Muitos deles retornavam nos dias seguintes, sob o falso pretexto de fazer levantamento de preços e compravam alguma coisa barata de que não necessitavam. Tudo para ver aquela encantadora balconista, repetir a mesma frase, jogando beijos: ”volte sempre...”

Bocão! — ruminava um mancebo — aqueles dentes brancos, alvinhos, alvinhos... o batom vermelho de seus lábios...aquelas mãos delicadas a lhe entregarem pequenas peças de computador: Potranca! Vou casar com essa mulher— dizia para si mesmo.

Solteira, um par de ancas bem delineadas, pensava em ter casa, marido, filhos, enfim, um lar. Mas queria que tudo isso acontecesse de modo simples e que sua situação econômica, relativamente estável, não fosse a causa para atrair um bom parceiro.

Antes, ela achava que a vida era uma eterna mesmice de dormir e acordar. Uma rotina, um caminho que não levava a lugar nenhum. Agora não! Via uma janela escancarada para o mundo e diante de seus olhos, uma grande tela: a vida pintada com estilo e arte...

Todo dia pegava o metrô no Largo do Machado e descia na Estação Carioca. Via pessoas apressadas, outras, numa lentidão de causar tédio... Rostos de diversas feições fervilhando na rua como formigas em enorme formigueiro.

Logo que começou seu negócio, a família fez grande objeção.... Com o decorrer do tempo, tudo se acomodou nos devidos lugares: o apartamento no Aterro do Flamengo, o carro importado na garagem... um pé-de-meia feito com técnica baseada num provérbio chinês: ”quer ser comerciante? Aprenda primeiro a sorrir!”

Sua luta contra o calendário era constante: no virar de cada página, ia-se um mês, ia-se mais um ano... a idade avançava. Trinta anos... ainda solteira.

Não alimentava sonhos de princesa. Queria um casamento simples, poucos convidados. Queria encontrar um príncipe mesmo sem castelo...um príncipe para sonhar eternamente os mesmos sonhos...

Durante semanas e meses, aquele homem de terno escuro ocupava uma das cadeiras do primeiro vagão. Ela desembarcava na Carioca e o homem seguia viagem.

Ele nunca lhe dirigira a palavra, senão, quando a perna da moça ficou presa no espaço entre a plataforma e o trem. Naquele dia, prontamente, o rapaz a puxou pelo braço e desceu com ela na estação Carioca.

—Você se machucou? — indagou com ar de preocupado.
—Não, não! Apenas algumas escoriações leves...
—Mas está sangrando...
—Sangra um pouco... Vou passar na farmácia e fazer um curativo.
—Vou com você até a farmácia.
—Não precisa...
—Não tenha medo. Sou o Clarindo. Trabalho aqui perto!

Passou um número de telefone, anotado num pedacinho de papel que arrancou da agenda. Acompanhou-a com um olhar desejoso e despediu-se dela, tão logo o enfermeiro prestou os primeiros socorros.

No dia seguinte, pôs a melhor roupa, soltou o cabalo, passou maquiagem e ligou para o número que havia recebido. O telefone tocou muitas vezes, até gerar a mensagem: “caixa postal, o número que você ligou não existe ou está fora de área...”

Apressou-se para pegar o metrô e ocupar o primeiro vagão. O trem chiou a poucos palmos de distância de seus pés... Lembrou-se da perna presa no vão da plataforma...

Entrou. Acomodou-se com elegância. Procurou por algum rosto conhecido entre os passageiros. O primeiro vagão estava praticamente vazio. Havia apenas duas velhinhas conversando, alguns jovens em pé e um senhor sentado, lendo um livro.

Olhou atentamente — com certeza, não era ele — Não guardara maiores detalhes da fisionomia de seu herói. Mas aquele homem que lia o livro, não usava terno. Não era o cavalheiro que a salvara, antes que o trem entrasse outra vez em movimento.

No chiar dos trilhos, a voz repetida como em uma gravação: “Estação Carioca... desembarque pelo lado direito... Carioca station...” E em seguida, a grande minhoca de ferro partia, velozmente, para outra estação.

Absorta, Ravenala viajava em pensamento do Largo do Machado à Estação Carioca... Muitos dias, muitos meses, sempre ouvindo a voz masculina: “Estação Carioca... desembarque pelo lado direito... Carioca station...”

Nos últimos dias, no entanto, o tão conhecido aviso passou a ser dado por uma mulher — um incômodo para Ravenala que acostumara com a voz masculina do operador, soando como música aos seus ouvidos...

Duas semanas depois do acidente na plataforma do trem, ela desceu na estação, seguida por um homem de terno preto cujo rosto lhe pareceu familiar.

Olhando-o fixamente, reconheceu nele a imagem do passageiro que lhe dera o telefone anotado num pedacinho de papel. Jamais diria que lhe telefonara durante dias seguidos... Por sorte, ele a poupou deste constrangimento, informando-a de que estivera fora do Brasil.

Sem saber por que seu herói descera na Estação Carioca, Ravenala seguiu a passos largos rumo à loja de informática na Av. Rio Branco. Tomou o elevador de seu edifício e entrou na loja B do 15º andar. O passageiro também entrou. É mais um freguês — pensou.

Clarindo indagou o preço de uma placa-mãe para seu NOTEBOOK HP DVS ADM TURI. Verificou se havia o telefone da loja na nota de balcão, pagou a compra e retirou-se, não sem antes filmar com sua retina o perfil da balconista sorridente...

Logo que o freguês se retirou, curiosamente, Ravenala leu na segunda via da nota: Clarindo Ferraz de Vasconcelos — Praça General Osório – Ipanema... Esperava que ele voltasse para fazer nova compra... Em sua presença, sentia um frio na barriga. Talvez,um calafrio de virgem... Seria por causa do acidente ou algo novo estava acontecendo? Ele não voltou e o dia pareceu longo demais para ela.

Numa tarde de sexta-feira, o telefone toca. Ravenala se refez das batidas aceleradas do coração e ouviu a voz suave de um interlocutor que não lhe permite falar: “Não sei você me ligou enquanto estive fora do Rio...Meu horário de trabalho mudou. Não nos encontraremos mais no primeiro vagão, naquele horário da manhã — respira fundo e diz pausadamente— logo mais estarei na Confeitaria Colombo. Preciso falar pessoalmente com você”.

Depois disso, os encontros se tornaram mais frequentes e quando se casaram, firmaram um compromisso: jamais um investigaria a vida do outro. Suas vidas deveriam continuar do mesmo modo como se conheceram. Sabiam, no entanto, pela rotina de cada dia, quando um estava trabalhando ou quando estava de folga.

No início, Ravenala temeu que seu marido exercesse alguma atividade escusa.Fosse um espião, um tira, ou um policial temeroso de ser reconhecido por bandidos... Ele também pensou a mesma coisa a respeito dela, pois a moça nada lhe falava da vida profissional.

Cinco anos de casada e o filho tão esperado não vinha...Nunca tomara contraceptivo algum e jamais utilizara métodos naturais para evitar a gravidez. Sempre quis ser mãe. Era uma questão de tempo. Seu desejo haveria de se realizar...Sabia que era fértil, mas Clarindo se negava a fazer os testes de laboratório.

Em maio de 2009, ele avisou que viajaria a serviço da empresa. Ia ficar uns quinze dias fora do País...Tomada de susto, Ravenala sentiu-se só. Não tão sozinha. Estava novamente a sós com a voz do operador de trem a despertar-lhe fantasias do tempo de solteira... Não! Não podia fazer isso. Não deveria penalizar o marido por não lhe ter dado um filho...

Nos últimos dias, muita coisa mudou em sua vida. Pensamentos estranhos povoavam-lhe a mente: desejava comer massas, doces, toda sorte de guloseima,e, principalmente, a panturrilha do marido, recheada com bacon.

Ravenala passou a viajar como se estivesse sozinha no primeiro vagão do metrô. Atenta ao aviso de desembarque, seguia a orientação de uma voz feminina: “Estação Carioca... desembarque pelo lado direito... Carioca station...”

Desceu trêmula...sentiu uma sensação de náusea e um vulcão brotado de seu interior, fez jorrar sobre a plataforma de desembarque a última refeição que tomara. Visivelmente pálida, cambaleou até à porta do edifício e entrou na loja.

Não houve tempo para os funcionários desligaram a tevê. O nome de Clarindo estava na lista (extraoficial) dos passageiros mortos no Voo 447 da Air France.

Ravenala desmaiou... Levada ao Hospital Albert Einstein, recobrou as forças . Até então, ninguém sabia de sua gravidez, nem ela mesma. Albert, se for menino, ele se chamará Albert — pensou em voz alta.

NA
Texto reeditado
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