Usina de Letras
Usina de Letras
133 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62181 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140792)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->O MELHOR DE DOIS MUNDOS -- 20/08/2006 - 10:23 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 34ª. crónica da série*. São cronicas independentes não obstante formem um sequência...)


34
O MELHOR DE DOIS MUNDOS


(crónica escrita em Porto Rico, em 1992)


O casario antigo do Velho San Juan, construído em diferentes épocas mas tão cuidadosamente restaurado e preservado, é um cenário grandioso. Sobrados elegantes, ruas estreitas e limpas, e balcões senhoriais.

Vendo e revendo através dos olhos de Leila foi mais fácil certificar-me da beleza do lugar. Andamos por toda parte. Subimos e descemos ladeiras, entramos em pátios coloniais e contornamos as muralhas do Paseo de La Princesa com renovado interesse.

Tão logo terminavam as sessões dos congressos e as recepções oficiais saíamos deambulando sem um plano específico, tão fascinados estávamos com aquela arquitetura de tons claros e festivos.

Leila veio ver-me em Porto Rico como teria ido a Caracas ou à Ciudad de México, se eu lá estivesse. Uma amizade muito forte, uma grande identidade, uma irmandade curtida em tantas coisas em comum.

Ela quis acreditar que Porto Rico é parte integral dos Estados Unidos, mesmo sendo um país com tanta identidade, mas logo suspeitou das tremendas contradições em que se dá essa associação permanente com o império ianque. Chegou às vésperas do Plebiscito. (Queria-se saber se era para continuar como sempre esteve ou se a transformação da ilha em um novo estado federado - a fórmula anexionista - seria ou não uma opção a ser considerada. Ninguém levantou jamais a hipótese real de uma total independência.)

Andamos com o mesmo entusiasmo com que antes descobrimos outros paradeiros. Foi inevitável relembrar um passeio que fizemos, há muitos anos atrás, pela parte antiga do Rio de Janeiro. Estávamos com Rebeca e com Diva, duas grandes amigas, e eu era o guia. Passamos pelo Arco do Teles, cruzamos as ruelas mais antigas do centro e acabamos na Confeitaria Colombo, onde aqueles imensos espelhos de cristal são o testemunho de um passado de esplendor, pelo menos em nossa imaginação.

Leila é diretora de um sistema de bibliotecas em Campinas, mas sempre encontra oportunidades para as viagens. Com as filhas criadas, viúva e com recursos e saúde para trilhar seu próprio caminho pelo mundo. E com graça e inteligência. Sabe desfrutar de um bom restaurante como de uma galeria de arte, mas não é nem esnobe nem formalista. Sempre espontànea, bem humorada.

Diante do mar regozijamo-nos como crianças em férias. E descobrimos um barco à vela prestes a sair pela baía, em festa. Por treze dólares podíamos embarcar na nave do prazer.

Gente muito simples, casais de namorados, jovens comemorando aniversário, e turistas surpreendidos, como nós, saímos no veleiro ao som de salsas e merengues, murgas e cumbias. Dançamos o tempo todo, de olho no contorno suave da cidade-promontório, a noite cheia de luzes refletidas na água. Estávamos imensamente felizes com o passeio inusitado. Durou pouco, mas foi tão extraordinário e feliz! A felicidade é um estado de espírito que só habita os puros e os inocentes. E nos depuramos.

Porto Rico ostenta uma renda per capita alta se comparada com muitos países da América Latina, mas é também o país que conta com a proporção mais elevada de gente desempregada e dependente da ajuda governamental, que vem dos fundos federais. O déficit público é descomunal e o crédito fácil mantém a todos endividados. Metade da nação vive nos Estados Unidos, a outra metade vive na ilha¬-país caribenho. Duas faces de uma mesma moeda, de uma mesma realidade que nem mesmo quase cem anos de protetorado norte-americano conseguiu descaracterizar por completo.

O plebiscito acontece no momento em que, depois do desmantelamento do bloco socialista europeu, o mundo se divide entre duas forças contraditórias: de um lado as lutas - mais que nacionalistas, étnicas -, de povos aspirando à independência; de outro, as forças globalizadoras da nova ordem mundial, dos novos blocos económicos supra-nacionais - a fusão logística na produção e distribuição de mercadorias.
O estado nacional está em crise.

Tentei discutir com meu amigo Mariano Maura o significado desta crise. Os ideais pan-americanistas de Bolívar foram esmigalhados em lutas separatistas. O sonho internacionalista do socialismo científico deu origem a brigas de fronteiras e à balcanização dos novos feudos nacionais depois do desmoronamento da União Soviética e da Iugoslávia. O que vai acontecer, um dia, com a China continental?

Os Estados Unidos da América conseguiram a federalização à custa da aculturação dos povos indígenas, franceses e espanhóis, no caldeirão cul¬tural de seu processo histórico. Não havia grandes resistências culturais autóctones (como no México ou no Peru) e abriu-se logo o país à imigração de tantas raças e povos que vieram animar a sua diversidade étnica poste¬rior. Agora, grupos mais conservadores querem manter a "cultura americana" nas suas raízes brancas e européias, num saudosismo que remonta ao fascismo e ao racismo.

No Brasil, a unidade nacional corre por conta da língua portuguesa. A novela pela TV é a grande escola socializante da cidadania. Só um projeto económico que permita minimizar as tremendas disparidades sociais e regionais conseguirá manter o milagre da unidade territorial e da paz social.
O espelho é válido para Porto Rico, que votou pragmaticamente pela manutenção do status quo. Ou seja, adiou o problema, que é uma forma bem porto-riquenha de resolvê-lo.

Amanhã será. Hoje, não.

* * *

Voltamos a Cap de Mar. Milagros, Sonia e Gloria. Eu e Leila como hóspedes. Era o dia da comemoração dos 500 anos da descoberta de Porto Rico. 19 de novembro de 1993. Havia pouca gente nas estradas e o comércio estava fechado. Mas era possível comprar pão. Fresco e perfumado. Apesar do sucesso do arroz con pollo y habichuelas da Gloria, foi o compartilhamento do pão que nos uniu pelo percurso de praias e baías atlànticas. Chovia a intervalos e o mar estava agitado. Descobrimos então toda a hospitalidade da gente porto-riquenha nas atenções de nossas amigas. Gente tão prestativa e solidária que não acreditávamos mais existir em lugar algum do mundo.



------------------------------------------------------------
Próxima crónica da série: (35) INCIDENTE


Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de cronicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as cronicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud:

Crónica do livro: Miranda, AntonioRelógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Brasília: Asefe, 1996. 115 p.


Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui