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Contos-->Recontando a história -- 03/04/2010 - 13:48 (Fabrício Sousa Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Recontando a história
Fabrício Sousa Costa


19 horas. Dia 26 de outubro. Heloísa esperava ansiosa o resultado. Batalhara bastante. Renunciara à sua vida. 4 anos de preparo. Viagens. Reuniões. Vivera não para si. Vivera para todos. O cansaço era inevitável. Para atingir seu objetivo era preciso abdicar. Anulá-se. Sonhar com o dia tão sonhado. Imaginar que o sonho poderia realizá-se. O sonho agora poderia não ser apenas sonho. Visualizava a possibilidade. A possibilidade a perturbara. Medo. De perder a vida por mais 8 anos. Por se deparar com a crueldade da vida real. Não brincaria mais com as idéias. Formação marxista. Materialismo histórico e dialético. Luta de classes. Mais-valia. Tudo fizera parte de sua vida. A injustiça cortava-lhe a alma. Já não tinha mais alma. A injustiça a destruíra. No marxismo, o ser faz a história. A história está mal contada. Queria sair do campo teórico. Queria ajudar a fazer a história. Como Ernesto Guevara? Talvez. Che fora muito audacioso. Sonhador. Há vida sem sonho? Não! Entretanto queria ir devagar. Mudança em longo prazo. Introduzir a mudança já! Iria fazer a história combatendo quem faz a história. 500 anos de história mal contada. Quem conta a história? Os mais fortes. Para ela. Paradoxalmente o mais forte era oprimido. Desejaria ver a história contada por outra ótica. A ótica dos proletários. Pelo menos haveria mais justiça. Rasgar a história da burguesia. Roubo. Enriquecimento injusto. Invasão de terras. Manipulação da massa. Destruição da educação. Impunidade. Imunidade. Certa vez, ouvira um pensamento do Pensador. “Ganha grana de verdade/com maior tranqüilidade/porque tem imunidade/no país da impunidade”. Revoltara-se com a verdade do Pensador. “Pobre é encarcerado quando rouba para comer. O roubo é abominável. A fome também. O desespero é cego. Mas o rico não. Quando rouba milhões, não rouba; desvia. Que igualdade perante a lei?” Lei para ela. A invenção do rico para oprimir. Distanciar. Ou será que o pobre ajudara a construir a lei? Certa vez, chegara à sua casa. Cansada. A universidade era quase sua casa. Não estava na universidade. Estava em casa. Ligou a televisão. Tirou o sapato. Mudou para a Record. Boris Casoy. “Idiota”. Boris era idiota para ela. Concordável. Parcialidade gera a descredibilidade. Neologismo? A língua é rica. “Isso é uma vergonha!” Hipocrisia. “Hipócrita!” Mudou para a Globo. Notícia nua e crua. Parcialidade. Sim. “Pelo menos não há hipocrisia”. Menos ruim. A tristeza anunciou uma reportagem. “Uma senhora subnutrida, faminta, desfigurada, sem carne, osso e pele, desesperada, olhos meio abertos, aparência horrível. Caiu. Morta”. A fome venceu-lhe. Perdeu um round importante. A vida. “O fotógrafo jogou uma bala”. Matou a senhora? Não! “Suicidou-se com um tiro. Revoltado”. Ela também ficara. Bestificada. “Como o ser humano é cruel? Tantos com pouco; poucos com tanto”. Conhecia essa frase. O que é conhecê-la? Saber que existe, ou analisá-la profundamente. Revolta. Revoltada ligou o som. Paralamas do Sucesso. “De um lado esse carnaval/Do outro a fome total”. Desligou o som. Apenas aquele fragmento bastava para casar com a imagem. Da mulher morta de fome. Refletia a hipocrisia. Da sociedade? Também. Dela também. “Como fazer festa. Gastar muito dinheiro. Esbanjar comida. Bebida. Luxo. Milhares de pessoas morrem de fome. A cada festa. Milhares de pessoas morrem de fome”. Paradoxo. Festa. Celebração da vida. Fome. Celebração forçosa da morte. Morte e vida. Vida e morte. Tão próximos. Lembrou-se da última festa à qual fora. Ao sair, viu seres Humanos dormindo na calçada. Sem coberta. Sem comida. Com frio. Com fome. Recordara-se da música: “De um lado esse carnaval/ Do outro a fome total”. A fome era total para as pessoas na calçada. Para milhares de pessoas. Revoltada com a injustiça. Revoltada com o capitalismo. “Historicamente, depois do início do capitalismo, a injustiça reinara”. Afirmou sua fé. Renovou seus votos. A Deus? Também! Era mais Marxista que nunca.

Em casa. Nas folgas. Literatura. Ler era seu oásis. Conhecer era seu fascínio. Filosofia. História. Sociologia. Antropologia. A literatura era seu refúgio. A condensação de tudo isso. Um pouco de filosofia, história, sociologia, antropologia. Sentou na poltrona. Pensou no livro. Chamou o livro. Ele desceu do armário. Caminhou até a sala. Pulou no safa. Estava em suas mãos. “Quem é?” Affonso Romano de Sant’Anna. Era o nome de seu companheiro. Camarada. Um livro de crônicas. A vida por viver. Abriu e leu. Era uma crônica sobre um livro escrito por uma chinesa. Falava mal de Mao. Ficou curiosa. Amava Mao. Lera o Livro Vermelho de Mao. A Revolução Chinesa morava em seu coração. Affonso apoiara-se apenas na mulher chinesa. Será que isso bastaria? Heloísa fechou o livro. Refletiu. Não compreendia como Affonso falara tão mal de Mao. Apoiado apenas em um relato. Se alguém falar que JK foi corrupto, ele será corrupto? Falou, tornou-se. Parece mágica. A vida não é mágica. A verdade não é tão relativa. É científica. História. Trabalha com a análise fria dos fatos. Imparcialidade. Heloísa era amante da Revolução Russa. Mas odiava Stálin. Não pelo que diziam dele. Não por que era trotskista. Era historicamente comprovado. Stálin traidor da Revolução. Ditador cruel. Distorceu a imagem da Revolução. Assassino de Camaradas. Como Affonso poderia fazer aquele comentário? Ciência, sim! Parcialidade, não! Ficou magoada com Affonso, apenas magoada. Heloísa pensou em um livro. O Segredo do Baú desceu do armário. Foi à sala. Pulou no safa. Beijou suas mãos. Gostava do tema. O preconceito racial era abominável. Não admitia. Um dos fatos pelo ódio aos EUA. Literatura infantil. Adorava literatura infantil. Possuía a consciência da importância da formação de base. “Uma base sólida, um povo formado”. Casar o romance com um poema. Castro Alves. O Segredo do Baú e Navio Negreiro. Tema forte. Denúncia justa. Dualidade injusta. Branco, preto. Todos Humanos. Seres Humanos. Branco puro. Aqui, não. Então? Era o momento de purificação. Cumprirá um rito. Descansar o espírito. Limpar a alma. Entrou no banheiro.

19 horas. 26 de outubro. Agora era esperar. Controlar os ânimos. Conter a emoção. Havia feito tudo o que poderia. Dedicara 4 anos e a vida. A família. A universidade. Não desejava participar da história. Queria escrever a história. Dialética, é claro. Não a ditadura do proletariado. Mas tratamento igual para a prole. Justiça social. Sociedade injusta. Excludente. Teria dificuldade. Era realista. Racional. Medo da situação. Cuidado com a oposição. “Meu partido é um coração partido”. Fazia par com Cazuza. Ideologia acima do partido. O nome já diz. Partido é partido. O inteiro era sonho. Ela sonhava com o país inteiro. Unido. Junto a lutar. Por isso esperava. Ansiosa. Estava. A esperar. Morar em Brasília. Não gostava da idéia. Gostava de Trotski, Lênin, Mao-Tsé-Tung, Fidel, Guevara. Não os endeusava. Tirava lições marxista-conceituais da vida de cada. Positivas e negativas. Possuía a idéia de que a ideologia poderia trair o ser. Medo da emoção. Era fria. Procurava a imparcialidade. Realista. Buscava a justiça. Se é que ela existe. 22 horas. Estava caminhando para o final. Cada vez mais confiante. Nervosa. Aquele era o ano. Sairia vitoriosa, tinha certeza àquela altura. Brasília a esperava. Uns saindo de Brasília Num Submarino no Lago Paranoá. Outros arrumando as malas para viver por lá. Temporariamente. O tempo é lento. Caminha de vagar. Heloísa tinha pressa. Tinha de reescrever. A história. Será outra. 23 horas. A vitória estava assegurada. As lágrimas agradeciam. A oportunidade. Era o momento de fazer história. Entrar para história.
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