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Contos-->A inspiração genuína -- 04/04/2010 - 21:21 (Fabrício Sousa Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A INSPIRAÇÃO GENUINA


A caneta e o papel juntos adornam um grande desafio: conduzirem-me a mais um conto. A harmonia oriunda do som onomatopéico da inspiração quimicamente materializada caia sobre o telhado. Na varanda, ia ao encontro dela. Gostaria de molhar-me. De súbito, volvi à mesa e estava novamente diante do meu mais recente desafio. O tempo. Às vezes, o tempo enfraquece a inspiração. Não creio que ela se esvaia do nada, todavia a prática de vivenciá-la se debilita. Somente me resta uma ação para reativar todo o processo inspirativista. Quando garoto, adorava heróis em desenho animado, super-homem, capitão-américa, superamigos. Quando jovem, sentia falta. Desses heróis? Não! Dos heróis brasileiros. Diante da maturidade, reconhecia nos heróis do tempo de criança um símbolo, todos representavam a cultura estadunidense. A cor da bandeira dos E.U.A., as ações eram nos E.U.A. Parei para abstrair isso, e não consegui identificar um símbolo brasileiro. Uma referência nacional para nosso país. Por onde estão nossos heróis? “Bem que o Virgulino Lampião poderia surgir em um desenho animado amarando o super-homem e dando coronhadas em sua cabeça”, desabafou sentindo-se enganado por anos de existência.
Pensei em publicar um anúncio de jornal, procurando um herói nacional. Escreveria: “Estamos em crise de herói, buscamos uma identidade”. Identidade. Eis a verdadeira palavra, identidade. Por anos venerou a cultura estadunidense como se fosse a sua pátria. Os programas de televisão efetivamente conseguem formar identidade no povo, concentrar o povo em torno de uma causa. Era o que precisávamos. Firmar nossa identidade, unir nosso povo em torno da cultura brasileira. Xenófobo? Não! Nacionalismo urgente. A questão é encontrar um herói que unisse verdadeiramente o povo em torno de uma causa nacional. No contrário, deveríamos decretar o dia de nossa dependência nacional. Olhei a caneta e o caderno ambos sobre a mesa e resolvi guardá-los por enquanto. Depois de escrever, “Escritor em crise de identidade, escritor em busca de um herói”.
Uma semana depois, lembrei-me de um show a que assisti em uma praça no Rio. À época já gostava de Caetano Veloso. Anunciaram que Caê estaria por lá. Na espera de seu anúncio, eis que surgiu no palco um desconhecido muito esquisito. Cantou uma música, a princípio, mais esquisita ainda: Avô Raí. Ao mesmo tempo em que era esquisita, encantava com sua letra confusa. Anunciaram-no como Zé da Paraíba. O público todo ficou parado, quieto; porém muito atencioso à música do Paraíba. Cantou, na segunda música, uma de Caetano: Índio. A voz de Zé da Paraíba unida com sua expressão despenteada conseguiu concentrar toda minha atenção. Transcedentalmente, viajei na rigidez das palavras atiradas contra o público. A palavra índio foi atirada contra meu peito, de modo que ficou impressa em minha alma. Cai em transe, ninguém percebeu nada. Sentado no chão, meus músculos relaxaram, meus olhos nublaram-se numa bela tempestade de inverno, minha mente clareou num apagão abrupto. Ninguém ao meu lado percebera todo aquele efeito provocado pela música Índio. Era de Caetano, entretanto quem cantava era o Zé da Paraíba.

Acordei, não sei quanto tempo depois, não na calçada defronte para o palco. Estava deitado numa areia, próximo ao mar. Não avistei nenhuma casa, nenhum comércio, nenhuma embarcação. Estávamos a sós: a areia e o mar ao longe e muitas árvores e muitos pássaros. Não compreendi como havia parado ali. “estava assistindo ao show quando de repente o tempo fechou-se em mim e começou a chover a inspiração, fiquei todo encharcado. Agora, além de estar em um lugar desconhecido, estava seco. Não de inspiração, mas não estava mais molhado daquele enorme volume de água. Levantei-me da areia vagarosamente tentando estalar os meus ossos com um espreguiçar eterno. Senti-me com uma gigantesca fome. Parecia que estava há dias sem comida. Olhei para um lado, nada de movimento; olhei para o outro, também nada vi. Senti-me quase em pânico por não ter esperança de alimento. Caminhei ao desânimo sem compreender nada. Sentei numa grande pedra e comecei a olhar as árvores que enfeitavam a costa da praia. As árvores! Foi aí que percebi quantas frutas havia naquelas árvores: banana. Mamão, acerola, graviola, ata, carambola e milhares de outras frutas. Acreditei na convincente voz do meu estômago quando me dizia que o problema da comida havia acabado.
Já sem a companhia da fome, fui caminhar por aquela miragem. A água do mar era quase cristalina, o ar exalava uma pureza cristalina, as árvores pareciam virgens, a paisagem era indescritível. Estava caminhando no paraíso para tentar colocar as idéias em ordem, refletir como havia parado naquele lugar. O relógio do dia corria, de modo que nos meus cálculos já havia passado três horas de caminhada. Sentei na areia da praia e fiquei olhando para o mar com a esperança de avistar algo ao longe. O reflexo maravilhoso do sol na água cegava meus olhos. Fechei-os por alguns minutos e, ao abri-los, vi uma grandiosa nau vindo na minha direção. Fechei os olhos novamente, temendo ser uma ilusão de ótica. Quando os abri, a nau ainda estava lá. Acenei par ela num só pulo. Festejei como nunca o primeiro sinal de vida naquele lugar.
Saí correndo para a mata, ao ver a nau fortemente armada de canhões e armas nas mãos dos tripulantes. Lembrei o processo de colonização no Brasil. Vieram à mente todas atrocidades cometidas pelos portugueses contra os índios. Embrenhei-me ainda mais pela mata. Ouvi um estranho som ao longe. Segui o som a fim de buscar companhia ao mesmo tempo em que tentava compreender toda aquela loucura que estava envolvendo-me. O som conduziu-me a uma tribo indígena. Fiquei próximo a ela, especificamente, uns 500 metros. Observava todo o movimento dos habitantes nus e pintados. Homens e mulheres com suas vergonhas de fora agiam como se nada de “anormal” estivesse acontecendo. Todos trabalhavam pra providenciar comida. Ao que me parece, os homens cuidavam da caça, e as mulheres da preparação para a comida. Naquele momento, já me havia esquecido dos portugueses. Observava atentamente os índios, comparando os conhecimentos adquiridos nos livros didáticos com o comportamento que agora analisava. A comida preparada pelas mulheres era para todos os habitantes da tribo. Todos pareciam camaradas. Conversavam amavelmente, outros dormiam nas redes, interagiam amistosamente com os animais, outro grupo ainda cuidava dos enfermos.
Fiquei naquele lugar uns dois dias. Saia apenas para apanhar frutas, fazer as necessidades e para buscar folhas que me serviam como cama e agasalho. Achei extraordinária a cordialidade com a qual se tratavam, os hábitos totalmente diferenciados dos hábitos dos homens ditos civilizados. Além de trabalharem apenas para a subsistência e não para acumularem “produção”, os índios possuíam um convívio bastante respeitoso com a natureza. Cuidavam dos animais, alimentavam-nos com leite das índias recém-parideiras. Por todos viverem a mesma condição, respeitavam-se mutuamente. Os índios caçavam apenas os animais que comeriam, não havendo matança por maldade. Pelo que me pareceu, eram bastante organizados. Uns caçavam, outros protegiam a aldeia, outros cuidavam da manutenção das ocas, outros ainda cuidavam das armas. A organização social e econômica indígena encantou-me de uma maneira tão intensa que senti vontade de apresentar-me e pedir para viver ali com eles. Os índios também celebravam sua cultura, dançando e cantando, diante da participação de todos da tribo. A religião era outra expressão que conseguia concentrar a atenção de todos da aldeia. Eles choravam, cantavam, dançavam, reverenciando seus deuses. A celebração religiosa pareceu-me bastante sincera e todos efetivamente respeitavam o sentimento do outro. Parei para pensar na expressão “mundo civilizado”. Logicamente os índios estão fora desse conceito. Por quê? Perguntava-me. Não compreendia. A civilização, para mim, viria do respeito mútuo. Creio que nunca haverá respeito com acúmulo de capital. Estava definitivamente sedo catequizado pelo comportamento indígena.
No final da tarde do segundo dia, os portugueses chegaram à aldeia, fortemente armados. Pressenti uma desgraça, mas no fundo acreditava, ingenuamente, no diálogo entre as duas etnias. Entretanto, não ocorreu conforme minha esperança gostaria. Os portugueses chegaram atirando nos índios covardemente. Muitos enfeitavam o chão mortalmente. Outros tentavam defender a tribo com suas armas. Algumas flechas colocaram portugueses deitados ao lado dos índios. Muitos destes morreram rapidamente por tentarem proteger os idosos e enfermos da aldeia. Mais flechas voavam de encontro aos invasores. Porém, não eram suficientes para evitar a rapidez das armas de fogo. A luta foi sangrenta, covarde, ilógica. No final, numerosos índios haviam perdido a vida, e os sobreviventes foram presos, virariam escravos. Cento e setenta e sete mortos e oitocentos e quarenta e um escravizados. Esse foi o saldo da covardia portuguesa. Fiquei bestificado, imaginando o que motivaria um povo a invadir outra terra, exterminar grande parte do povo inimigo e escravizá-lo. Não compreendia, ou melhor, não queria compreender. Como procedia de um mundo “civilizado”, portava o pleno conhecimento da resposta dessa pergunta. Entretanto, para mim, o dinheiro não poderia justificar a barbárie ocorrida sob meus olhos úmidos. “Acumulo de capital”, suspirava quase que inconsciente de ódio do ser humano, ou no animal em que se havia transformado.
“Virá Impávido que nem Muhammad Ali/ Virá que eu vi/ Apaixonadamente como Peri/ Virá que eu vi/ Tranqüilo e infalível como Bruce Lee/ Virá que eu vi/ O axé do afoxé Filhos de Gandhi, Virá”. Acordei com o refrão da música cantada por Zé da Paraíba e Caetano Veloso, juntos no palco. Bestificado fiquei sem saber se tudo foi um sonho ou se tudo era uma realidade. E estava agora vivendo um sonho? Levantei com a segurança de que tudo era realidade. Os índios e o show. Fui embora para casa antes de terminar a apresentação. Meu caminhar era depressivo, caminhava motivado por uma infinita dor-de-cabeça. Refletia sobre tudo o que havia ocorrido naquela noite. A música e a realidade, a proximidade era indubitavelmente real. Chorei, porque precisava limpar minha alma. Expiei toda angústia e decepção com minha condição de ser humano. Vivenciava uma terrível crise existencial. Lembrei-me da crise de herói. Após a limpeza da alma, senti-me livre para perceber no índio o herói que tanto buscava para a cultura brasileira, afinal, além de descendentes diretos, deveríamos ser eternamente gratos pela lição de como se viver em sociedade. Como chegar à verdadeira civilização. Meus passos agora eram motivados pela alegria de reconhecer no índio um verdadeiro herói. Além de reconhecermos uma dívida enorme com nossos primeiros pais, afinal fomos e continuamos a ser negligente com eles. São Galdino, rogai por nós!
Chegando à minha casa, a primeira ação foi libertar o papel e a caneta da gaveta, pois já havia encontrado um herói, e a ação de tudo aquilo que aconteceu comigo seria a inspiradora para o conto que desejaria escrever. O índio marcaria o retorno do escritor em mim escondido. O desenvolver da cultura brasileira na figura do índio herói.
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