Usina de Letras
Usina de Letras
25 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62275 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10382)

Erótico (13574)

Frases (50664)

Humor (20039)

Infantil (5454)

Infanto Juvenil (4778)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140817)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6206)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->A Inocência de um Menino -- 29/04/2010 - 13:01 (Ilário Iéteka) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Fazenda Linhares, um lugar exótico, com árvores centenárias, casa sem pintura, estilo colonial. As lavouras eram verdejantes, mangueirões enormes feitos de lascas. Um pomar com árvores frutíferas, galpões velhos cheios de tranqueiras. O terreiro era plano, ficava em frente à casa onde morávamos. Nós, crianças, brincávamos de pega-pega nas noites enluaradas e meus pais conversavam animadamente com os trabalhadores da fazenda, tomavam chimarrão, contavam piadas e surgiam boas gargalhadas. Nós queríamos ficar perto dos adultos, escutando seus causos, mas era quase impossível, mal podíamos imaginar, a curiosidade era grande pelo divertimento deles, suas histórias com certeza tinham palavras que eram obscenas para nossa idade.

Muitas vezes tentamos nos aproximar pela curiosidade, pois gostaríamos de participar de suas alegrias. Meu pai muito severo, só olhava de lado, com um ar de repressão e então sabíamos qual era o recado - Saiam daqui? Vão brincar, a conversa é para adultos! - aquilo nos chateava, ficávamos irritados, porque só eles podiam rir e nós não podíamos saber o que se desenrolava em suas conversas. Apesar da pouca idade, sabíamos respeitar nossos pais. Os olhares eram suficientes para entendermos bem o que eles queriam dizer, que fossemos para fora, brincar no jardim, saiamos correndo de um lado para outro sem olhar para traz. Sem pensar no perigo, subíamos em árvores sem medo de cair.
Existia apenas um lugar que temíamos, o casarão dos patrões. O tamanho do mausoléu, sempre fechado, parecia ser fantasmagórico, dava arrepios ao passarmos a sua frente. Seu jardim exuberante, cheio de flores, canteiros decorados, diversificados em modelos e formas, quadrados, redondos e estrelas, plantas bem podadas. No centro, um pé de camélia sempre florido. Cercado de ripas artesanais, em suas pontas desenhos artísticos, no canto esquerdo, um pé de laranjeira enorme, com frutos doces, nossas preferidas. Era o lugar predileto das brincadeiras, nós passávamos os dias fazendo traquinagens, jogando bolinha-de-gude, brincando de casinha. Papai sempre nos advertia:

_ Crianças, cuidado com estas flores! Ao saírem fechem o portão, para evitar que animais entrem e façam estragos!

Certo dia, nós esquecemos de fechar o bendito portão e ao voltarmos no dia seguinte, percebemos o descuido, mais que a pressa, fechamos e continuamos a brincar. Notamos em um canto do jardim, um bichinho tentava escapar, como não havia fresta ficou preso. Chamamos papai, que veio correndo assustado, pensando que um de nós estivesse machucado e ao chegar ficou surpreso. Tínhamos fechado um bicho no jardim e ele dizia entusiasmado:

_ È uma cutia? É uma cutia!! Vamos pegar esta danada, fecharemos no chiqueiro por uns dias, depois de cevada mataremos porque sua carne é muito saborosa!

Papai pegou o animal, foi uma correria e o pobre bichinho ficou fechado num lugar seguro. Nós tratávamos a cutia com muito carinho.Torcíamos para que papai não a matasse. Era uma coitada, ficávamos olhando ela assustada no canto de sua prisão. Nós iamos ficando tristes porque sabíamos que seu fim estava próximo. Papai dizia:

_ É um macho, ele entrou no jardim atrás de laranjas! Deu-se mal, sábado irá para a panela.

Um amigo da família veio de Imbituva, buscar carnes para suprir o açougue de propriedade do filho do fazendeiro. Os bois eram abatidos na fazenda e seguiam direto para o consumidor. Ao pernoitar em nossa casa, senhor Luiz gostava de contar piadas e causos. Depois do jantar, reunimo-nos em volta da mesa e a conversa estava animada. Nós, crianças, só escutávamos, não podíamos abrir a boca, a não ser que fosse para rir. Meu pai começou a contar para Luiz:

_ Você imagina que as crianças fecharam uma cutia no jardim? Conseguimos prendê-la e estamos tratando para matarmos sábado. Se quiser é o nosso convidado para almoçar carne de cutia.
Neste instante, intervi na conversa e falei com convicção:
_ Papai, não é cutia!!
Ele respondeu-me com rispidez:
_ Como não menino? O que é então guri:
Eu me sentindo soberbo, respondi:
_ Eu tenho certeza, é um cuteu!!!

Mal terminei a frase e recebi um tapa na boca, com as costas das mãos de papai que me inchou os lábios e sangrou. Eu fui para debaixo da mesa. Papai furioso, chamou-me de mal educado e que desrespeitei o nosso visitante. Colocou todas as crianças a dormir. Ficou na cozinha esbravejando, dizia para Luiz:

_ Eu não sei o que deu neste menino, para sair com tamanha asneira!!
Eu fui para o quarto chorando, estava com muita raiva porque tinha certeza, que meu pai estava mentindo para Luiz. Pensava comigo mesmo:
_ Para mim, era um cuteu e pronto!!
No dia seguinte levantei cedo, sai com o amigo fomos passear e dar uma olhada nos bois que seriam abatidos. No caminho íamos conversando e rindo, Luiz me perguntou:
_ Menino porque desrespeitou o seu pai ontem a noite? Por causa disso levou um tapa na cara daquele jeito,
_ Luiz, não sei porque me bateu, mas tenho certeza, que papai mentiu para você!
_ Por que você acha que ele mentiu?
_ Porque eu sei que não é cutia, tenho certeza que é um cuteu!!

O homem começou a rir sem parar e eu não estava achando graça nenhuma. Fiquei bobo com sua atitude, porque continuou as gargalhadas, até que tomou fôlego, contou-me onde estava a graça:

_O erro, você vai entender depois de minha explicação, porque precisamos conversar sobre animais e suas sexualidades. Preste atenção, a fêmea chamasse cutia , e seu parceiro é cutia macho! Isso é o correto, o que você disse ao seu pai foi um palavrão feio, obsceno. Por isso ele está zangado contigo.

Luiz, abraçou-me, e disse:
_Flavio, irei conversar com seu pai, tenho certeza que ele te perdoará pelo mal entendido.

No final da tarde, eu ouvi Luiz e papai dando gargalhadas, parecia que a piada era ótima mas descobri que era sobre mim que falavam. A moral da história era minha inocência. Eu não sabia distinguir nomes de machos e fêmeas pelas espécies. Pela ingenuidade de criança passei uma semana com os lábios inchados. Eu, hoje uma pessoa adulta, me lembro cada vez que vejo uma cutia, as recordações vêm à tona e acabo rindo como Luiz e papai da palavra dita no meu passado quando criança.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui