EMAGREÇA OU DESAPAREÇA
_______________________márcia carrano
É colocar os pés na balança, sentir o peso do tempo, digo, do corpo e partir...
regime e rua. Rua sim! Nada melhor para iniciar a perda dos cinco,dez, vinte quilos a mais do que ir à s compras. Saia ou vestido ou blusa novos - ou o que for ! - dão a sensação ... sei lá . Acho que levanta o astral do ego massacrado pela gordura. Aliás, essa história de comprar roupa nova até Freud explicava ...pra família dele. Dizem que , volta e meia, chamava mulher e filhos para irem renovar vestuário . Freud , gordo não era. Por aí , já dá pra ver : se um magro entendido em egos machucados adotava a roupa nova para encobrir os estragos, imagine o que não deve fazer uma gordinha !
Mas vamos lá. É entrar na primeira loja e lembrar-se de que, dependendo da marca, tamanho 44 dá; dependendo, virge ! , 46. Acima disso, só se uma boa alma comerciante tiver arrancado as etiquetas e fingir que ah! num sei... deve ser 44, no máximo 46. Preparada para a antiga batalha de encontrar a roupa de curar ego massacrado, vou à luta.
Primeira loja do shopping e a balconista, loira e magegegegegérrima , me olha de cima e em volta, para responder com descaso: Minha senhora, nosso manequim maior é 42 . Embora sufocada com o minha senhora e o peso do 42, insisto - quem sabe! - já cheguei a usar o 42, pelo menos na parte de cima. A essas alturas , ela nem prestava mais atenção ao que eu dizia. Já havia se virado para atender a uma mulher mais ou menos da minha idade, mas sarada, saradíssima.
Segunda , terceira, quarta, quinta , sexta, sétima, oitava loja do shopping e a cena se repetindo, uma espécie de variações sobre o mesmo tema. Chego à conclusão de que o problema é o local . Vou pra outro shopping e mais outro e mais outro e mais outro . Nada. Meu ego não está mais massacrado : está é triturado , semidestruído. Não sei o que fazer. Tento lembrar gordas charmosas para me consolar, mas me vem à cabeça um gordo sexy , gostoso e assumido: Jó Soares. E a imagem dele vai puxando a de outros gordos sensuais . Mas de mulher gorda só me chega minha própria imagem refletida nos espelhos do último e sofisticado shopping por onde arrasto meu ego nu e trêmulo de frio ( embora estivesse um calorão ! ) . Virge ! O resto sequer é silêncio ou nudez de imagens : é um desfilar de mulheres de estatura mediana, magras, malhadas, saradas - de todos os tamanhos, desculpem!, de todas as idades : a começar dos 80 , pasmem!, até os 14, 15 anos.
Ah! os manequins entre 38 e 40. Todas. Todas 38 ou 40. Todas. Tento me esconder, já nem tenho ego mais. Freud... será que a mulher dele era gorda? Não sei. Mas , se fosse, isso era até bom pra época lá deles. Na minha, até meu analista diz que mulher casada, quando engorda, é para se vingar do marido por algum motivo, geralmente traição. Virge ! Eta machismo psicanalítico!
E vou me indo, sem comprar nada , quando vejo um casal se aproximar: ele, um moreno e tanto ; ela, concorrente de mastro de hastear bandeira. E não é que o homem começa a olhar pra massacrada aqui com olhos de desejo e encantamento! Passeia o olhar por minhas curvas e , quando bem perto de mim, solta um gostosa que me arranca o ego do túmulo . Minhas idéias se embaralham, mas aproveito a oportunidade para tirar meu eu do perigo de vida . E ,sem mais nem pra quê, me cai do tempo a frase de um médico, amigo meu, (que andava irritado com os regimes de emagrecimento da mulher) : Pra quê regime? Mulher tem de ser confortável... Me agarro à lembrança passada e ao elogio presente , para compor minha frase de autoconsolo: É... Tó é valorizada! Sou espécime em extinção. De agora em diante, vou querer mais respeito que mico-leão-dourado.
Essa ditadura que se cuide. Qualquer dia nós, gordas, gordinhas, gordotas, cheias, cheinhas , vamos fazer a revolução do século XXI e estabelecer a democracia dos números e das curvas. Aguardem-nos !
Juiz de Fora, 24 de outubro de 2000
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