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cronicas-->INCIDENTE -- 25/08/2006 - 10:30 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 35ª. crónica da série*. São cronicas independentes não obstante formem um sequência...)


35
INCIDENTE


Poderia ter sido apenas um mal-entendido mas desbordou-se, foi além dos seus limites.

Judith interrompeu minha conversa com umas colegas do Uruguai, da Argentina e do Chile, no intervalo de uma das sessões do encontro latino¬americano de professores. Como sempre, não pediu licença.

- Não sei se você se lembra mas, depois de amanhã, você vai dar uma palestra para os meus alunos.

A interpelação, feita em tom apelativo, parecia uma admoestação.

- Claro que me lembro - contornei.

- Pois você tem que se encontrar comigo amanhã para discutirmos o temário.

Não entendi bem a convocatória, mas apelei.

- Você já me deu o temário por escrito, com horário e tudo, e já conversamos sobre os objetivos de minha participação.
Mas ela insistiu:

- Eu tenho que discutir os pontos que você vai abordar, para estar certa de que eles se encaixam em meu programa, se são os que realmente interessam.

Minhas amigas do cone sul arregalaram os olhos e sorriram com escárnio. Tentei contornar:

- Ora, Judith, você me convidou depois de assistir às minhas aulas como ouvinte, e já conhece o teor do meu discurso. Já preparei, pode ter a certeza, o roteiro do que vou dizer à sua turma. Você sabe que ando muito ocupado e com visita em casa. Vai ser difícil um encontro, à última hora.

Ela não entendeu a minha mensagem. Estaria perseguindo outros objetivos.

- Nem que seja uns quinze minutos. Não posso ir à aula sem conhecer com antecedência o que você vai dizer aos meus alunos, sem saber se é o que eu quero que você diga, se tudo está sob controle.

Enfureci-me:

- Perdoa-me, Judith. Já dei, a convite, dezenas de palestras. E nunca tive que submeter-me a uma sabatina prévia.

Ela repetiu a rogatória. Era assim que ela trabalhava, tinha um tempo limitado e queria cobrir, exclusivamente, os pontos de seu interesse.
A professora argentina, com um acento carregado de jotas, expressou a sua perplexidade e até exagerou:

- En Buenos Aires se prodría enjuiciarla por quiebra de la libertad de cátedra. Vo ....

A colega uruguaia sussurrou que era, no mínimo, uma grosseria aquela insistência.

- Muito bem, se é uma exigência sua fazer uma discussão prévia comigo, então eu desisto. Não tenho tempo, nem me submeto a semelhante exigência.

A uruguaia interveio para confirmar que era inadmissível. Caberia a ela - Judith --, depois de minha apresentação, discutir com os alunos e extrair os ensinamentos. Nunca impor ao convidado o que ele deveria dizer. O interessante seria ouvir pontos de vista diferentes, outras visões, novas perspectivas mesmo quando contrárias à própria orientação do professor.

Judith insistiu, quase por capricho. Parecia estar naquilo que os norte¬americanos chamam de point of no return.

Minhas colegas já debochavam do inusitado incidente. Recomeçou a reunião. Eu estava desorientado, irritado. Escrevi uma nota e passei-a a Judith, que estava sentada na fila de cadeiras atrás, mais ao alto. Desculpei-¬me. Invoquei a impossibilidade de atender ao encontro prévio à minha
palestra, argumentei estar atendendo a uma visita em casa, logo do regresso de uma longa viagem. Em virtude do que eu declinava minha participação. Quem sabe, em uma outra oportunidade ...

Ela, ao ler, deu sinais de perturbação. O rosto dela sempre reflete os próprios pensamentos. Devolveu-me a nota com um comentário um tanto confuso, em um espanhol enviesado, tentando dizer que não aceitava a minha renúncia (sic), que apelava para a minha flexibilidade. E concluía que já não exigia a reunião prévia, se eu não queria. Creio que foi isso que pretendeu comunicar.

Guardei o papel, sem externar qualquer reação. Continuei assistindo a uma conferência, sem olhar para trás. Percebia a inquietação de Judith, mas concentrei-me no tema em discussão no fórum até esquecer-me por completo do problema.

Evitei-a, depois.




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Próxima crónica da série: (36) FOGOS DE ARTIFíCIO


Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de cronicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as cronicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".

Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico. Brasília: Asefe, 1996. 115 p.


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