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cronicas-->AMÉRICA LATINA NO PORTA-RETRATOS -- 09/08/2006 - 20:39 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 28ª. crónica da série*. São cronicas independentes não obstante formem um sequência...)



28
AMÉRICA LATINA NO PORTA-RETRATOS



O melhor está sempre mais adiante. Em outro lugar. Aqui é o lugar da tristeza, da desgraça -0 acabemos de uma vez por todas com o falso mito de que somos um povo carnavalesco e feliz (carnavalesco porque buscamos a felicidade por atacado). Coletivamente. No varejo, buscam-se culpados, não se busca explicação. América Latina é o espólio, a chaga atormentada. Há quem fale em nome de todos mas é no isolamento que forjamos as desigualdades. É como se todos fóssemos inquilinos, forasteiros, estrangeiros em nossa própria terra. Por isso cultuamos as tradições que não são nossas, as origens que são dos outros e estamos envergonhados dos crimes que, pela propagação da fé e da civilização, cometeram em nosso nome.

Mortificamo-nos eternamente pelo extermínio de índios e pela escravidão dos negros, mas continuamos exterminando índios e discriminando negros. Nossa vergonha é atávica, não é telúrica, é uma dívida histórica e alivia-nos a mentira de nossos cronistas e políticos.

Somos os invasores destas praias e destas selvas, depredadores do paraíso, ou seus descendentes. Dá na mesma e não nos perdoamos. Quando vislumbramos a África em nosso continente é porque somos
europeus; quando descobrimos o esplendor da Europa em nossas relíquias é porque somos negros e índios assumidos. Não apenas estamos sem sermos, como somos os outros e nunca nós mesmos, cafuzos e mulatos, mestiços de toda e vária combinação. Naquilo que somos iguais buscamos a nossa diferença, nossa identidade.

Meu amigo Mariano Maura Sardó pergunta-me todos os dias, ao almoço, qual é o caminho. Ele acha que eu sei. Eu vim de longe. Mas também estou buscando. E está sempre mais adiante a resposta.

Amanhã será.
Hoje, não,
hoje estou muito ocupado,
verdadeiramente muito ocupado,
pensando no amanhã.

Assim proclamava o Jesus-Cristo-Revolucionário-Latino-Americano de minha peça teatral Jesucristo Astronauta; autosacramental sobre lo profano y lo divino. Isso foi há vinte anos e não sei se entenderam minha mensagem. Ou eu é que não soube efetivamente proclamá-la. E acreditava ter uma mensagem para transmitir, estava convencido de alguma verdade que queria comunicar. Hoje, como Diógenes, apenas busco uma verdade que está mais adiante, como está mais adiante o melhor. E milhões de outros diógenes estão migrando o tempo todo. América Latina é um rio humano em movimento. Uma terra de nómades, de desterrados, carregando as mesmas culpas atávicas.

Em Vidas Paralelas, o cineasta cubano Pastor Vega revelou a perplexidade desse moto contínuo, como em círculo. Os cubanos de Cuba querem ir-se, os de fora querem voltar. E quem viu o filme percebeu a única verdade expressa todo o tempo: o movimento. Não sei se o autor estava consciente, mas ele fez uma ode ao movimento, com gente fervilhando, movendo-se, indo de um lado para outro como que impulsionados por uma dinàmica qualquer. É possível chegar-se a uma moral da história, nada edificante: que o cubano é um paranóico, um desequilibrado em movimento perene, que só existe em translação. Ou pior: que a vida dele é a mesma merda sempre, no socialismo ou no capitalismo. Comprando sem ter com que ou querendo gastar sem poder.

Não é essa, certamente, a resposta que meu amigo Maura está buscando.

Parece ter chegado à conclusão, como sugere Alejo Carpentier, de que somos pródigos em denunciar e incapazes para solucionar problemas.

Se não há problemas, inventamos.

Saltamos do barroco para o pós-moderno e caímos no abismo das ideologias redentoristas, em que não mais acreditamos. Buscamos novas fórmulas e alquimias de laboratório político, mas só encontramos verdades estéticas e convicções poéticas. Por isso ainda não chegamos à crise definitiva de nossa existência como povo transladado. Por isso continuamos migrando, continuamos buscando. Enfim, o melhor está sempre mais adiante.

* * *
Enquanto isso, no México, tenta-se uma integração económica com os Estados Unidos como um mal necessário. Em Porto Rico, alguns querem acabar com isso, antes de serem definitivamente descaracterizados.

Os Estados Unidos têm horror à identidade dos povos que compõem a sua Federação. Salada de frutas. Melhor seria dizer: vitamina de tudo, merengada. X-tudo. Todos podem ser diferentes numa democracia, desde que sejam todos iguais. It s the American Way of life. Sartre disse que isso era a tradição do novo. Haveria que destruir, para construir. Sartre foi um observador europeu, e na Europa cada povo quer ser nação, mesmo na contradição de uma comunidade européia. Comunidade de desiguais.

Ou teria sido o nacionalismo que afundou o comunismo?

Que aconteceria a Porto Rico, por hipótese, se conquistasse a independência? Esta é uma resposta que ninguém está buscando, até porque parecem conhecê-la no porta-retratos. Ser latino-americano mas estar norte-americano, eis a questão. Ou então simplificar definitivamente o problema, e acabar de uma vez por todas com essa mania de dialética latina, superar a diatribe ser - estar. e proclamar, em linguagem mais uni¬versal e realista, a solução definitiva do problema (que é sempre o início de um novo problema):

To be or not to be American?!

Nós, brasileiros, carnavalescos de todas as gerações, proclamaremos nossa independência de forma mais anárquica, mais no àmbito do real-maravilhoso, no melhor estilo oswaldiano:

Tupy or not tupy?

E a via continua.


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Próxima crónica da série: (28) LA GUAGUA AEREA [O ÓNIBUS AÉREO]

Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de cronicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as cronicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".

Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico. Brasília: Asefe, 1996. 115 p.


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