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Cronicas-->FFC-Faculdade de Formação de Cidadãos -- 11/08/2006 - 12:11 (Domingos Sávio Fernandes de Souza) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
F.F.C.- Faculdade de Formação de Cidadãos

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Ela surgiu sem autorização do Ministério da Educação e sem decreto governamental, desnecessário para sua criação. Somente lhe foi dada a ordem Divina: a união matrimonial daqueles dois seres, sob a bênção do Criador, única formalidade essencial para a instalação da unidade educacional sob a reitoria do Mestre do Universo. Não tardou, após os ajustes prévios, estabelecimento de normas e finalidades, chegaram-lhe sete alunos para compor o seu corpo discente. Cinco homens e duas mulheres. Não ingressaram de uma única vez, mas, sim, em intervalos de um ou dois anos. Eu fui o último a chegar em 1956.

Ali naquela casa humilde, de pouca mobília e que nos servia de lar, realizavam-se os seus ensinamentos. Nunca teve períodos letivos interrompidos por férias, finais de semana ou feriados. As aulas aconteciam todos os dias e a qualquer hora, ainda que à noite, sem quadros-negros, réguas, lápis ou cadernos. Muitas vezes o retroprojetor era apenas a janela da vida, por onde víamos o cotidiano da rua.

Desde o nascimento, através do exemplo de dedicação, denodo, carinho e cuidado, minha mãe mostrava-nos como deveriam ser nossas atitudes pela vida afora e como deveríamos executar as tarefas a nós encarregadas. As lições infindáveis vieram quase sempre como parábolas, moldando o barro disforme de nossas personalidades, aformoseando a argila, buscando a retidão do caráter. Tais lições processavam-se tanto em palavras quanto em ações e atitudes dos dois docentes.

"-Deus favoreceu-me em ter sete filhos, devo ensinar-lhes, portanto, a buscarem sempre o correto, o respeito aos semelhantes e às coisas da natureza tão belas e gratuitas, jamais lhes permitindo o afastamento da crença Divina, da civilidade e do engrandecimento da personalidade e do caráter", dizia meu velho.

Quando juntos para as refeições e estas eram mais escassas de variedades, em razão de que o ingresso de recursos era irregular, pois meu pai era artesão: era ourives e exercia seu labor em sua própria oficina montada em casa, tínhamos os ensinamentos do culto ao alimento tão necessário ao nosso sustento, alertando-nos para a essencialidade do trabalho; do zelo por tudo que nos chegue às mãos; de como se evitar o desperdício e esbanjamento, sem chegar-se à avareza, igualmente perniciosa. O agradecimento a Deus praticado diariamente parecia-me, nesses, mais fervorosos e pontilhados de esperanças de melhores dias.

"- Quem não guarda o que tem, um dia a pedir vem!".

Se uma diversão mais longa fizesse perdermos o horário do jantar, ao chegarmos, tínhamos os ensinamentos de cumprimento de disciplina e regras sociais e da necessidade de sermos responsáveis; do comedimento e de como controlarmos o exagero:

"- tudo de mais é veneno!".

"-galo onde canta, aí janta!".

E para que ficasse por mais tempo a lição em nossas mentes, evitando-se se perder pelo esquecimento, cabia um atraso e redução na porção alimentar.

Os ensinamentos de retidão de caráter e personalidade eram sempre acompanhados de fartos exemplos de casos ocorridos na pequena cidade do interior, alertando-nos para o conhecimento de que não há melhor Juiz que a consciência de cada um. E aí discorriam, com mestria, casos de pessoas que praticaram o mal, esconderam-se da Justiça dos homens ou a ludibriaram, mas pelo remorso, presos ao bater do martelo da condenação íntima, recorreram ao suicídio para se ver livres do tormento.

"-Cada qual sabe o que faz!".

"-Cada cabeça, uma sentença!".

"-Só coloque o chapéu onde a mão o alcança!".

"-Quem muito se abaixa, o fundo aparece!". (Referindo-se à repugnante subserviência e bajulação, tão comumente confundidas com respeito aos outros e pseudo-educação doméstica).

"-Cadeia não foi feita pra bicho, foi feita pra homens!". (Referindo-se o que espera aos que desobedecem às leis).

Quando jovens, já conhecedores da dissimulação e do uso da mentira como forma de esconder-se um malfeito, chegava aos nossos ouvidos:
"-mais rápido se pega um mentiroso que um coxo!".

Mais uma vez sobrevinha os casos passados, mostrando o que acontece aos mentirosos.

-Um homem de tanto mentir morreu afogado nas águas do rio. Quando realmente estava a se afogar, gritou, gritou pedindo socorro, mas ninguém lhe deu confiança, acreditando ser um logro. Não encontrou quem o pudesse salvar. Em nossas mentes, construíamos a visão do homem sendo tragado pelas águas apressadas e tínhamos calafrios.

Mais ensinamentos. A necessidade de sermos honestos perante nós próprios, Deus e os demais seres humanos:

"-quem com o alheio se veste, aí mesmo o despe!".

Os fracassos de uma vida alvissareira e promissora serviam de exemplo para a perseverança e firmeza dos propósitos necessários para o sucesso em nossas vidas:

"-aquele homem a passar na rua, trópego, naquele estado de embriaguez, alvo da chacota de todos, a envergonhar a família, submisso ao vício e incapaz de superá-lo, no mínimo lhe vale a pecha de cachaceiro, para não dizer do desrespeito e desprezo que o acompanham".

"-Aquelas mulheres no baixo meretrício, vendendo seus corpos tão formosos com que o Senhor as premiou, são alvo do escárnio de todos, escravas do ócio e da preguiça, incapazes de dedicarem-se ao labor produtivo. Recebem em pagamento, muitas vezes, sopapos e bofetões daqueles homens igualmente escravos do vício do sexo fácil, vil e sem amor".

"-Quem não olha pra frente, atrás fica!".

"-Cego é, quem por uma peneira não enxerga!".

"-Cabeça vazia, oficina do diabo".

Um acontecimento qualquer que abalasse a cidade, era o suficiente para meu pai convocar-nos:

- venham cá. Discorria com sabedoria e de forma transparente o ocorrido alertando-nos para os desregramentos e ausência Divina, que sempre estavam presentes, como principal motivo da tragédia.

Foram tantos os ensinamentos, dezenas de anos pacientemente ministrados que impossível se torna colocá-los no papel.

Quando, muitas vezes, os alunos valendo-se do vigor físico e da fútil imaginação, supondo que conheciam tudo ou mais, tornando-se rebeldes e dispersos aos ensinamentos, recorria-se à palmatória, sempre pendurada atrás da porta, esperando a sua vez de fazer-se presente ou mesmo ao cinturão, sem, contudo, descambar para o espancamento. Aplicados assim com moderação, eram um Santo remédio e meio infalível de corrigir-se pequenas deformidades da personalidade, as quais, arrancadas pela raiz, não tinham terreno para crescer.

Nessa Faculdade vivi desde a infància até a pré-juventude, quando, com certeza, pelos ensinamentos de dedicação aos estudos fui aprovado em concurso público e tive que me ausentar das aulas diárias.

Os discentes aprenderam as lições e como nada é eterno, um dia o Reitor do Universo convocou os docentes para receberem a premiação pelo excelente desempenho e para participarem de uma reciclagem. E lá se foram eles, obedientes, atender ao chamamento, deixando-nos completamente desfeitos em lágrimas.

Minha mãe embarcou primeiro, com oitenta e dois anos, era um final de manhã de domingo, no dia 21 de agosto de 1994, na UTI da Santa Casa de Misericórdia, após lutarmos incessantemente por quinze dias com as armas dos recursos disponíveis da medicina para não a deixarmos ir e meu pai, subitamente, num início de noite de uma Quarta Feira Santa, 04 de abril de 1996, na FFC-Faculdade de Formação de Cidadãos, sob a presença e assistência de sua aluna mais velha.
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