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cronicas-->Amor de pai -- 09/08/2006 - 12:31 (jose antonio de castro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Autor: José António de Castro

Você diz que não respondo seus e-mails. Eu os guardei para respondê-los juntos.
Desde o dia em que você fez quinze anos adotei como acesso às minhas transações na internet a senha "gata16". Além das outras vezes do dia, toda vez que vou abrir meus e-mails lembro-me de você. E hoje completa mais um ano que nos deu a alegria de estar conosco.
O psicólogo Içama Tiba, numa divertida metáfora, afirma que nós, os pais atuais, somos da geração dos que só conhecem o sabor do pescoço e dos pés da galinha. Porque quando éramos crianças, sob a ação de pais autoritários, nas refeições não podíamos comer o peito ou a coxa, reservados aos mais velhos. Hoje, sob a ditadura dos jovens, são vocês os filhos onipotentes que ficam com as partes nobres. E então continuamos na base do pescoço e do pé.
Na condução dos filhos, temos que tomar atitudes que muitas vezes provocam a raiva de vocês. Porém, somos profundamente amorosos, não poupamos recursos materiais, físicos, financeiros, horas e horas de sono, com o intuito de que vocês sejam felizes, que dêem certo.
Quantas vezes, nós, os pais, levamos vocês para as baladas onde rolam o álcool e outras coisas. Quantas vezes os transportamos para as festas que começam em horários em que deveriam terminar, mesmo sabendo que não deveríamos fazê-lo.
Por que não seguramos vocês? Por medo. Medo de sermos considerados caretas. Medo da agressividade de vocês. Medo de perder a estima. Medo de gerar uma crise em casa. E por medo permite-se coisas que em princípio consideramos perigosas para a educação de vocês.
Só que antes que você tome a condução das rédeas de sua vida, tenho o dever de indicar-lhe o caminho. Não o único caminho, o mais perfeito, mas o caminho que aprendi e que considero que vai ajudá-la.
Assim como a liberdade é uma escolha, tive a liberdade de unir-me a outra pessoa e tivemos você. A partir do momento que optei por esta escolha não posso mais deixar de indicar-lhe o caminho. O dever é uma consequência da liberdade. Ser livre é escolher, e escolher é assumir a responsabilidade até o dia em que não se precisa mais dela.
Como tive oportunidade de dar uma educação diferente da que recebi de meus pais, caí no exagero e dei-lhe tudo, até o coração foi junto. A vontade em dar tudo, em amar demais, em vê-la feliz, levou-a a achar que tudo pode, que não há limite, que sou geração antiga. Hoje, luto para desenvolver em você os limites. Luto para resgatar um bem precioso que você tem de montão; o seu afeto, o seu carinho.
Antes de mais nada, quero dizer-lhe que estou procurando aumentar a cada dia a capacidade de compreendê-la e que sou grato e premiado por ter você. Respeitar o seu direito de experimentar a vida e conquistar o mundo é meu dever, mas para isso precisamos caminhar juntos. Eu pai, não posso dizer que sou um pai perfeito, também sei que não sou um péssimo pai. Mas não tenho medo de dizer que tento ser um bom pai. Digo porque dou a você meu próprio ser, minhas lágrimas, parte do meu tempo, parte da minha atenção, mesmo quando você não quer ouvir-me. Vibro com suas vitórias. Preocupo-me com suas frustrações e inevitáveis adversidades da vida. Tento compreender seus anseios e angústias, embora não consiga arrancá-los de você.
O temor do pai está em todo canto. Está na tragédia do jovem pela transmissão de doença sexual, na gravidez inesperada, na queda para o submundo da dependência. Este medo pode ser ridículo a seus olhos. Pode achar incrível como seu pai não lhe conhece, mas que tenta conhecê-la, que pede que você acredite nele e que ao chegar em casa dê-lhe um abraço e quem sabe até um beijo.
Afinal, é uma garota responsável, madura, se irrita porque acha que seu pai não confia em você. Confio sim, mas também sei que a juventude é impaciente, voluntariosa, traz o signo da tragédia. E como dona do mundo não percebe que é peregrina de um novo tempo. E a mesma vida que lhe acena como promissora oferece-lhe também a chance da queda fácil, do prazer gratuito. Os limites você não os conhece. Não porque quer ignorar, mas como qualquer garota da sua idade, mistura o concreto com o abstrato e vislumbra o mundo em dimensões cósmicas. Viaja com os amigos na mais fascinante aventura da existência. E não percebe que a liberdade sexual, as noitadas, o glamour, o culto à juventude não são suficientes para uma vida ideal, saudável e feliz, pois os dramas e sofrimentos destas aventuras, muitas vezes inconsequentes, são constatados por você mesma no seu dia a dia.
A juventude é minha conhecida, passei por ela também. Tanto que depois ao compreender mais tarde que meus pais tinham razão em muita coisa. Hoje, você acha que estou errado, mas espero que aconteça o mesmo que se deu comigo. A vida não pode ser reduzida a uma simples questão de liberdade da juventude e sim definida dentro de limites que eu e você temos que estabelecer juntos.
Você aceita facilmente tudo que é novo e resiste ao que considera velho, ao que nós vivemos e ao que nossos pais estabeleceram para nós. Já é adulta o bastante para fazer muita coisa, mas não tem idade suficiente para fazer outras coisas mais. É bem humorada neste instante e no momento seguinte está de mau humor. Vai da alegria ao desespero em fração de segundos. Num instante está eufórica, no momento seguinte depressiva. Não está satisfeita com o corpo. O cabelo ora está muito liso, ora tem muito cacho. Muda de cor a cada estação. Quase sempre não aceita a religião que sua mãe lhe ensinou. Tudo isso é compreensível desde que não se transforme em razão do seu viver, não seja o motivo principal da vida.
Como se não bastasse, tem de ouvir a todo instante as queixas minhas, as de sua mãe e as pressões da escola. As exigências que aumentam com a idade, assim como a responsabilidade. Sabemos que criticamos muito você, mas não fazemos isto para que se sinta pouco amada, rejeitada ou revoltada. O bebê lindo que você era, transformou-se na bela jovem que é hoje e descobriu que seus pais têm muitos defeitos e dentre eles o medo de ver você crescer, de que precisa aprender a se virar sozinha. Tudo isso é recurso do amor. É armadilha inconsciente do apego e do desejo de vê-la no colo, nos braços.
Deixe que seu pai e sua mãe lhe ajude. Não é bom que você com esta idade tenha a responsabilidade de achar que pode fazer tudo sozinha. É uma tarefa grande demais para você com dezesseis anos. É muito difícil corresponder às expectativas do chamado mundo adulto e relacionar com seus integrantes. Aceito que você revele um certo enfado pela vida e alguma revolta contra as convenções, mas não queira crescer tão rápido e assumir a chatice das responsabilidades, deixando seu pai e sua mãe de lado.
Você não teve opção quanto a quem escolher para ser seu pai ou que tipo de pai ter. Porém, há uma escolha muito importante que você pode fazer a qualquer momento: escolher-me como pai da maneira que eu sou. Eu também me desespero, choro, sinto-me culpado, mas jamais desistirei de você, pois acho o máximo esta história de ser seu pai e tê-la como filha.
Sou uma gota d água,
Sou um grão de areia,
Você me diz que seus pais não lhe entendem,
Mas você não entende seus pais,
Você culpa seus pais por tudo,
Isso é absurdo,
São crianças como você,
O que você vai ser,
Quando você crescer?
Lembra-se desta música de Renato Russo?
Um grande beijo do seu pai que te ama muito.

(Extraído do livro: Andança - de José António de Castro - editora Insular)
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