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Contos-->Fé em Deus -- 03/04/2010 - 13:43 (Fabrício Sousa Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Fé em Deus
Por Fabrício Sousa Costa


Eu, no banco da igreja. Não ajoelhada. Sentada. Tinha um rosário nas mãos. Rosas nas mãos. Espinhos no coração. As grandes feridas nas mãos sangravam no coração. Ajoelhada. Eu sentada. Via as imagens na minha frente. O altar. O sacrário. Não via o padre. Não fazia parte da igreja. Para mim. A missa prosseguia. Eu continuava imóvel, desinteressada, sem compunção. A fé esfriava. Havia dado um cheque-mate na Igreja. Já havia comido o bispo, o padre. Agora estava preste a comer a Igreja. Meus 70 anos de vida não deixavam. Quase todos dedicados à Igreja. Deus. Não sabia mais quem era Deus. Passei a vida inteira tendo fé em Deus. Agora me deparo com dois deuses. “Qual deles é verdadeiro?” Minh’alma deixara de ser muda. Ela indignada diante das contradições. Há anos aprendera que as contradições não eram contradições. Eram provações. Inclinação natural do homem. E naturalmente continuava. E eu naturalmente fingia. O quê? Que não percebia. Ou que era provação? Mas não poderia deixar de perceber aquilo. Como poderia ser cúmplice daquele ato. Em nome do pai, do filho. Logo Jesus. Ele estava do lado oposto. Jesus não compactuaria com isso. O que fazer? O que eu poderia fazer? Abandonar a Igreja. Não acreditar em Deus. Era a vontade que tinha. Bater na cara do padre. Mas eu era apenas uma. Não conseguiria. Seria derrotada. Estava sendo derrotada. O que fazer? Enquanto o padre discursava, eu tentava resgatar Deus do buraco negro que era meu coração. Joguei uma corda para ele. Senti algo pesado na ponta. Respirei aliviada. “É Deus”. Puxei com toda força. Eu era fraca. Minha falta de fé se transformara em um rebocador. Puxei mais forte. Forte. Forte. Já dava para vê-lo ao longe. Aumentei a força. Não estava agüentando. Iria soltar. Era pesado. Puxei mais forte. Era tudo ou nada. Puxei. “!?”. Não era Deus. Era eu. Eu puxara a corda com toda força. A força que não tinha. Não encontrara Deus. Encontrara a mim. Obscura. Minha aparência ao sair do buraco. Manto preto. Havia algo incomum. Fantástico. Minhas pernas eram fortes, jovens. Senti que não poderia fugir de mim. Uma metáfora. Minha vida era uma grande metáfora.

Há 30 anos. Foi a época em que comecei a refletir sobre algumas coisas. Pensei. Li. Adorava ler. Lia sobre religião. Contos, romances, teorias. A religião. Minha vida. Era a religião. Comecei a folhear a bíblia. Já havia lido toda a bíblia. Ester, Ruth, Tobias, Pentateuco, Novo Testamento. Interpretar era a dificuldade. Não poderia destoar da Igreja com pena de estar confrontando Deus. Pensava algo novo. Fechava-o no inconsciente. Apenas o fechava. Não se pode esquecer. Apenas adiar. Atos capítulos II, III, IV. Cristianismo primitivo. Eu estava primitiva. Não questionava. Primitiva demais. Não cristã primitiva. Cristã-moderna primitiva. Sem voz. “Pai, afasta de mim este cale-se”. Chico era a minha voz. Escutava minha voz. Dominar a voz é possível. Seria a mente? Ela não mente. Finge que não entende. O fingimento é passageiro. Eu também queria ser. De outro trem. “Cale-se”. Atos narra os atos. De quem? Dos cristãos primitivos. A curiosidade me envolvera com uma força grandiosa. Algo como uma brisa suave. Como Vivaldi em Quatro estações: A primavera. Vontade de comparar. “Cale-se”. Não conseguia contê-la. Gritava: “Cale-se”. Ela não ouvia. “Será que eu não estava pronunciando a mesma língua?” tentava imaginar um fim-de-semana que passei há anos no Delta do Parnaíba. Em pouco tempo já conseguia mudar de pensamento. Entretia-me com as numerosas ilhas do Delta. As margens distantes do rio. As matas fechadas das margens. As ilhas de dunas. Uma pequena igreja em uma ilha. “Vou rezar um mistério lá”. Lembrei-me da fervorosa oração naquela simples igrejinha. “igreja!” Voltei a pensar em Atos dos apóstolos. Sabia que não poderia resistir ao poder da mente. A inteligência. Não foi Deus quem nos concedeu? “Não para questionar a Santa Igreja”. Fechei a bíblia. Tomei um calmante. Dormi. Acordei. “Cale-se”. Dormi. Acordei disposta. “Cale-se”. Dormir novamente. Minha vida era um constante acorda-dorme. “cálice”. Gostaria de beber uma bebida amarga. Quem sabe, acordaria de uma vez.

Não! Não suportaria o peso que cairia sobre minha consciência. “cálice”. Beberei do mesmo vinho. Doce, suave. Continuaria a me prender à comodidade. Cômoda. A vida assim era cômoda. Minha vida era assim. A comodidade era meu chapéu. Sobre minha cabeça. Adorava vegetar assim. Tudo na mão. “Até o que devo pensar”. Até quando agüentar minha mentira? Pouco. Pensei. Refleti, li aquela passagem. Pensei novamente. Refleti profundamente. Jesus morreu por que pensou. Deu sua vida por amor. A quem? A todos. Sobretudo aos pequeninos. E então? Era a oportunidade. Demonstrar que amo a Deus. O amor não deve ser falado. Deve-se demonstrar. Seria a oportunidade de demonstrar a Deus meu amor. Refleti novamente. “Cale-se”. Não! Não calarei. Poderei aceitar o cálice; não o cale-se”. A dor é grande. Perder o comodismo é dolorido. Enxergar a contradição é sufocante. Que contradição? Daquela passagem bíblica. Igreja primitiva. Igreja contemporânea. “Eu pensado isso em plena Ditadura Militar”. Só de pensar me dava um frio pelas espinhas. Será que o delegado Fleury vai pegar-me? Pegou Frei Tito. E tantos outros militantes da ALN. Pegou tantos outros intelectuais. Vi num jornal. “Mas eu não era intelectual!” Tranqüilizei-me. Por que teria que temer a OBAN ou o DOPS? Ainda era cristã quase conservadora. Idéias subversivas. O bispo. O padre. Eles poderiam trabalhar para os militares. “Silêncio. Cale-se”. Não! Falarei. A Igreja primitiva vivia em comum. Partilhava os bens. Partilhava da fração do pão. Comum partilha. “Espera aí! É ... o comunismo primitivo”. “Cale-se”. Não! Mataria o delegado Fleury afogado. Justiça de Deus. Porco imundo, cão dos infernos. São Frei Tito, rogai por nós! Minha oração era outra. Era a mesma de D. Elder, o Câmara. Era a mesma do dominicano Frei Betto. O pobre. O cristianismo primitivo. O comunismo-cristão primitivo. O cristianismo hoje. Vergonha de Deus. Antropomorfoteicentrismo. Combate o comunismo. E daí? Tudo bem! E o capitalismo? Lembrei de Cazuza: “Os filhos de Gandhi morrendo de fome; os de Cristo cada vez mais ricos”. “Como mudou”. São dois deuses? Um primitivo. Outro moderninho, terno e gravata. Sair da Igreja. Abandonar a fé. Não! “O que fazer?” Lutar. Cristianismo, ser imitador de cristo. Sou fraca. “Pai, por que me abandonaste, se sabias que eu não era Deus, se sabias que eu era fraca”. Agora não poderia voltar. Viver a comodidade. Hipocrisia. Hipocrisia, não! Viver por Cristo. Morrer pelos fracos. Não poderia aceitar a manipulação. Não seria mais manipulada. Não poderia permitir. Lutar pelos irmãos. Lutar contra a manipulação. São Frei Tito, rogai por nós. “Cale-se”. “Não!” Não mais calaria. Beberei agora no cálice do vinho amargo.

Após 30 anos. Estou aqui. Olhando para o padre. Uma homilia tíbia. Natural. 70 anos de idade. Na Igreja. Fraca na fé. Fraca na esperança. Quase não ouço Deus. Ainda preciso ouvi-lo. “O que fizeram com Deus?” Será que o mataram novamente?” Deus caiu no meu poço negro. Fundo. Não consegui resgatá-lo. Por quê, meu Deus? Continuo perseverando na busca. Pouca coisa mudou. Aumentou o interesse pelo Dinheiro. Diminuiu o amor a Deus. O que é a Igreja hoje? E a teologia. “Aceita o sofrimento, a pobreza, meu filho. Eles levar-te-ão para o céu?” O pobre conformado. O padre vivendo o céu na terra. O pobre sai derrotado. “Quero uma teologia que nos liberte. Deus não gostaria de ver os filhos sofrendo. “Teologia da Libertação”. “Cale-se”. Não poderia mais. Acabara a homilia. Acabei minha homilia. Sempre foi assim. O momento do sermão era sagrado. Eu fazia meu sermão. Para os irmãos. Para mim mesma, era o que mantinha minha pequena fé. Meu grande amor.
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