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cronicas-->LEMBRANÇAS DO PASQUIM -- 03/08/2006 - 23:55 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 21ª. crónica da série*. São cronicas independentes não obstante formem um sequência...)


21
LEMBRANÇAS DO PASQUIM



Domingo é dia de praia. Judith chegou nervosa: - Desculpe-me, I m late.

Chegava pontualmente, sempre às nove. Estava transtornada, tivera que recolher Natasha.

- Atrasada?! - exclamei. Por acaso temos hora marcada com Netuno?

Ela nem prestou atenção. Não tem senso de humor. No fundo, estava criticando a jovem e bela Natasha, filha de amigos, pelo atraso. Dez minutos.

Entendi porque ia sempre à mesma praia, no mesmo lugar, no mesmo horário. Lá encontrava Margareth e Sarah, suas únicas amigas, esta última curadora da Casa do Livro, uma instituição dedicada à promoção da leitura, onde crianças vão à hora do conto. Sarah não despe a roupa, mesmo sob o sol mais causticante. Não deixa sequer as pernas e os braços de fora. Natasha, filha de uma croata e de um norte-americano, beleza eslava, é uma adolescente suave e insinuante.

Os latinos trazem quantidades de comidas para compartilhar; os gringos não trazem coisa alguma e, quando trazem, cada um come o seu, sem oferecer aos demais. É assim, não é bom nem ruim, cada um com os seus costumes.

Anfíbios, ficamos metade do tempo mergulhados no verde claro da água, agora mais agitado e fresco com a aproximação do inverno. Ao longe, chove sobre o mar.

Queira-se ou não, o tema acaba se impondo: o plebiscito em campanha.

Sarah defende a fórmula do "deixa-estar-como-está-pra-ver-como-é-que¬fica" da manutenção do "estado livre associado" da República de Porto Rico, uma aberração jurídica; Natasha, portoriquenha de geração mais recente, manifesta-se pela estadidad, na conversão da ilha no 51º estado da federação norte-¬americana; surpreendentemente, Judith prefere a emancipação total de Porto Rico, para que "se tenha cara própria". Não se sabe se os EEUU aceitariam um novo estado com sua língua e símbolos próprios, como se pretende; e há dúvidas sobre a independência sem tutela ...

A nação borinquenha sempre esteve atrelada aos interesses coloniais de outras potências.

"Regresso" ao Brasil, pelo mar-oceano, desde minha cadeira de praia, olhando para ao sul. No firmamento, gaivotas errantes e os aviões de carreira. Quem sabe os aviões da Panair ...
Já não existe o Pasquim para ler nem a ditadura para se malhar. Não há desculpas para os desacertos. Nem o plebiscito recente ajudou a sair da mesmice. Ganhou o presidencialismo dos fisiologistas. A carta de meu amigo Pedro Mattoso [estamos em 1993] fala da elevação do dólar e da classificação do Brasil para a Copa do Mundo, com os gols de Romário, lavando a alma do povão, no Maracanã, no mesmo estádio em que o mesmo Uruguai derrotou o Brasil na Copa de 1950. Eu estava presente, era um menino, e chorei as dores da nacionalidade humilhada. Pelé, que tinha a minha idade, também chorou lá com seus Três Corações e jurou que ia dar ao Brasil a glória do campeonato. Meu juramento foi mais modesto, quis apenas sobreviver ao holocausto.

Por que o Brasil não ganha mais as copas do mundo se tem os melhores jogadores de futebol do mundo? Exatamente por causa disso. Romário deixou Barcelona às vésperas do jogo e veio para fazer dois gols. Ganhou 50.000 dólares e regressa em seguida. Dizem que futebol é time e time é equipe. O técnico Parreira tem um plano sistemático para treinar mas não consegue um entrosamento sistêmico em que os jogadores atinjam a máxima performance. Prevalece o individualismo, o estrelismo, para não apelarmos para explicações mais superficiais como vestir a camisa" e patriotismo. E o Brasil está necessitando desse esprit-de-corps, principalmente na equipe de governo, no campo da trégua política.

Basta de ser do contra, precisamos ser a favor de alguma coisa, coletivamente. Mas os brasileiros que vivem nos Estados Unidos, menos desunidos e mais patriotas, estão apostando no Tetra, em massa, nas bolsas de palpites. As análises do News from Brazil, revista brasileira em território norte¬-americano, baseadas em metodologias supostamente científicas, garantem que desta vez a taça é nossa. É ver para crer. Também está apostando nos novos rumos da economia e da política no Brasil. .
* * *

Justo quando Judith decide que é hora de partirmos. Ela tem horários pré-estabelecidos e roteiros para tudo e fica atordoada se a rotina não se cumpre. Ela jamais faltaria a um compromisso -a uma aula, a uma reunião, aos serviços da igreja, ou à hora de passear com seus cães pulguentos, para gozar a vida, de improviso. Não sei como conseguiu engravidar. É preciso buscar uma explicação nos mistérios de Macondo, nas pragas que assolam o nosso continente sofrido, nas febres e vertigens das zonas equatoriais ou no desconcerto de seu relógio biológico sobre a causa de seu descontrole, de sua salvação. Como dizia D Annunzio, não viemos ao mundo para salvar-nos mas devemos saber como perder-nos.

Judith ganhou uma mesa artesanal, pintada à mão por um artista insular. A peça - horrenda - estava estorvando a sala de Margareth. Fui escalado por Judith para ajudar no transporte do enorme trambolho. Por milagre, coube no carro de Margareth. Com o assento traseiro desmontado tive que dividir o espaço do porta-bagagens com o monstro. Mais difícil foi subir com a peça ao último andar do Edifício Puerto Rico, pela escada estreita. Em compensação, fomos convidados para um almoço no restaurante chinês das redondezas. Um exótico prato apimentado, com gengibre. A conta resultou maior do que a mesa transportada. Judith dividiu por três e, assim, pagamos nossa parte do convite. Vivendo e aprendendo.



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Próxima crónica da série: ( 22 ) VOLVER A LOS DICIESETE

Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de cronicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as cronicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".



Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico. Brasília: Asefe, 1996. 115 p.
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