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cronicas-->NOVA IORQUE, NOVA IORQUE -- 15/08/2006 - 19:48 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 32ª. crónica da série*. São crónicas independentes não obstante formem um sequência...)




32
NOVA IORQUE, NOVA IORQUE



O imigrante é um estranhado.

Conviví com muitos deles na Venezuela: espanhóis, colombianos, portugueses. Os espanhóis pertenciam à classe média ou a assumiam em terras americanas, depois de anos de acumulação de capital. Os colombianos eram os mais discriminados, sob o rótulo pejorativo de indocumentados. Os portugueses eram considerados brutos, que em castiço queria dizer burros. Gente de extração humilde e ordeira, dedicava-se exclusivamente ao trabalho. Geralmente com pouca cultura e menos educação, tinha também mais dificuldade para aprender a nova língua e os costumes locais. O processo de aculturação é sempre dilacerante.

Filhos de imigrantes, netos e bisnetos de imigrantes é que discriminam, sem perceberem a extensão do processo migratório em nosso continente. Agora são os brasileiros nos Estados Unidos e na Europa. Os bolivianos no Brasil, os dominicanos em Porto Rico. E os porto-riquenhos em Nova lorque. Um continente inteiro em movimento.

No vóo para Nova lorque estava um desses muitos imigrantes, de origem dominicana. Negro brown, como existe o negro black. Uma simpatia inteira, uma bondade expressa no rosto, um sorriso alvo e completo. Já está assimilado ao novo habitat, pelo menos nas exterioridades: no estilo drag, com boné invertido, camiseta sem ombros, tênis de cano longo. Todo de preto, como os skin heads, mas com um sorriso bonachão, alegre, serviçal. Como marca de sua origem latina, um colar de ouro com uma imagem religiosa. Trabalha em serviços de limpeza na região de Washington, DC. A família emigrou para Porto Rico, ele foi mais longe, chegou a Maryland. Informa que lá o salário é mais alto do que na ilha borinquenha. Conhece vários brasileiros, segundo ele, gente com "mais cabeça". Dá para entender-se, pois muitos dos imigrantes clandestinos do Brasil foram para lá de avião, fingindo-se turistas e, não raras vezes, são profissionais universitários desviados, ainda que temporariamente, para tarefas que os da terra não apreciam: lavar pratos, vender cachorro-quente, trabalhar na construção civil, servir como garçons, limpar sapatos e até esgotos. As economias, depois de tanto sacrifício, é que parecem compensadoras caso decidam voltar, o que nem sempre - ou quase nunca - acontece. A lógica seria que voltassem porque tiveram sucesso lá fora. Quase sempre voltam porque fracassaram ou foram expulsos. E muitos fracassam porque não têm a obstinação dos europeus e a persistência dos orientais. Ou esmorecem diante de tanto trabalho e exigências.

Os brasileiros continuam achando que o Brasil é um paraiso terrenal.

Principalmente depois que se foram. Eles é que não tiveram chanche, não foram capazes: é o que pensam. Na mesma proporção que descobrem as agruras e o terrível desgarramento da vida de imigrante - e foram para fora crédulos da existência de tremendas oportunidades -, começam a idealizar um Brasil em que tudo é possível e tudo é melhor ...

Os brasileiros parecem ser mais gregários do que os outros latinos e padecem da terrível doença da saudade, que lhes corrói as entranhas nas noites mais geladas do inverno. É como uma febre que vai amolecendo os ossos e dobrando os músculos até prostrá-los diante do seu santuário. Em vez da Virgen de la Caridad dei Cobre dos cubanos, os brasileiros depositam flores aos pés de cantores populares ou de jogadores de futebol. Ou do Ayrton Senna. É verdade: o brasileiro é um fetichista de ídolos modernos, mas sem muita fidelidade. Os nomes mudam com o sucesso. Vai de A a Z, passando por Adriana Perez e terminando em Xuxa (please, the correct pronounciation is shusha). Até a próxima estação ou nova safra.

A primeira vez que vi nevando foi em New York. Véspera de Ano Novo.

Flocos de neve caíam do céu como migalhas de algodão, leves e voláteis. Parecia cenário de Walt Disney, não parecia real. Em pleno Rockfeller Center, no coração de Manhattan. Foi em 1971. Carregava no bolso alguns dólares obtidos com o sucesso de "Tu país está feliz" na Venezuela.
O Empire State Building era ainda o mais alto edifício do mundo, bem antes da inauguração das torres gigantescas do World Trade Center, e do Sears Building de Chicago que derrubaram a supremacia daquele símbolo da grandeza americana. O Empire States é uma espécie de monumento fálico confeitado para o consumo. The American Dream. Visita obrigatória.

Mas eu nunca me senti turista em Nova lorque nas seis viagens que fiz á cidade. Nunca visitei a Estátua da Liberdade.

Se o Rio de Janeiro é maravilhosa, NY é fantástica. Ninguém é estrangeiro em NY, estrangeiros são os outros.

Torre de BabeL. Mais interessante do que admirar a verticalidade vertiginosa de sua arquitetura é observar a humanidade multifacética de sua
população. Fixa ou flutuante. Todos os idiomas do planeta. Rostos e costumes de toda origem, uns exóticos para os outros mas nunca para um nova-iorquino que sabe da universalidade e cosmopolitismo de sua urbe, desde a sua origem.

A cidade tem rostos cambiantes, como em um caleidoscópio. De todas as cores. Gente chic e gente muito estranha em sua peculiaridade. Porque em NY as pessoas luzem mais individualistas, mais autóctones do que em seus países natais e estão expostas como em uma vitrine ambulante. E solitários. Em nenhuma cidade do mundo se é ou está mais solitário do que nessa megalópolis do sonho e do desgarramento. E em nenhum lugar do planeta a pessoa se sente menor, se sente mais um do que aqui. Nem tanto pela enormidade de seus edifícios e pela quantidade de gente mas, sobretudo, pela extensão e variedade urbana e humana. Apesar de revelar a insignificància de qualquer um - morador ou transeunte -, sente-se orgulhoso de viver nela ou de havê-la visitado. Por que Nova lorque é Nova lorque.

Como diria meu amigo Allen Morrison, Nova lorque tem tudo. Basta buscar.

Circula mais dinheiro na cidade do que em muitos países do mundo. Tudo é barato mas a vida é muito cara. Um paradoxo. Isso mesmo: NY é um paradoxo, é mágica, é cativante, é fantástica e está na vanguarda do mundo. Primeiro de tudo é lá mesmo.

Existe também a Latin New York. Fala-se espanhol nos elevadores, portarias e lojas baratas. Uma multidão com acento chicano ou boricua, ou seja, mexicano e porto-riquenho. Mas tem gente de toda parte: Cuba, Costa Rica, Peru e Argentina. Brasileiros e portugueses. Somos minoria mas em expansão contínua. Minas Gerais, presente! E tem também turistas paulistanos nas lojas de classe média comprando as mesmas coisas que estão à venda nos shoppings Morumbi e Eldorado, ou no Mappin. Questão de opção.

E cada um tem sua própria memória de NY já que é impossível ter uma visão completa da metrópole. Tem pra todo gosto: os grandes musicais da Broadway para o público menos exigente; as temporadas de ópera e de música clássica no Lincoln Center; as lojas de eletrodomésticos orientais vendidos por judeus; a maratona do outono e as pontes e praças com os traficantes de drogas; e, entre tanta coisa mais, a pornografia explícita nos redutos do Village. Com tempo e disposição descobre-se de tudo, até uma loja dedicada exclusivamente à exposição de camisinhas de Vênus, incluindo as mais bizarras e fantasiosas. Na cable TV é possível assistir, no mesmo canal, a missa das sete e ao sexo grupal gay das onze. E depois telefonar para ouvir mensagens excitantes, no meio da madrugada solitária e solidária de Manhattan. Vende-se fantasia e vulgaridade. Fabricam-se sonhos e projetam-se religiões como business e entertainement. Mas eu acabei numa estranha reunião de fanáticos por bondes", onde gente de todas as idades reúne-se para ver filmes amadorísticos realizados por aficionados por cidades onde trafegam bondes: Hong Kong, Memphis, Assunção do Paraguai e Amsterdã. Esses clubes têm a mesma função socializante das igrejas, na tentativa de congregar e relacionar seres solitários através de sua identidade e interesses comuns. Do contrário seria viver em completo isolamento.

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Próxima crónica da série: (33) NOTíCIAS DO BRASIL


Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de crónicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as crónicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".

Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico. Brasília: Asefe, 1996. 115 p.
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