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Contos-->LIÇÕES NO DESERTO DE ATACAMA -- 28/04/2001 - 19:09 (Paulo Sézio de Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Lições no Deserto de Atacama
Paulo Sézio de Carvalho

"Entrar no grande círculo da vida e procurar interagir com a força que move a Terra, é fluir em seus ensinamentos, é atender a um apelo de mãe".
Essa lição me fôra ensinada certa vez, quando eu caminhava pelos poeirentos vales do Atacama e foi com uma intenção tão viva que ao praticá-la percebi que muito antes de pedir já me era dado, por que não precisava reter o que era uno comigo mesmo.
Não esquecer dela, é estar ciente do que sou e até onde posso alcançar o que pretendo. É encontrar minhas tantas fortunas, construindo uma proximidade de vínculo com a plenitude.
Porém, seja no deserto do Atacama, no vale central, nas encostas chilenas ou em tantos outros lugares, encontraremos sempre um facho de luz, planificado em um ser vivente, a nos oferecer tais dádivas.
Parece que há uma conspiração de sabedoria que atravessa o tempo e o espaço e por onde quer que vamos nos reconheceremos. E mais: estaremos sendo guiados e fortalecidos.
Ali, naquele deserto, os Chinchas, os Chibichas, como alguns outros povos, guardam um respeito especial por uma especie de energia Trina: Uma parte que sou eu, outra que é a energia que me move e uma outra que move a nós dois. Todos se empurrando na direção oposta ao da circulação dos grandes ventos e das águas, abaixo da linha do equador, prontas para receberem tudo quanto a energia do Todo possa lhes trazer.
Ali eu tive uma forte experiência com esta força Trina. Só não consigo ainda racionalizar sobre seu desfecho, já que amado companheiro que lê estas linhas, estive em dois ou três lugares ao mesmo tempo, por mais absurdo que possa parecer tal afirmação.
- "Esse é o portal por onde as forças ancestrais entram, indicando-nos sempre que devemos ir ao encontro delas".
Ouvi isso quando estava num povoado, quase chegando ao sul de Iquique, vindo dos vales desérticos que rodeiam o lado oeste do vulcão Lascar.
Cito este vulcão, porque, embora já estivesse a uma certa distância dele, meus olhos não paravam de mirar o horizonte que o escondia, a cada nova etapa da caminhada. Ver sua potência, era reconhecer minha pequenez.
Olhei para o rapaz que a pronunciara em um bom espanhol, apesar de seus traços revelarem uma descendência germânica. Era um arqueológo que fixara residência em San Pedro de Atacama e que viera até ali para buscar alguns apetrechos.
Logo a seguir chegara uma moça, agora com traços chilenos e se juntara a ele, dando a entender que tinham certa intimidade. Me afastei e pude ouvir ao longe, outra de suas "misteriosas frases":
-"Ei viajante: vá ali naquela "tienda". Tem alguns desenhos e objetos que interessam aos olhos de quem busca enxergar além do óbvio".
Fixei-o com uma certa estranheza e busquei atender ao desejo de minha curiosidade, chegando perto da citada "tienda".
Era nada mais que uma simples banca de madeira - aproveitamento de caixotes - apinhada de objetos com traços marcadamente indígenas.
Olhei, me interessei por alguns deles e alguns desenhos circulares, mas por falta de dinheiro o suficiente para comprar, me afastei.
Procurei descansar um pouco, indo até à saída do povoado, já em direção a Iquique. Contudo, continuei olhando para aquela banca e o comércio local, onde guardada as devidas proporções, estava cheio, como nos grandes comércios urbanos.
Um bom amigo, percebendo meu interesse se aproximara e em silêncio ficou sorrindo, como a esperar que eu me conectasse à sua presença.
A princípio o achei meio estranho, mas como ele não saia dali, ao contrário, ficara tranquilamente manuseando uns objetos que retirara de uma espécie carcomida de alforje, resolvi saudá-lo com um "ola".
Ele soltou um sorriso de não mais que oito a dez dentes e ainda agachado foi se esgueirando entre os mínimos arbustos que nos separavam e pronunciou qualquer coisa que não entendi bem. A julgar pelo sorriso e pela intenção, tratava-se de um ato cordial.
Manuseando habilmente uns pequenos objetos, tentava me mostrar que possuia certo domínio em alguma arte e talvez estivesse me oferecendo qualquer coisa para comprar ou cambiar.
Julgando serem essas suas intenções, procurei agradecer e fui me retirando. Com uma agilidade surpreendente, ele deu um salto, mesmo de cócoras, como um sapo ou um grilo, continuando a falar através de um dialeto intelegível, parecendo me pedir para ainda não ir
embora.
Como estava agitado e ao mesmo tempo amistoso, esperei que concluisse sua "explanação", sem entender quase nada de suas intenções.
Por fim ele notando minha total incompreensibilidade, chamou um "cholito", um rapazinho de talvez uns doze anos, que eu nem percebera que estava por ali e desandou a falar, manuseando novamente os objetos e apontando para mim. Assentindo com a cabeça por várias vezes, percebi claramente ser ele o meu novo intérprete e esperei prontamente sua explicação. Por fim ele falou:
- ¡Buenos dias señor! Yo soy de este pueblo donde venistes desde la carretera. Este es Hatun, o mejor, Miguel. Elle esta buscando hablar con usted a cerca de estos huacos que están en sus manos, donde se encuentran uns dibujos de sus ancestrales. Segun él, habia interés de vosoutros por alguna cosa de los Chinchas cuando fue a las tiendas de mi poblado.
-¿Elle desea que los compre? - Perguntei
-¡No! Solamente se quieres cambiar con su polo.
- Com minha camisa?... isto é...¿Con mi polo?
- Si, pero si no quieres, elle le desea regarlale todos elles.
- E por que minha camisa? - apontei para meu peito segurando o tecido.
- No es por su polo, sin embargo fue lo mas sencillo que miraste en ti para cambiar. Pero si no quiere no hay malo algún...
- ¿Y por que quieres ofrecer estos huacos?
- Eso no lo sé señor...ahora tengo que ir...¡suerte!
- Un ratico por favor. Hable con elle que a mi me gusta los huacos, pero ¿por que quieres regalarme su conjunto de huacos?
Esperei por um momento enquanto o jovenzinho lhe fazia a pergunta. Logo após ele pensou...pensou...agradeceu a ajuda de seu intérprete e abaixou a cabeca.
Achei que o tinha ofendido e quis me expressar utilizando toda mímica que eu poderia dispor.
Ele pediu que me silenciasse, colocando dois dedos perto de seus lábios semicerrados e continuou por breves minutos em silêncio. Como eu queria ver o desfecho daquilo, aguardei.
Passado um tempo ele se ergueu e embora fosse bem mais baixo que eu, a pose altiva e o porte de realeza eram evidentes (o camponês estava firme em algum propósito). Então lançou no ar sua mão esquerda e a julgar pelo gesto, queria que eu não só o seguisse como lhe desse também minha mão.
Arrisquei para ver no que daria e ele então comecou a me conduzir por um estreito caminho em direção aos baixos rochedos, próximo a uma grande vala.
Como de costume fui, não sem uma certa ansiedade.
Depois de andar por pelo menos uns vinte minutos, sempre de mão dada com ele, finalmente ele parou de repente, fechou os olhos, ergueu seu rosto, inspirou profundamente, soltou um minusculo som, bem visceral, parou, inspirou novamente e soltou um rugido tão forte que eu pensei que ele estivesse louco. Então um último som saia de suas entranhas e uma lágrima de seu olho direito.
Não entendi nada.
Retirou seu gorro. Ajoelhou-se ao chão, tomou um pouco de terra, esfregou em suas mãos.
Cheirou...sorriu de uma maneira bem singela.
Tirou de um manto que estava em sua lateral e no qual eu não havia percebido o volume, um pequeno tambor.
Olhou para mim, me convidando a sentar no chão.
Tirou os huacos, fez alguns gestos no sentido de que pudesse escolher um que mais me agradasse e o que eu o guarnecesse em minhas mãos.
Assim o fiz.
Ele consertou levemente meu gesto, e pediu que eu não fechasse o objeto nas mãos, mas deixasse ele à mostra dos meus olhos.
A seguir começou a bater seu tamborzinho, no início bem devagar e girando no sentido horário o tempo todo e depois num rítmo frenético enquanto me fazia fixar a imagem naquele huaco.
...o restante meus amigos, jamais poderia contar aqui...mesmo porque eu fiquei irreconhecível e meu bom amigo também.

Ao sair dali ele me dera esse huaco que guardo até hoje e de diversos outros, pude ter seus desenhos.
Faço sempre o ritual que me ensinara: Um som de tambor e a fixação num desenho desses povos.
Posso lhes passar alguma coisa, se desejarem*.
Mesmo estando meu corpo já velho, minha mente respira o frescor dos tempos matutinos e as cicatrizes são meramente o registro de tudo quanto foi retido no caminho da apredizagem e elas me auxiliam nas lembranças..

Eis aqui uma boa mostra do que faço com o que aprendi:
Entro na imagem de um círculo e procuro meditar na força Trina que move a Terra.
Na verdade, divido o círculo em três partes, exatamente como é o desenho Chincha**.
Considero essa roda como um instrumento de meditação. Poderoso por sinal. Muitas vezes tenho experimentado através da visão de suas formas, a chegada do meu mestre interno. Concentro primeiro no círculo externo deixando-me seduzir pelas linhas que se dirigem para o centro.
É agradável se perder nessa expectativa, uma vez que descobrimos a capacidade de concentração do momento.
Às vezes essas formas me lembram animais, aves por exemplo, saltando em um pé só. Sugestões concretas para que minha mente ainda se apoie.
Lentamente tais imagens desaparecem e o minúsculo circulo central, antes relegado a uma finalização estética das linhas, preenche-se de um vigor incomum. Esta é a melhor hora.
Sempre que chego até a esse momento, sinto uma porta se abrir e um caminho aplainado nas veredas místicas do além-físico.
Varias vezes senti um outro eu, ou parte mais iluminada de mim, se irradiar como um sol. Evidente que consegui isso após muitas tentativas.
Como passo importante nesse caminho, me ligo a tudo que existe no Universo, buscando nas culturas raízes, preciosas lições dessa conexão e seu eventual fluxo. E como têm lições!
Os magnifícos símbolos circulares que os povos Chinchas já realizavam há mais de 800 anos,
são verdadeiras mandalas de uma organizacidade tal, que as intenções saltam aos olhos e o desejo de experimentá-las, seja em ritualísticas ou pelo simples prazer de uma mente lógica a decodificá-las, é tentador.
Boa pessoa que tú és, considerarás de tudo quanto escrevi o que de melhor verdade lhe aprouver e em minha jovem alma anciã, guardarei tuas vibrações, donde estiveres, juntando-as com tantas outras a nos formarem. Este ser, já quase passando desse tempo para outro, sentindo-se grato pela harmonia com as formas e contigo, já que nos movemos numa mesma idéia por breves minutos, equilibra o silêncio com a prece em quechuá que diz:

Kani riqenakur punku
Kani wawaça sapalitay pishqokuna condor
kani kaway
kani namta
wiñay, wiñay, wiñay.

Sou um portal do conhecimento
Sou filho do solitário condor
So vida, sou caminho
Para sempre, para sempre, para sempre.

*Para informações, utilize-se do e-mail em anexo.
** Os desenhos Chinchas são formosamente reais.
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