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Contos-->Amizade -- 23/05/2010 - 16:15 (Aléxis Rodrigues de Almeida) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Francisco tinha apenas onze anos, mas já carregava as marcas do sofrimento e do amadurecimento precoce. Olhar triste e sem brilho. Faltava-lhe tudo, principalmente a alegria de viver.

O pai do garoto, no leito de morte, entregara o filho aos cuidados do compadre e amigo, fazendo-o prometer que dispensaria ao menino todos os cuidados necessários após sua partida. Morreu sem deixar nada para a criança, nem mesmo o orgulho de ter tido um pai.

O menino, mesmo com tão pouca idade, fora obrigado a cuidar do velho em seus últimos momentos. Viu-o definhando sob a violência do álcool que o dominara até a morte. Órfão de mãe desde os quatro anos de idade, agora ficara completamente só no mundo.

Mas Aparecido não era homem de quebrar promessas, e prontamente acolheu o menino Francisco em sua casa como se fosse seu próprio filho. Deu-lhe o melhor que pôde.

Alguns anos depois, Aparecido via Francisco brincando com os vizinhos da rua. Estava tão sorridente que dava gosto. Corria, pulava e gritava. Nem parecia o menino soturno que chegara em sua casa. A amizade que nutrira durante tantos anos pelo falecido compadre, agora criava raízes profundas naquele garoto.

Os problemas só começaram com o início das aulas, mais precisamente com a chegada de um novo aluno na escola onde Francisco estudava. Cheio de espertezas, e mais velho que a maioria dos alunos da classe, logo se tornou uma espécie de ídolo para os demais colegas. Vivia metendo-se em confusão e, em tom de orgulho, alardeava isso para os meninos da escola.

Quase todos os dias Francisco chegava em casa contando as proezas do novo colega. Aparecido não demorou muito a perceber a armadilha.

-Francisco, eu nunca mais vi você brincando com seus amigos aqui da rua.

-Ah, padrinho, eles são todos uns chatos, sem graça.

-Não era o que você falava antes.

-Eu era só uma criança.

-Isso foi no ano passado, Francisco.

-Eu sei, padrinho, mas agora eu estou fazendo coisas muito mais interessantes.

-Com o seu novo colega da escola?

-É, padrinho. Você precisa ver como ele é esperto. Ninguém consegue passá-lo para trás.

-Filho, cuidado no que vai se meter.

-Não se preocupe, sei o que estou fazendo.

O tempo passou. O distanciamento de Francisco foi aumentando cada vez mais. Já não dava atenção para os estudos, e vez por outra dormia fora de casa sem nada avisar. A má notícia não tardou. Certa noite Francisco chegou em casa visivelmente alterado. Com dificuldade, se dirigiu até o quarto e lá se trancou.

A conversa entre padrinho e afilhado no dia seguinte não foi das mais fáceis.

-Não me venha com sermões, padrinho. Eu não preciso mais disso. Já estou bem crescido.

-Filho, você é um menino especial para mim. Não é apenas o meu afilhado, mas tenho você como um verdadeiro amigo e não quero que se machuque.

-Você pensa que ainda sou um bebê, não é? Escute, não preciso do seu cuidado. Eu sei como me virar.

-Francisco, eu prometi a seu pai cuidar de você e não deixar que nada de mal lhe aconteça, mas se quer continuar aqui comigo, vai ter que respeitar algumas regras...

-Ah! Por falar nisso, eu já ia lhe dizer... vou morar com o Giba. Ele tem um cantinho só para mim. Você não deve me procurar mais, senão o Giba vai pensar que sou um fracote e isso não vai pegar muito bem.

Aparecido sentiu profundamente o golpe, mas ficou calado.

Naquele mesmo dia Francisco saiu de casa com alguns poucos pertences, deixando para trás um enorme vazio na casa e na vida de Aparecido.

A dor de ver o menino partir assim não era só pela separação, mas por se sentir incapaz de cumprir a promessa feita ao pai do garoto. Sentiu-se culpado pelo que estava acontecendo e chorou muito.

Passaram-se alguns dias sem que Aparecido recebesse notícias sobre o paradeiro do afilhado. Resolveu, então, sair em busca do menino. Procurou em hospitais, delegacias de polícia, casas de recuperação e até no necrotério. Mas, para seu alívio, nada encontrou.

Daquele dia em diante, passou a caminhar diariamente pelos bairros da cidade na esperança de ver o menino perambulando pelas ruas, mas essa busca também se mostrou infrutífera.

Certa noite, quando voltava de suas peregrinações diárias, Aparecido foi surpreendido por um bando de garotos, que lhe anunciaram assalto. Ele deu seu relógio, além de todo o dinheiro que tinha nos bolsos, mas os meninos não ficaram satisfeitos. Aplicaram-lhe uma surra tão violenta que o deixaram estendido no chão, quase morto.

Depois que o bando fugiu, Aparecido, semiconsciente, viu um dos garotos se agachar à sua frente. Conseguiu ver os olhos do menino por baixo do capuz e logo o reconheceu. Eram olhos de ternura e dor escondidos por trás de uma aparente frieza.

Em seguida o menino se afastou sem nada dizer, desaparecendo na escuridão da rua.

Alguns dias depois, já recuperado, Aparecido viu-se atraído por uma notícia em um jornal local:

“Polícia prende quadrilha de adolescentes que agia na cidade.”

Correu rapidamente os olhos pelo texto, captando algumas frases soltas:

“...o bando era chefiado por um menor conhecido por Giba...”
“...era formado por cerca de dez adolescentes...”
“...na operação, um dos bandidos, conhecido como Chiquinho, foi gravemente ferido por um tiro...”

Seu coração disparou. Foi direto para a delegacia de polícia e dali para o hospital, onde recebeu a notícia que o Chiquinho havia falecido havia alguns minutos. Abateu-se profundamente. Daria tudo para mudar o fim da história.

Conseguiu autorização para ver o corpo, mas, para sua surpresa, o tal Chiquinho não era o seu afilhado. Apesar do golpe de ver uma vida jovem roubada de forma tão violenta, Aparecido suspirou aliviado. Ainda havia esperança.

De volta à casa, ao entrar na sala, Aparecido surpreendeu-se ao ver um menino amedrontado e ferido se atirar a seus pés.

-Padrinho, me perdoe, me perdoe. Eu desejei tanto voltar para casa, mas tinha medo. Tinha medo de morrer... de não ser aceito aqui. Preciso de sua ajuda. Não quero continuar assim, mas não sei o que fazer.

-Filho, vamos resolver o problema juntos. Eu e você.

Ficaram ali abraçados por muito tempo, desejando um futuro diferente. Carregavam agora a marca do perdão, que sempre os faria lembrar o valor de uma verdadeira e pura amizade.
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