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cronicas-->MISUNDERSTANDING -- 02/08/2006 - 18:47 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 14ª. crónica da série*. São independentes não obstante formem um sequência...)



MISUNDERSTANDING

Havia um ambiente de quermesse na praça em frente à torre central da Universidad. Barracas vendendo artesanatos e comidas típicas, debaixo das árvores, à luz dos refletores.

Judith passou a semana meio arisca, apressada pelos corredores da Escuela, carregando enormes volumes de livros. Desculpou-se por ter que isolar-se para os preparativos do Rosh Hashannah. O início do calendário hebreu exige reflexões, algum recolhimento antes do Ano Novo, mesmo para quem não se considera uma devota. Depois vem o Yon Kippur, as celebrações na sinagoga e ela poderá regressar à sua própria rotina. Mas prometeu vir ao meu encontro no concerto ao ar livre, da Orquestra Sinfónica Puerto Rico. Ela mesma dispós-se a vir, depois de sondar o meu interesse por música clássica.

Senhores de guayaberas blancas de mangas largas, espécie de camisas de pijama de luxo que os antilhanos e centro-americanos tanto apreciam, e calças pretas, pareciam uma legião de garçons prestes a atenderem os visitantes mas eram os músicos. Reuniram-se debaixo do imenso toldo de plástico branco, montado para servir de abrigo (em caso de chuva) e de palco.

Cadeiras por toda parte. Muita gente de pé, jovens sentados no chão ou deitados na grama. Judith chegou na hora de começar o concerto e sentou¬-se no lugar reservado para ela.

o regente começou atacando uma cavalgata a la Rossini, logo mergulhou nas profundezas entemecedoras de Mascagni, saltitou na Dança das Horas, subiu o tom numa Ouverture de Verdi e, se não bastasse, reservou para o grand finale, toda a vivacidade da Navairaise da Suite El Cid, de Massenet.

Judith interrompia a audição, fazendo-me perguntas. Eu fingia estar distraído, absorto.

A maioria dos músicos com cara de outras coisas. Quase todos de óculos, inclusive as poucas mulheres da orquestra. Tomado por tal impressão preconceituosa, recordei meu arrogante mas querido amigo inglês Russell Bowden em sua última visita ao Brasil. Estava estupefato com um cartaz anunciando a Orquestra Sinfónica de Uberlàndia.

- Uberland?!

O tom era de surpresa e ironia. Antes que seguisse, atalhei: - Why not?

Mudamos de assunto, ou brigamos, ele do alto de um pedestal e eu do fundo ou do fim do mundo. Uberland!

Judith tentava dizer que não morria de amores pela música romàntica, que preferia a música ... O sotaque confundia, a orquestra subia estrondosamente. Quando baixava, dava para ouvir as gargantas estridentes das pererecas coquis escondidas no jardim. Invisíveis, mas sempre audíveis! O corpo delas é só garganta, o diàmetro da boca talvez maior do que o corpo ...

Judith insistia. Entendi que ela gostava de joropo. Estranha opção se comparada com música clássica. Mas, afinal, ela vivera na Colómbia e, certamente, ouvira muitos joropos por lá...

O Maestro Pabón agradeceu pelos aplausos. Recuperei, do fundo da memória, um conto cruel de Cortázar em que uma pianista volta à sua terra natal e toda a população - colegas do colégio, açougueiros, carteiro, religiosos, comerciantes, vizinhos, parentes - lotam o teatro e a ovacionam até incendiarem as mãos.

No concerto da Sinfónica só faltaram os cisnes de Tchaikovsky, o redemoinho das valsas vienenses da família Strauss. Mas foi, sem dúvida, um concerto sóbrio, agradável, didático, para saudar os estudantes.

Tomando chocolate em casa de Judith descobri que ela estudou na Alemanha, que frequentava as densas óperas de Wagner mas que a sua predileção musical não era o joropo mas sim o barroco.



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Próxima crónica da série: (15) PRAZER COMO ROTINA

Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de cronicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as cronicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".



Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico. Brasília: Asefe, 1996. 115 p.
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