As rodas de ferro iniciaram o movimento rotativo ganindo seco em contato com os trilhos. Aos poucos, foram-se afastando. Aqueles pontos brancos começaram a circular... Indo ao alto e vindo ao chão.
A máquina desprendia imensa força. O calor seco da tarde molhava de suor camisas furta-cores. Tufos de negra fumaça densa e envolvente, objetos da queima de madeira em brasa, subiam bem alto.
A vida continuaria a mesma em todos os lugares do mundo. O jovem sentiu-se nauseado, sem forças nas pernas. Uma pequena tontice o desequilibrou rapidamente. Sentia-se imensamente só. Sozinho no mundo à mercê da ironia da vida. Viu-se também desprezado por Deus, um Deus que antes, sempre estivera presente em sua vida e nunca o abandonara. Por quê permitia tamanha solidão agora?
Estava num deserto. Um deserto cheio de água e gente, porém ambos incapazes de satisfazerem-no, de livrarem-no daquela sensação incómoda de desprezo. Não sabia nem mesmo distinguir o que sentia. Ódio ou saudade? Era-lhe difícil defini-lo.
Uma galinha atónita cruzou o vagão rapidamente, fugindo do barulho e das rodas assassinas, chocou-se em suas pernas, aprumou-se e continuou em disparada para o campo aberto entre pequenas ramas de caatinga.
- Xó desmiolada!
Os olhos tornaram-se pequenos na ànsia de poderem de uma só vez aglutinar todas as visões. A cabeça doía-lhe levemente. O apito saudoso e cortante soou com energia e a máquina empreendeu novamente sua marcha lenta e suave.
Que raiva da vida. Por que tudo teria que ser assim? Quando poderemos viver intensamente sem a preocupação da espera da idade?
Tudo se tornou mais quente. Aquelas casas humildes sem pintura ou com essas já encardidas. Uma sensação enorme de vazio e desesperança. Não mais sairiam alegres e despreocupados por aquelas ruas.
Mais uma vez o apito pungente perfurou seu coração e trouxe lágrimas aos olhos.
Uma vontade enorme de dar cabo à vida ou de lançar-se loucamente de encontro à porta do vagão e pendurar-se, prosseguindo viagem indefinida para gozar a presença da amiga. As coisas dançavam a sua frente, desfiguradas. Não sabia se a amiga estaria a balançar a mão num sofrido adeus ou se as lágrimas faziam-no ver assim. Lá se ia ela, quem sabe também em lágrimas, em busca da continuidade da vida.
Não se sabia quando teve início aquela amizade sólida e doentia. Convenceu-se de que a cada avançar do trem robustecia-se a sua existência. Partia-se o andar juntos fisicamente e se uniam os pensamentos coesos e doravante distantes.
Percebeu que a amiga também chorava e quando o último vagão sumiu, respirou fundo, deu meia volta e imprimiu o passo de retorno ao seu lugar de antes, com a cabeça captando todas a emissoras de rádio do planeta. A estação de trem foi-se aos poucos se distanciando. Parecia um sepulcro silencioso, testemunha muda de um desenlace.
Foi-lhe muito difícil, olhando as nuvens negras que prenunciavam tempestade, crer que ainda haveria algo de bom na vida.