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Contos-->Há 2000 anos -- 03/04/2010 - 13:50 (Fabrício Sousa Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Há 2000 anos


Ao entrar na Sinagoga, sábado pela manhã. Foi nesse exato momento em que parou para refletir. Moisés e as tábuas de pedra. O decálogo. As leis que serão reformuladas. “Ninguém formula as leis de Deus; Deus é eterno”, furiosamente fecha o período. As aspas quase não acabaram de ser fechadas e Saulo mergulha numa profunda oração sobre os preceitos da fé judia. Lembrou-se de quando havia visto homens, “ditos religiosos”, trabalhando numa lavoura no dia de sábado. A expressão facial cada vez mais se cerrava num tom acinzentado, uma mistura de incompreensão e fúria. “Como agridem descaradamente Deus e ainda o faz em seu próprio nome?” Em nome da fé, não conseguia mais aprofundar o pensamento, precisaria da ajuda da religião. “Como mudar as ordens de Deus?” O velho fiel continuava em oração. Lembrou-se de um homem estranho que vira curar um cego em pleno dia sagrado. O tal homem, dono de uma inquestionável oratória, exalava tranqüilidade. “Quando o vi curar o jovem cego de nascença, senti uma mistura de raiva e de alegria. Raiva porque não respeitou o dia sagrado, não o guardou. Alegria porque o jovem cego, todos o conheciam há tempos do mercado, deixou a obscuridade para se deliciar com as belezas da natureza”. Chegando a casa, pôde confrontar seus sentimentos e ensaiou uma conclusão: “Se desrespeitou o dia sagrado de Deus, o poder de cura não pôde ter vindo do Ser Supremo”. Continuou a oração sem tirar o tal Jesus de Nazaré da mente. “Ora, onde já se viu profanar o dia sagrado em nome de Deus”.


Saulo recebeu um comentário de um religioso: “Saulo sempre foi uma referência religiosa; a extensão das leis de Moisés”. Embora fosse de liderança reconhecida, não fazia parte do Sinédrio, portanto não era nenhum doutor da lei. Entretanto, a lei era sua doutora. “Como poderíamos nos organizar em sociedade”, refletiu uma vez em uma Sinagoga. Portanto, reconhecia o valor da fé fora do campo religioso. Politicamente, a fé representava bastante força na sociedade. Quiçá, por isso, alguns segmentos judeus se organizavam a fim de lutar contra o domínio romano. Barrabás era considerado radical porque não cria numa luta pacífica. Achava que somente conquistariam a liberdade após uma guerra de guerrilha. “Esse rapaz não é bem visto aos olhos de Deus”, soltava algumas letras pensando nos mandamentos. Enquanto isso, Barrabás meditava: “como líderes religiosos podem pregar a submissão aos romanos em nome de Deus se foi Ele quem nos libertou das mãos dos egípcios. Ele nos libertou verdadeiramente ou nos conduziu a outro cativeiro?”

Cada vez mais, Saulo se fechava em suas convicções religiosas, renegando novidade de qualquer natureza. Saiu sábado pela manhã com a bíblia da Alexandria a fim de fazer uma reflexão. Desceu pela rua, rumo à Acrópole. Antes de chegar à praça, desceu três quarteirões até andar paralelamente à rua ao lado do Jordão. Sabia que não seria bom passar pela rua dela. “Ela envergonha a raça humana. Não há escapatória para ela”, iniciava seu momento de reflexão. Entretanto, não poderia deixar de apreciar aquela beleza. “A natureza aqui reforça a existência de Deus”. Saulo sempre fora muito religioso, porém sem o reconhecer verdadeiramente. Ele sabia que o encontro nunca fora iniciado; fazia de conta que eram companheiros. Parou antes de se aproximar mais da rua dela. Sentou numa pedra, que mais parecia um assento de mogno. De tanta inspiração da natureza ao esculpi-la. Folheou o livro dos setenta intérpretes. Adorava o livro de eclesiásticos. Embora fosse conservador, gostava das vozes carregadas de discursos sociais, que ouvia daquele livro. Leu três capítulos e parou para refletir as vozes mudas da fé. Continuou a leitura vagarosamente como se lesse Batismo de Sangue de Frei Betto. Não fora de propósito, mas adorava o número treze. Havia lido três capítulos, mais dez, totalizou treze capítulos lidos. Ficou estático por quase três horas seguidas, olhava apenas o vento namorando a água, que brincava de dançar , ali. Encheu o peito de ar, muito ar e, no fundo, admirou-se por ser um exemplar filho de Deus. Sentiu-se o braço esquerdo de Deus, como se sua vaga já estivesse garantida no reino celestial.


Levantou-se daquela pedra-cadeira, espriguiçou-se e rumou para a rua indesejada. A via crucis para ele era aquele caminho. Para vencer o sofrimento, necessitava completar seu percurso. Subiu na esquina seguinte à esquerda. Caminhou pela rua de cima. Faltavam apenas duas ruas para dobrar novamente à esquerda e chegar à rua dela. Apenas a alguns metros de virar à esquina, Saulo deixou cair a Alexandria de nervoso. Correu o livro sagrado no chão e o segurou contra o peito. Já poderia avistar a casa dela a poucos metros de onde estava. Não havia ninguém por lá. Agora já estava a poucos metros da porta da casa dela. Passaria e não olharia, firmou um compromisso consigo mesmo. Baixou a cabeça quando já estava quase rente à porta. Ela se abre abruptamente, expondo as pessoas que saiam de lá. Ficaram de cara a cara. “Essa puta sem vergonha, destrói a imagem de nosso povo temente a Deus. Prostituir a morada de Deus por míseros trocados de coroa!” Baixou a cabeça e saiu apressadamente. Enquanto ela o olhava envergonhada e no fundo se maldizia. Queria ser diferente. Não desejaria continuar se prostituindo por nenhum dinheiro. Adoraria ser respeitada como qualquer mulher de família da província.

Enquanto isso, o ser-curador estava do outro lado da cidade pregando suas idéias a qualquer pessoa que as desejasse ouvir. Uma multidão se formava ao redor dele. Aleijados, coxos, doentes, prostitutas e até cadáver chegavam ao local da pregação. Inocentemente o ser-misterioso concentrava atenção em torno de si. O fato é que era curioso observar como um elemento franzino inteligente, questionador de paradigmas, revolucionário, conseguia conquistar tanta confiança. Não poderia desconsiderar que o motivo pelo qual concentrava atenção estaria ligado às curas realizadas por ele. A multidão já ouvira falar sobre as curas ocorridas na região. Alguns não presenciaram, é verdade, entretanto vários outros puderam constatar com os próprios olhos, “o confrontador da razão”. Não se pode negar que há uma grande dificuldade em acreditar em todas aquelas curas, ressurreições, expulsões de demônios. Entretanto, o ceticismo demasiado pode ser sinônimo de ignorância. “Como balancear esses dois sentimentos?, penso sempre sem encontrar resposta materialista”.

A voz meio rouca do pregador encantava pela firmeza de cada palavra proferida. As palavras eram expulsas de si com paixão, uma grande mistura de encantamento e fé. O que é a fé? Acreditar firmemente naquilo que não se pode atestar empiricamente. O pregador entoava som bem marcado com uma forte convicção, conseguia persuadir apenas com sua firmeza. Como explicar tudo aquilo com a voz da razão se racionalmente não se pode explicar? Os comentários que se faziam sobre ele apenas contribuíam para aumentar admiração por sua pessoa. A multidão o escutava atentamente. Talvez por ele ser dono de uma poderosa oratória ou pelas curas realizadas ou, ainda, pela sensibilidade. Se a última hipótese estivesse correta, haveria muitos novos religiosos. Poderia existir, talvez um ponto conflitante: as idéias do novo “profeta” não eram tão diferentes das dos profetas que o precederam, todavia o radicalismo com o qual concordara e algumas reformulações das leis iam de encontro ao judaísmo. O Sinédrio se reunia várias vezes para discutir os caminhos trilhados pelo “profeta”.

Depois de ouvir falar sobre o lugar onde o “profeta” estava pregando, Saulo deixou sua casa rapidamente e foi ao encontro dele. “Não quero perder nenhum detalhe da pregação”, correu a fim de alugar uma mula. “Quanto custa a hora do animal?” “Duas coroas uma hora e meia. Se passar de uma hora e meia, pagará apenas duas coroas mais uma por cada hora excedente”. Saulo tentou negociar um valor menor, mas estava com tanta pressa que nem pediu pela segunda vez. Ao chegar, amarrou a mula em uma árvore, sentou numa pedra para melhor ouvir o tal pregador. Sentiu uma enorme vontade de ir ao rio, a poucos metros do lugar, para dar água ao animal. Embora não fosse ruim com os animais, nunca havia se preocupado. Ao se aproximar do rio, lentamente, admirou-se com a imagem de seu rosto refletida na água. Descobriu, nesse momento, pela primeira vez em sua vida, que era uma pessoa, um ser humano. Foi aí que percebeu o quanto era especial para a humanidade, pois era um ser agente. Não precisava mais de nenhum auxílio racional. Sentiu-se importante. Um ser humano sensível, estava próxima de se apaixonar pela sensibilidade. Deu água ao animal e voltou para a pregação. Observou atento o “profeta”, agora com outros olhos. Tentou por várias vezes fazer ligações entre o que ele falava e os pensamentos de alguns filósofos. Percebeu que a falta de estudo de filosofia universal o impossibilitou de entender melhor. Desde o tempo em que entrara para o curso religioso, na Sinagoga, perdera o gosto pelos estudos. Como a Igreja não aproveitava os conhecimentos filosóficos gerais, não percebera a utilidade até então. Mas, agora, tudo havia mudado. Estava literalmente, diante do profeta.

No primeiro dia da semana, foi bem cedo pela manhã visitar o Sinédrio. Ouviu atentamente os doutores da lei discorrerem horas sobre o tal “profeta”. Manifestou-se vez ou outra, mas preferia ouvir a falar. A opinião era quase unânime. A maioria dos membros condenou o “profeta” ao silêncio. As pregações deveriam ser suspensas imediatamente. Os membros do Sinédrio foram mais radicais acerca dos milagres. Estaria proibido, também, de realizar curas e milagres, pelo menos até descobrirem donde vinha aquele poder. Embora já possuíssem quase certeza de que era oriundo das forças demoníacas. Apenas dois membros de doze se posicionaram contra a punição. Saulo, apesar de não ser membro ativo, absteve-se – Saulo fora convidado para a reunião graças ao prestígio que gozava entre os gestores da fé. Sem mais a fazer naquele momento, a discussão fora encerada.

Dois membros receberam a santa incumbência de levar o veredicto da condenação ao “réu”. Terminada a reunião, saíram em direção à praça. “Lá, sem dúvida, informar-nos-ão o local exato do homem-misterioso”, afirmou convicto um dos membros. Na praça, foram informados, por algumas pessoas, da localização do sentenciado. Rumaram de jegue para lá. “Religiosos não pegam o transporte, portanto não podemos deixar de usufruir nosso santo direito”. O percurso não foi muito rápido. Entretanto, chegaram a tempo para presenciar um dos milagres ministrados pelo “profeta”. Um garoto fora vítima da maldade humana. Perdeu os dois braços, porque se recusara a baixar a cabeça para forasteiros. De um só golpe, romperam os membros do garoto que foi ao chão imediatamente, talvez de lá, pudesse ver melhor seus braços se debatendo ao jorrar sangue. Desde então, o garoto perdera uma parte considerável da vida. Não perdeu a esperança diante de um profeta-desconhecido sobre o qual reinava poderes divinos. Foi ao encontro do “profeta”, com muita fé. Em uma Sinagoga, fora acolhido pelo milagreiro como se já se conhecessem fazia anos. Sentou o garoto no chão e perguntou seu nome. “Talito Cume, mestre”. A multidão de admiradores os cercava silenciosamente atenta. O profeta proferia algumas palavras inteligíveis. Estava bastante compenetrado. Lentamente seu braço esquerdo se levantara trêmulo. Os olhos fechados e uma expressão facial muito séria. Parecia que aquela ação lhe consumia muita força. De pronto, uma luz forte o irradiou e se deslocou na direção do garoto. A medida em que a luz se aproximava, os braços nasciam. De modo que, quando chegou ao garoto, seus dois braços já estavam no tamanho natural. Todos gritavam milagre em um uníssono.

Alguns poucos minutos depois, os dois representantes do Sinédrio interromperam a festa, mesmo extasiados com o ocorrido. Comunicaram-lhe a punição sofrida e comentaram em voz alta: “temos de analisar seu comportamento e seus poderes metafísicos, pois eles podem vim de Deus, todo poderoso, ou, também, do demônio”, ao falar a palavra demônio, frisaram com um tom de ironia. O profeta foi tomado de uma súbita emoção e disparou indignado: “raça de víboras, vocês são como a desgraça da humanidade, lindos e belos por fora, mas dentro cheios de podridão. Vocês comem formiga e arrotam camelo. Hipócritas!!! Vivem uma vida de rei enquanto o povo padece na miséria e dizem isso ser decorrente da escolha de Deus. Capitalistas filhos-da-puta” – essa foi a primeira vez em que se ouviu a palavra capitalista. Dito isso, o “profeta” pegou um pedaço de pau e destruiu o comércio que faziam no templo de Deus. Exterminou tudo o que faziam, relacionado à fé, para ganhar dinheiro. “Bandidos, lacaios, covardes”, essas foram as últimas palavras do “profeta” naquela Sinagoga.

Quando informados, os doutores da lei, indignados, foram ter com o governador de Roma na colônia. Exigiram a pena de morte para o subversivo ligado ao demônio. Após um acerto político, troca de favores, foi emitida a ordem de prisão para o profeta. Em tocaia, enquanto a diligência oficial ia cumprir o mandado de prisão, alguns guerrilheiros seus resistiram e mataram pelo menos trinta soldados romanos. Por conseqüência, vários guerrilheiros foram feridos e o profeta-líder espancado. Fora pregado em uma cruz de cabeça para baixo sob o olhar de inúmeras pessoas que gritavam: “traidor do demônio, enganador, vagabundo”. As mesmas pessoas, que se beneficiaram com os milagres ou assistiram aos milagres ou estava contritas de coração por conta das palavras sopradas por ele, eram as primeiras a amaldiçoá-lo. O “profeta” de cabeça para baixo lançava um olhar firme, compenetrado, contra as pessoas que o xingavam. Observava tranqüilamente aqueles desgraçados, mesmo com os pés e as mãos sangrando por causa dos pregos em que o sustentavam. Pouquíssimas pessoas choraram com piedade. A essas pessoas, ele lançava um olhar cheio de compaixão e misericórdia. Pensava amiúde em que poderia fazer para se livrar daquela situação, além de dar uma lição naquelas pessoas desgraçadas. Deixava o tempo correr mais um pouco para se indignar com os comentários dos espectadores. Olhava firme para um senhor que o difamava e fazia gestos obscenos ao mesmo tempo. No ápice da indignação, começou a proferir palavras inteligíveis de olhos fechados. Já não mais escutava os palavrões dirigidos a ele. Apenas mentalizava Deus supremo e justiceiro. Achava uma injustiça ajudar o povo e ganhar como reconhecimento a humilhação.

A tarde de sol foi convencida por uma enorme tempestade a dar lugar às trevas. Dos vários raios coloridos no céu, apenas um caiu sobre o lugar onde estavam. O velho obsceno e difamador foi agraciado com o raio desgarrado. As pessoas não conseguiam sair do lugar onde estavam de tão intensa a tempestade. O tempo se tranqüilizou, à medida que chorou intensamente pelo profeta. As pessoas posicionadas nos lugares mais baixos morreram afogadas. Os que não morreram, presenciaram uma visão surpreendente: o profeta flutuando sobre o ar. Olhava nos olhos de cada um que o maldizia. Levantou a mão. O dia, até então noite, voltou a ser dia gradativamente. As pessoas trocaram a expressão de terror. O motivo pelo qual mudaram o semblante marcou o contentamento por estarem longe da obscuridade, mas cortava como uma foice. O profeta iniciou um discurso como nos tempos de cura. A multidão ouvia atentamente, não tanto pela consideração, mas por medo de obscurecer de vez. Foram poucas as palavras que constituíram o discurso. Uma luz gloriosa surgiu de sua mão, de modo que quem olhasse para ela, dos que haviam maldito o profeta, fosse ao chão sem vida. Apenas os que choravam por compaixão sobreviveram, agora com a fé fortalecida. Como última parte do processo de purificação, o profeta disse: “eu vim para que todos tenham vida, mas não tolero injustiça”. Uma pessoa levantou a mão para chamar a atenção do profeta e disse: “mas, mestre, o senhor não nos ensinou a perdoar?”, perguntou piedosamente. O profeta retrucou: “ensinei! Perdoar deve ser o resultado de uma reflexão. Ser sempre submisso é reconhecer a perda do caráter e da auto-estima.
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