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Contos-->Ponto de fuga -- 09/04/2010 - 17:27 (Antonio Jurandir Pinoti) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ponto de fuga



Depois de muitos anos pintando paredes, Arlindão conseguiu se aposentar por invalidez e resolveu estudar artes plásticas. Justificou a decisão afirmando que sabia tudo sobre tintas, cores e texturas. Estava disposto a mudar de vida. Queria tornar-se pintor de quadros. Pintar telas, “paisagens das boas; não essas coisas esquisitas do Picasso”, como passou a dizer aos amigos do bar.
“Grande Arlindão, você vai ficar famoso. Mas não se esqueça da gente, hein?”. E todos caíam na risada depois que Arlindo mandava o garçom pendurar a conta e saía do botequim trançando as pernas.
Uma noite, Arlindão havia chegado em casa ainda meio sóbrio, e sua mulher resolveu aproveitar aquela rara oportunidade para questionar a decisão do marido. Ela queria livrá-lo de mais um vexame:
─ Pintar quadros?... Tá louco, Arlindo? Você treme, Arlindo!
─ Tremo, sua vaca! Mas com a minha aposentadoria sustento você e aqueles seus parentes vagabundos.
Já deu para notar qual foi a doença profissional que motivou a aposentadoria do Arlindão, e de muitos outros pintores de parede. Sim, é essa mesma que lhe veio à cabeça: alcoolismo.
Mas não devemos ser injustos com os pintores de parede. O alcoolismo pode atacar qualquer categoria de trabalhadores. Não há profissão que escape. Porém, algumas são mais propensas a esse relaxante e progressivo vício. É incalculável o número de médicos, escritores, advogados, jornalistas e até de religiosos que, embora disfarcem, uns bem, outros nem tanto, na verdade não passam esponjas.
Os estudiosos mais radicais sustentam que as pessoas pertencentes a determinados grupos de profissões de muita responsabilidade ─ cirurgiões, por exemplo ─, bebem muito para abrandar o estresse a que são submetidas. Eles chegam até a afirmar que alguns pilotos de avião tomam uns tragos durante o voo, apenas para esquecer que logo trocarão a calma dos céus pela turbulenta vida em terra firme.
No que se refere aos pintores de parede, os especialistas já não têm dúvida de que esses profissionais bebem antes, durante e depois do serviço, porque o álcool, além de ajudá-los a suportar o cheiro de solventes e tintas, inibe-os de esganar os donos das obras, quando estes vêm com aqueles seus chiliques, tipo “cuidado com a TV de plasma; não derrube tinta no chão!”.
Mas, se com relação aos pintores de parede a matéria já está pacífica, quanto às demais categorias de trabalhadores persistem ainda muitos pontos obscuros. Além da tentativa de se livrarem do estresse, não se sabe ao certo por quais outros motivos esses profissionais são tragados pelo vício das libações copiosas (Não, não. Copiosa não deriva de copo). Por mais que se debrucem sobre o estudo do problema, os cientistas — também há inúmeros bêbados entre eles —não conseguem decifrá-lo e, por isso, nada melhor do que uma bela carraspana para atenuar esse fracasso.
Sobre o assunto há muitas dúvidas e pontos obscuros. Mas os estudiosos notaram um detalhe importante: os indivíduos pertencentes a determinado grupo de profissões assemelhadas, médicos e dentistas, por exemplo, bebem por motivos diferentes dos profissionais pertencentes a outro grupo de profissionais, como, digamos, escritores e jornalistas. Os expertos revelaram ainda que, embora os grupos profissionais bebam por motivações diferentes entre si, existe uma ligação entre as várias categorias, uma sutil disfunção psicológica que as une. Afirmam os cientistas que as pesquisas estão adiantadas e que logo descobrirão qual é esse misterioso elo. Aí, sim, o tratamento dos ébrios ─ salvo os irrecuperáveis pintores de parede ─ será mais eficaz, porque os doentes receberão a mesma terapia, quer pertençam a uma, quer a outra categoria profissional.
Ergamos os copos a essas descobertas e voltemos ao Arlindão. Depois da primeira aula de pintura, ele chegou em casa caçando frango e surpreendeu a mulher:
─ Desisti dessa porcaria de pintar quadros.
─ O que deu em você, homem?
─ Imagine, o professor disse que por eu ser preto eu não tenho cor.
─ O quê?
─ É. E ele disse ainda que os brancos também não têm cor. Só os japoneses e os índios têm, porque são amarelos e vermelhos. Nós, pretos e brancos, não passamos de simples valores. Nós servimos apenas para escurecer ou clarear as verdadeiras cores. Onde já se viu isso? Não ponho mais os pés naquela escola.
E, pê da vida, Arlindão deu um pontapé no cachorro antes de abrir a geladeira e pegar mais uma cerveja.
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