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cronicas-->REFLEXÃO PARALELA [DISCOS DE VINIL] -- 02/08/2006 - 19:25 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 16ª. crónica da série*. São crónicas independentes não obstante formem um sequência...)



16
REFLEXÃO PARALELA [DISCOS DE VINIL]


Meu amigo Olindo, que vive nas lonjuras de Niterói, faz a apologia dos discos de 78 rotações por minuto. Para ele a tecnologia discográfica deteve¬se naqueles pesados acetatos, tão frágeis e tão maravilhosos, mesmos os que foram gravados pela técnica mais primitiva. As vozes saíam meio afetadas, um tanto distorcidas, os tenores ganhavam afinamentos de so¬pranos, mas era isso mesmo. E daí?!

Olindo coleciona gravações originais, recusa versões em alta fidelidade, repugna as regravações em stereo e abomina as remasterizações digitais. Um sacrilégio. Melhor mesmo, é reunir-se com os amigos para as sessões de chiados e vozes saindo compactas com os sons dos instrumentos musicais, numa emissão única, não raras vezes com distorções produzidas pela alteração na velocidade do prato da radiola, ou pelo desgaste da agulha. E o prazer de apreciar o som na sua forma original?!

Ele não aceita sequer os "bolachões", os discos de vinil, gravados com recursos capazes de reforçar e ampliar os alcances vocais dos intérpretes.

Na tecnologia laser, a engenharia de som supera a performance do intérprete, como o arranjo supera sempre o trabalho inicial do compositor.
Judith talvez apele para o lado possessivo e nostálgico de seus discos.

Ela não pretende, provavelmente, ouvir novas versões de seus discos, mas aqueles mesmos discos que a acompanham, ainda que silenciosos e abandonados nos baús e caixas, há muito tempo. Eles fazem parte de sua vida, de sua trajetória humana, são testemunhos reais e insubstituíveis de momentos próprios de sua existência.

E, mais ainda, eles devem ser tocados, reproduzidos, em uma vitrola de época, não importa a imperfeição, o que vale é a representação. O problema não está nos sons, mas nos silêncios. O único sistema que respeita os vazios é o do disco laser. LPs e acetatos preenchem com ruídos as ausências de som. E as partes baixas das execuções? Imagine¬-se a parte inicial do Bolero, de Ravel, em long-playing arranhado ou com agulha desgastada ... Para ouvidos sensitivos, será uma sessão de tortura! Mas Judith vive num entroncamento de vias e seu ouvido já está acostumado com buzinas e freadas.

Felizmente, as pessoas não são iguais. Judith -tudo indica- acostumada que está às audições ao vivo, não deve dar muita importància às versões gravadas. Duvido que ela seja capaz de postar-se diante do aparelho de som para acompanhar a sua execução ... Ficar parada durante uma hora?! Se não se deixa imobilizar e embevecer pela presença dos músicos, tão real e tão impactante, como iria fixar-se em ouvir discos?!.
Ouvir música exige entrega, desprendimento, abstração, relax, projeção, ubiquidade. Sair de si, divagar, deixar-se levar pelo som e pela imaginação. Algo místico, ritualístico.

A capacidade de concentração é um requerimento sine qua non. Não é casual, nem sem razão, terem sido os japoneses, contumazes contempladores, ensimesmados pensadores, a inventarem o walkman e o discman. Os fones de ouvido isolam, separam, preservam os sons. E eles navegam no inconsciente do ouvinte, percorrem espaços imaginários em nossa mente, ganham espacialidade, manifestam-se temporalmente.

É prudente recordar que os fabricantes não recomendam o uso de seu invento em situações de movimento -correndo, dirigindo veículo- mas no recolhimento, nos momentos de paz e tranquilidade.

Judith é agitada demais para valer-se de uma tal sabedoria.



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Próxima crónica da série: (17) VIVER É MORRER

Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de crónicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as crónicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud:"A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".



Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico. Brasília: Asefe, 1996. 115 p.


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