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cronicas-->PICASSO: "YO NO BUSCO, YO ENCUENTRO" -- 06/08/2006 - 15:45 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 23ª. crónica da série*. São cronicas independentes não obstante formem um sequência...)


23

PICASSO: "VO NO BUSCO, YO ENCUENTRO"



"Para los míseros mortales .
el mejor día de la vida
se escapa primera".

Virgílio

" ¿Y quién duda de que el mejor día huye primero
para los mortales míseros, es decir, frívolamente
ocupados?"
Séneca

Os dias enfileiram-se entre palmeiras e crotons, no percurso entre a residência e a universidade. Os vizinhos começam a ter caras familiares, os guardas já me reconhecem e até os cães parecem acostumados com meu semblante. Discos, livros, objetos novos povoam a intimidade do meu apartamento e de minha sala de trabalho.

Milagros tem se esforçado para que eu conheça aspectos culturais da vida borinquenha. Ela é frágil e delicada, inteligente, refinada. Faz pesquisas na área psicossocial e malhamos juntos nas sessões de ginástica do professor Vicente. Melhor seria dizer camiseteamos. O percurso é sempre o mesmo, passando pela torre da universidade, várias voltas pela plaza interior (plantas trepadeiras quase escondem as árvores e há uma umidade abafada no ar) e o contorno da glorieta, uma espécie de coreto aberto, antes de regressarmos ao pátio do centro estudantil, para os exercícios finais. Milagros aproveita a caminhada para dar-me lições de puertorriqueñidad. E traz livros para que eu leia, e vem buscar-me depois, em seu carro, para irmos a concertos, ao teatro, a exposições, a lugares menos vulgares que os que dominam o casco urbano de Rio Piedras.

Minha pressão arterial baixou um pouco, sinto-me mais relaxado. Até o calor parece ter diminuído com o vento (moderato) do início de um inverno que é apenas uma nuance do eterno verão tropical caribenho.

Não sei a idade de Milagros nem ousaria perguntar, mas ela é leve, grácil e juvenil em seus ademanes, mas um tanto formal e reservada.

Judith anda irascível. Nervosa, angustiada com seus compromissos. Não raras vezes, rude. Carrega uma mochila nas costas, como se fosse um jabuti. Talvez um jabuti-ninja, dando patadas no ar. Outras vezes reage como uma criança enciumada. Egoísta. É capaz de ser generosa pela manhã e mesquinha pela tarde.

Começo a rever: ela não é tímida, parece encurralada, defendendo-se. Impaciente. O tempo é só dela. Acostumada à solidão, dá mostras de desespero. Tenta atrair-me para os seus programas mas jamais faz consultas ou troca idéias. Ela decide, a priori, aonde ir, qual o trajeto e a que horas regressar. Parece desejosa de regressar logo à sua solidão e aos seus cães fedorentos. Mas tenta sempre comprometer um novo encontro, desde que seja numa programação rotineira. Nunca estaria disposta a seguir uma sugestão alheia, a sair sem destino e sem horário. Como diria Picasso, "encontrar sem buscar", de improviso, pelo simples acontecer. Perambular, perscrutar. Mas, imbuído desta carcaça de jabuti condicionado está uma alma que vibra com a vida simples, com a beleza de uma boa leitura e é criativa e versátil em sua superlotada cozinha. Para ela as livrarias são catedrais votivas em que ela entra com os pés descalços e a pele sensível, as narinas aguçadas, as mãos ansiosas e os olhos ávidos e descobridores dos insondáveis prazeres da existência.

Ela continua sendo um mistério, um paradoxo.




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Próxima crónica da série: ( 24 ) CUBA-COR-DE-ROSA

Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de cronicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as cronicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".

Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico Brasília: Asefe, 1996. 115 p.
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