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cronicas-->VIVER É MORRER -- 03/08/2006 - 08:25 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 17ª. crónica da série*. São cronicas independentes não obstante formem um sequência...)




17
VIVER É MORRER


El saber vivir lo hemos de aprender durante
toda nuestra existencia, y también - cosa
que más te sorprenderá - hemos de aprender
a morir durante la vida".
Sêneca


Viver é um processo de desgaste contínuo. Cada dia a mais é um dia a menos. Inexoravelmente. E não me venham com a teoria de que os anos vividos nada têm a ver com idade. Papo furado. Idade mental é um paràmetro por demais subjetivo. Metafísico... Que a experiência acumulada rejuvenesce, só pode ser contraditada com acumulação de rugas. Ideal mesmo é encontrar a sabedoria dos velhos, nos jovens, o que é impossível. Encontrar a ignorància dos jovens nos velhos é uma calamidade.

Relógio, não marque as horas.

Woody Allen, ao rever a sua brilhante biografia - de uma pessoa multifacetada, tão criativa e contraditória - descobriu que foi várias pessoas, em diferentes épocas. Mas, não teve piedade de si mesmo e confessou que preferia ter sido outra pessoa. Talvez querendo dizer que gostaria de ter todas as pessoas que foi ao longo de sua vida, numa pessoa que já não é mais: queria (ou quer) continuar jovem. Com todo o seu talento acumulado ...

Que eu saiba, Dorian Gray conseguiu. Pelo menos, na ficção de seu criador Oscar Wilde. E Dorian Gray não foi o único. Orlando, de Virginia Woolf, também, com a vantagem de mudar de sexo; o Príncipe Pier Francesco Orsini, o corcunda de Bomarzo, do romance de Manuel Mujica ¬Láinez. Fausto ... A literatura está cheia de personagens que não envelhecem: encontraram a fonte da eterna juventude, preservando a integridade de seu corpo. Mas, o mais trágico é que o desencanto das bruxas, encantadas nos corpos de jovens encantadoras, sempre acontece diante do espelho. Rompamos todos os espelhos e arranquemos todos os ponteiros dos relógios!

O corpo é a única realidade de nossa existência.

Os velhos inexoravelmente se apaixonam pelos mais jovens. É o complexo de Lolita. Woody Allen apaixonou-se pela filha adotiva; Michael Jackson está sendo acusado de perverter crianças. Como os antropófagos, há quem acredite que devorar os mais jovens é uma forma de recuperar a própria juventude. "Melhor do que uma de sessenta, são três de vinte". Só que Woody Allen e Michael Jackson foram mais longe, ao romperem tabus. Incesto e corrupção de menores. Transgressões de preceitos religiosos e convenções sociais. Que, por certo, mudam com o tempo.

Judith tentou explicar-me o que era ser mãe solteira em meados da década de 70, numa sociedade puritana, e numa família judia. Barra pesada. Daí deve vir o seu feminismo. Pai solteiro, pode. Mãe solteira, não!

Na confeitaria, em Old San Juan, ela abriu o seu coração. Falava para si mesma, fascinada com a sua historia de vida. Tão ingênua, desgarrada da família, ao serviço dos Corpos de Paz. Hoje ela não cometeria o mesmo desatino. É óbvio!! Era outra a que se deixou iludir por um homem que se dizia solteiro mas acabou confessando-se casado na hora de assumir a responsabilidade de um filho. É a mesma historia de milhares de outras tantas Judites no lodaçal do machismo, do subdesenvolvimento e da intolerància típicos dos anos 70, que ainda perduram. E na Colómbia não existia o opção legal pelo aborto, nem havia a possibilidade do divórcio, caso ele pretendesse unir-se a ela ...

Judith parecia querer justificar o seu desatino, como se confessasse um descaminho, um erro. Que ela assumiu. A família entrou em processo de desespero, sem saber o que fazer diante de um filho "ilegítimo".

Existem filhos ilegítimos? Ou seria ilegais? Tampouco. Apenas filhos, tentei confortá-la.

Ela teve que satisfazer aos pais dizendo ter adotado uma criança pobre nos tristes trópicos. Pelo menos para o resto da família e dos amigos.

A cadela de minha vizinha tem um olho furado e espera que eu a afague sempre que subo as escadas do edifício. É uma cadela desgarrada. Vive do lado de fora. Duas outras cadelas, de raça, vivem do lado de dentro, protegidas pela grade da varanda. A vizinha não quer que as suas cadelas arianas procriem promiscuamente.

Chicha é o nome da cadela vira-lata, de olho furado. Mesmo do lado de fora, em plena liberdade, não sai da porta do apartamento de sua dona. Estranho senso de liberdade Chicha tem ... E não deve ser apenas por causa da comida que ela prostra-se o dia inteiro ali, triste e rejeitada, presa a um relacionamento que ela acredita existir com a sua dona. Ora, veja, Chicha é um animal, e todos os animais são gregários por natureza!



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Próxima crónica da série: (18) LUA CHEIA E BESTEIROL)

Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de cronicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as cronicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".



Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico. Brasília: Asefe, 1996. 115 p.
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