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Contos-->O desconhecido de mim -- 03/04/2010 - 13:58 (Fabrício Sousa Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O desconhecido de mim
Por Fabrício Sousa Costa

Contar os degraus da escada? Deslizar vagarosamente pela Praça do Relógio. “Ambiente fantástico”. Jardins, flores, árvores, pombos, bancos. Deslizar pela praça era um ritual religioso para ele. Sentar em um banquinho. Flertar com os pombos. Atirar milho aos pombos. Alimentar a alma, a vida. Frear o tempo, poder dedicar-se a esse ofício. Mas não poderia. Deslizava rumo ao metrô. Andar vagarosamente o enchia de paz. Fazia que se sentisse alheio ao mundo. Sozinho na multidão. Não esperava o trem. Esperava a vida chegar. Nunca lhe interessou a demora do trem ou a rapidez com a qual o interrompia. Olhar os trilhos vazios era como se olhasse o mundo vazio. Dentro de si. Havia um ambiente próprio para a reflexão. Uma ou outra pessoa invadia-lhe o mundo; logo voltava a si. Se se encontrasse, se perderia. Ele e a plataforma. Religiosamente um ambiente vocacionado à poesia. Ria. Do Rio. O Rio que passava interiormente pelas artérias. Não sentia o Rio pulsar no corpo. É claro! Não sentia a vida. Ou não tinha vida? Vivia pensando que não a possuía. Entretanto possuía. A vida alheia à vida. Um grande ruído arranha os ouvidos. “É o atrito de toneladas de peso sobre o ferro no chão”. Uma luz forte no fim do túnel. A vida enche-se de luz. Via-se na escuridão. Ele chega. A minhoca de ferro já está parando. Entrou no trem e se sentou. A leitura matinal da revista Istoé era sagrada. Lia desejoso que a viagem durasse a eternidade dos sonhos. Queria que aquele fosse o último ambiente. Apenas uma coisa tirar-lhe-ia a atenção: pessoas sem direito ao assento preferencial utilizarem-no. Levantava para dar lugar aos idosos. Fazia parte da índole alheia ao mundo real. Quase ninguém fazia mais aquilo. A vida para o trem prosseguia, para ele, estava congelada.

Assis estava assistindo às aulas na faculdade. Cursava as letras. Adorava as letras. Às vezes, as misturava. Mas adorava-as. Gostava de estudar sozinho. A sala de aula era uma tortura. Lá, ele mais estava no mundo do que em seu mundo. “Estou entre pessoas conhecidas”. Não alcançava a introspecção naquele ambiente. Precisava fugir da sala. Sempre o fazia. Abstratamente. O espírito, literalmente, saia do corpo. O corpo idiotizado ficava lá parado. Atento. Ao mundo exterior refletido no interior de sua expressão psicológica. Acendia um Havana. O Havana o transportava ao paraíso, bem longe da terra. A matéria, cegamente, ignorava tudo à frente. Essa era a rotina diária da qual participava. Nem Silvana poderia resgatá-lo da viagem. É verdade que muitas vezes ela o prendia. Atraia-o com seus cabelos longos e lisos. Olhos úmidos e castanhos. Pele lisa e parda. Boca pequena e gostosa. Voz doce e mágica. A proximidade que mantinha de Assis dava a ele subsídios para caminhar fora dos sonhos. Silvana dos beijos ousados. Do cheiro hipnotizador. “Feiticeira”. Quase amor da minha vida. Assis não sabia se Silvana era real. A maior parte do tempo cria que ela não existia. Ao mesmo tempo em que desejava viver com ela. Uma história eterna. Uma vida duradouramente finita. Será que Silvana era a causa da bestificação de Assis? Apenas os dois poderiam responder. Eu, na qualidade de observador contista, jamais poderia afirmá-lo. Silvana, mulher misteriosa que deixou marcas reais. A aula acabou. A matéria completou-se. Assis voltou. Ao duplo mundo.

Ligou Caetano sábado à noite. Em seu quarto, ele, Caetano e O mundo de Sofia. A leitura excitante de Gaarden o tirava efetivamente do mundo. A cada volta, um mundo mais desgraçado surgia-lhe. Adoraria fugir da realidade. De vez. Em quando, em quando pensava ir de missão para Angola. África dos sofridos. Dos esquecidos pelo G7. O lado desumano da desigualdade social. Fechou Gaarden. Mudou de roupa, pegou a carteira, a chave do carro, os óculos e foi ao cinema. Filme brasileiro. Queria assistir a um naquela noite. A espera pelo início do filme causava-lhe angústia. Entretanto, ao apagar as luzes, ele poderia sair por duas horas e meia. Descansar verdadeiramente do corpo. Viajar com a cultura. Silvana e o Prisioneiro. Não conseguia imaginar que era o prisioneiro. De repente uma grande imagem sua surgiu. Era o filme na tela. “Será que Silvana não é um fantasma que veio para me assombrar? E por isso estou preso aqui nesta tela?” Sem responder, concordou que lhe tirou a paz e lhe deu a vida. Silvana e o prisioneiro. Achou o filme belo. Maravilhoso. Comédia romântica. “O casal principal completava-se”. Duas horas de paz idiotizadas. Não sabia qual era o gênero que impregnava a vida. As luzes acendem-se. Silvana desapareceu e o prisioneiro fugiu. A expressão psicológica volta a habitar a matéria. A viagem acabou. O drama recomeçou. O cinema esvaziou-se. Ele ficou. Esperando encontrar-se. Com ela? Talvez! Levar a matéria para o encontro. Com a realidade que o completa. Completaria infinitamente enquanto durasse.

Assis, no trabalho, é como uma máquina. O jornal transforma-o enfeitiçadamente. É o único lugar real para permanecer na realidade. As colunas escritas por ele são carregadas de paixão. A missão na África começa ali no jornal. A oportunidade de ir para o campo de batalha. Máquina da vida. A reanimadora. A única realidade real. Escreve, geralmente, as matérias em plena Praça dos Três Poderes. Gostaria de legislar, posicionar-se com justiça e executar os artigos da vida. Sentir o ar mágico de Brasília. Cheiro encantador de cerrado. O céu colorido com a Bandeira do Brasil. Defronte para o Palácio do Operário. Por ali o fantasma da Silvana não poderia assombrá-lo. “Fantasma. Poderia ouvir-me?” Não gostaria de confiar. Não sabia se ele habitava no interior do ser. “Melhor não apostar”. Deixou Silvana para depois. Precisava dedicar-se ao trabalho. Deveria escrever, apenas escrever. Fortalecer o Mercosul era um de seus ideais. Todos os quase fracos unidos. O presidente era a esperança. O medo foi vencido. O sonho bolivariano não foi vencido. Era o primeiro passo para uma África livre. O que há entre Mercosul e África. Tudo! “América, voz dos oprimidos”. Assis tem a certeza. A esperança também. Não apenas espera, escreve. Caneta na mão, mundo no coração. “Silvana, agora não!” Silvana poderia ter a vida inteira pela frente.

Assis foi amanhecido pelo dia. Toda cena dos últimos anos se repete. A vida reprisa-se. As ações imitam as ações passadas. Tudo é igual. “Igual, não! Pode até ser parecido; igual não. A Praça do Relógio não é a mesma. Os pombos não são os mesmos. Não estão na mesma quantidade. Podem não estar sendo alimentados. Pode haver algum moleque sem alma que queira machucá-los. Eles podem voar sem que nada de mal aconteça. As flores podem estar murchas. As árvores sem folhas. As pessoas na plataforma, sem dúvida, não são as mesmas. A força de energia que impulsiona o trem não é a mesma. O interior de Assis não é o mesmo. A matéria dele tampouco. Poderia estar alheio ou não à realidade. Poderia acontecer algo pior: Silvana poderia talvez ter ido para sempre e levado a única gota de narcótico para fazer Assis viver. Assis compreenderia. A vida não é estática. Embora, para alguns, ela nunca deixe de ser um ponteiro quebrado de um relógio milenar.
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