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cronicas-->BABYSITTER DE CACHORRO -- 27/08/2006 - 10:09 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 43ª. crónica da série*. São cronicas independentes não obstante formem uma sequência, na intenção de uma crónica de viagem contínua...)


43
BABYSITTER DE CACHORRO



Os cães entraram na vida dela pela vontade imperiosa do filho Sill, que os queria de qualquer maneira. Menino voluntarioso, teimoso, soube sempre chantagear e vencer a relutància da mãe com uma insistência inabalável. Acabaram adotando-os de alguma casa recolhedora de animais realengos, que é como designam por aqui os bichos abandonados. Mas o filho foi-se de Porto Rico e os cães entraram definitivamente em sua minúscula existência e em sua descomunal solidão, ao ver-se em país estranho, longe da família e entregue inteiramente à própria sorte. Podia ter-se devotado às plantas mas isso requereria uma paciência que nunca foi capaz de suportar. Havia também o recurso tranquilizante da culinária mas esta se pratica em horas determinadas e com o agravante de levar ao óbvio -que ela rechaçava- que era o ato dramático e patético de comer sozinha, olhando o prato para não sentir a opressão das paredes.

Dois cães bastardos, sem qualquer progênie. Sem resquícios de pedigree, mas parte indissociável de sua vida ou, se se prefere, de sua rotina, que é a forma como encara a vida.

Dizem que os cães se assemelham ao donos. Às vezes chego a acreditar que são os donos que se parecem a seus cães!

Imagino Judith caminhando com seus cães, atabalhoadamente, os bichos cruzando em direções opostas, ela pulando e tratando de desenredar-se das rédeas, puxada para a frente, pulando o cocó de outros animais no mesmo trajeto. São animais domésticos justamente porque domesticaram seus proprietários, obrigados a atendê-los nas horas certas, a comprar-lhes a ração exata, a levá-los ao veterinário mesmo quando não valem as consultas e os medicamentos. Que heresia! Os cães são parte da família, tão afeiçoados ficam mutuamente cães e donos ao longo do tempo.

Ao viajar para a Hannekah - o Natal judeu -, junto à família em Virginia, trouxe-os para o meu apartamento. Não havia escolha. Antes que eu dissesse não, ensaiou o argumento de que um tem de fazer pelo outro, como indicando que as gentilezas que teve comigo foram favores. Que eu saiba, a ninguém ocorreria considerar como favor o fato de levar alguém em sua companhia a uma praia; é possível que o favor seja de quem acompanha ... Para ela, eu lhe devia favores e chegara a hora de pagá-los, que foi o que insinuou. Sim, e sem direito a não.

Pedi que ao menos os lavasse antes. Chica costumava roçar o rabo no assoalho para amenizar suas pulgas ou suas sarnas e Chinche fedia a qualquer distància. Ela jurou que estavam lavados e que tomaram pílulas para repelir as pulgas. Pelo jeito como coçaram nos dias seguintes, as pulgas adoraram o repelente e passaram a feder ainda mais.

Tinha que passeá-los duas vezes por dia, dar-lhes de comer e beber. Ainda assim continuaram mijando e cagando pela varanda e pelos aposentos, e sujando móveis pois não havia como mantê-los na área de serviço, sem que latissem o tempo todo. Entre a reclamação dos vizinhos e a sujeira da casa, optei pela última, como quem paga uma penitência por um pecado cometido- no caso, por ter aceito os supostos favores. A vizinha veio reclamar do mau cheiro que partia de minha varanda e invadia a cozinha dela, o jeito era lavar com detergentes e pedir-lhe desculpas.

Judith levou-os de volta na semana seguinte, já sondando a minha disponibilidade para futuros períodos de guarda de seus diletos companheiros. Não sabia o que fazer com eles durante as próximas viagens programadas para uma pesquisa no Caribe, a um congresso profissional e, se fosse pouco, para o seu ano sabático!





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Próxima crónica da série: (44) EU, O OUTRO




Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de cronicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as cronicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".

Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico. Brasília: Asefe, 1996. 115 p.
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