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Contos-->Apenas lembranças -- 03/04/2010 - 13:49 (Fabrício Sousa Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Apenas lembranças

Fabrício Sousa Costa

De súbito, um tapa gritou na face. Ficou perplexo sem esperar a ação. Levou a mão esquerda à face rosada. Levantou paulatinamente o olhar brilhoso até o olhar de Isabel. Mil reações passaram pela mente. A aceleração do coração aumentava na mesma proporção que o filme passava pela lembrança. O filme recebia a influência das memórias dos momentos vivenciados até então. As pernas tremiam sem obedecer o comando das idéias mal formuladas. Sem dúvida, o tapa não apenas marcou sua face; mas a área mais íntima da alma.

O ônibus pára no centro de Regeneração. Aquele cheiro adentrava pelos poros. A sensação que tinha era de está chegando ao céu. A viagem inteira ele pensava nesse momento. Queria, depois de mais um ano, encontrar com os parentes. O momento de encontro no fim de ano era importante para ele. Já era uma tradição para a família. Agora ele estava a caminho para mais umas férias. Tentava enfocar o pensamento no encontro. Não deixava de fazê-lo. Entretanto, a ansiedade apontava para reencontrá-la. Viajara 2000 Km para vê-la mais uma vez. Os Festejos de São Gonçalo eram a oportunidade de estarem juntos.
Vladimir desceu devagarzinho daquele ônibus velho da empresa Transbrasiliana. Aquele momento de descer do ônibus era único. Por isso, queria aproveitá-lo saborosamente. A intenção era brincar com a ansiedade. Era fazer o coração bater mais forte. Era fazer com que o filme passasse, agora, rapidamente pela alma. A alma batia forte. O corpo levitava sobre os degraus do ônibus velho. O primeiro pé a beijar o chão foi o esquerdo. O direito agora fazia par com o esquerdo naquele asfalto quente. Caminhou pela praça em frente ao Banco do Brasil, carregando sua bolsa de viagem. Aquela paisagem rejuvenescia seu espírito. Mirou a rádio Cacique Bruenque ao lado da prefeitura. Parecia que tudo estava em ordem conforme deixara no início daquele ano. Ao dobrar a esquina, já se encontrava na rua de sua avó. Estava à distância de 100 metros da casa da anciã. Queria ir devagar, passos curtos, para brincar novamente com sua alma. Fazia que o filme não passasse, voasse na mente. Parou defronte para a porta da sala, junto à escada. D. Raimunda estava em sua poltrona, sentada de frente para a porta. Não o reconheceu; suas vistas não eram boas. Vladimir apresentou-se como o novo padre da cidade. D. Raimunda alegrou-se com a visita do sacerdote. Ao entrar, sorrindo, deu um abraço em sua avó. Estava em casa. A vida havia recomeçado. O filme parou para gravar uma outra parte: as férias daquele ano.

Ficou feliz por encontrar a avó e a tia. Elas moravam juntas. Todo ano Vladimir chegava antes dos festejos. Teria que esperar. Os outros entes chegariam da capital. Pouco tempo e a família estaria completa. Até lá, Vladimir ora ficava sentado na calçada observando o tempo, ora jogava intermináveis diálogos com a avó. Observava às vezes o primo jogando partidas de Dama com D. Raimunda. Sempre brigavam. Ela o chamava de banjista. Não prestava atenção às jogadas, embora fosse bastante desconfiada. Dizia que seu neto havia mudado de lugar desonestamente. Também dividia o tempo com passeios pela praça, visitas ao padre Borges e à tia Teresa. Teresa morava a uma rua de sua mãe Raimunda.
Enfim, os parentes começaram a chegar a Regeneração. Em pouco tempo a modesta casa estava cheia. Crianças correndo de um lado para o outro, jovens conversando na calçada, filhos e netos brincando com a anfitriã... ainda faltavam alguns. Apesar de se alegrar com a presença dos parentes, ainda falta alguém muito importante. Naquele momento, a ansiedade voltara à alma. As férias seriam outras sem a presença dela. Vladimir sorridente brinca com os familiares para disfarçar a angústia que sentira. “Mais um pouco e ela estaria lá também”. O pensamento não admitia a possibilidade da ausência dela naquele ano.
Vermelho. Vermelho era a cor da esperança. O Vermelho preencheu a alma de Vladimir. O azul parou defronte à porta da sala, junto à escada. A esperança estava na mesma posição na qual Vladimir a encontrara quando havia chegado à casa de D. Raimunda. Ele levantou do sofá da sala, onde estava sentado. A ansiedade concedeu lugar ao nervosismo. Ou será que foi à alegria? Não sei! Só sei que lá estava ela. “Oi, tudo bem?” foi a concessão para um beijo. O beijo é a expressão de carinho. É o momento de partilhar um sentimento transparente com uma pessoa querida. Apesar do beijo adquirir outra conotação hoje, para Vladimir o beijo ainda era uma ação carinhosa e restrita. Ele somou o beijo ao abraço e adquiriu como resultado o paraíso. “Como está o pessoal, Vladimir?” Foi o início.

O ambiente familiar paradoxalmente os afastou. Ambos não se entristeciam por isso. O ambiente familiar unia a todos. Todos agora seriam um. À noite, todos não eram um. Todos eram dois, três, quatro. Foi o momento propício para convidar Isabel para um passeio na praça da igreja matriz. Conversaram horas. Havia algumas interrupções de primos ou conhecidos. Voltavam a ficar a “sós”. Não havia beijos. Havia abraços. Carinho nas mãos. A impressão de que se tinha era que ambos optavam pela tortura. Sem beijo. Sem assumirem o sentimento. Sem confessarem o que é perceptível aos olhos de outros. Os ciúmes que sentiam eram a prova concreta daquele sentimento, às vezes, perverso. Não assumiam, entretanto não negavam.

Um telefonema derrubou a imagem de durona, da qual Isabel travestia-se. Até então, ela ambiguamente demonstrava amor e ódio. Ora suave, ora selvagem. Vladimir era doce, mas sabia ser azedo. Amargo se precisasse. Fiel a si mesmo. O telefonema. Vladimir atendeu ao telefone. Sábado à noite. Primos nas festas. Casa vazia. Apenas D. Raimunda, Isabel, duas ou três tias e Vladimir. “Alô”. Era Tati. Ex-namorada de Vladimir. Ex-amiga de Isabel. “Tati, sua voz acordou minhas lembranças”. Conversaram por alguns longos minutos. Estava no quarto de sua avó. Isabel entrava e saia do quarto. Poeticamente inquieta. Sentou ao lado de Vladimir com um Neruda na mão. Folheava Neruda vagarosamente. As palavras de Neruda misturavam-se com as palavras de Vladimir ao telefone. Tomou o telefone de sua mão e o beijou. Foi um beijo longo. Doce. Voltou a si. O telefone estava na mão dele. Fechou Neruda e agarrou o telefone. Ele a empurrou. Ela saiu nervosa.

Estavam sentados no banco da praça em frente à matriz São Gonçalo. Isabel deitou no colo dele. O rosto foi vagarosamente acariciado por ele. Naquele momento, estavam os dois a sós no céu. Pele com pele. Voz contra voz. Sentimento amando sentimento. Um beijo na testa, outro nas mejilhas rosadas. O tempo passou, mas, para eles, havia chegado há pouco. Não havia conversado. Vladimir disse que a amava. Ela espantou-se. Não esperava aquelas palavras. Estava em pé olhando para ele. Vladimir olhava profundamente sua alma. Aproximaram-se. Os lábios encontravam-se. O momento mais importante da vida, até aquele momento, chegara. Boca com boca. Tempo sem tempo.


De súbito, um tapa gritou na face. Ficou perplexo sem esperar a ação. Levou a mão esquerda à sua face rosada. Levantou paulatinamente o olhar brilhoso até o olhar de Isabel. Mil reações passaram pela mente. A aceleração do coração aumentava na mesma proporção que o filme passava pela lembrança. O filme recebia a influência das memórias dos momentos vivenciados até então. As pernas tremiam sem obedecer o comando das idéias mal formuladas. Sem dúvida, o tapa não apenas marcou sua face; mas a área mais íntima da alma.

Longe de Regeneração, Vladimir recordava, em silêncio, os anos pelos quais caminhou o tempo. “Tantos anos, apenas desencontros”. Lembrava-se das cartas que iam e viam, dos encontros, das viagens, dos sentimentos aleijados... Inspirado pelo silêncio do sentimento, escreveu um poema. “Um grito em forma de poema. Um grito poético”.


Eram cinco da manhã,
Ela lá estava acordada e pensativa
Em seus olhos, as olheiras
Marcam seus anos de sentimento
Que sentimento forte que até hoje há?

Não sei se há! Só sei que lá está ela
Pequenina, frágil, cabelos livres,
Raquítica de suas certezas.

Seu olhar perpassa os tempo, os anos,
Chega feroz a uma certa década
A lembrança deles naquela praia.
Naquela inocência.
Naquele sentimento penitente
De quase um amor profundo
Que os marcaria por muitos anos.

O mar não era mar,
Eram apenas as lágrimas acumuladas
Da presença dos dois na imensidão
Do amor – por mais juvenil que fosse.

As cartas, ah, como as cartas falavam?!,
Os gestos que elas expressavam,
Acariciavam suas faces com o perfume da incerteza
Preenchiam as mais remotas esperanças
De um duradouro quase amor.
Será que eram as cartas? Ou será que
Era meu coração.

Não sei! Só sei que lá estava ela,
Introspectiva, tentando formar
Um mar com seus sentimentos quimicamente materializados

Hoje não restam esperanças,
Restam apenas lembranças das atitudes
Que, certamente, não foram pensadas.
E que hoje fazem restar apenas lembranças.

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