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Cordel-->Depoimento da mulher do fugitivo -- 30/03/2002 - 09:49 (José Mario Martínez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
1
Casei com quatorze anos
e tive um ano por filho,
dos sete filhos que tive
todos os sete estão vivos,
milagre que estou devendo
graças a São Benedito.

2
Graças a São Benedito
também a vida devia
meu marido, Gerineldo,
que era bom na cantoria
e brilhava nos repentes,
todos da sua autoria.

3
Todos da sua autoria
são os filhos que pari
menos o Zé das Gaivotas,
perneta que nem Saci,
e se algum outro não é dele
foi porque me confundi.

4
Foi porque me confundi
- ele sempre andou fugido -
foi no bando do Lampião
que começou ser bandido.
Minha mãe já me dizia
que não serve pra marido.

5
Que não serve pra marido,
isso - minha mãe - já sei.
Bem sei que estou me ajuntando
com mais um fora-da-lei.
No sertão era bandido,
na minha rede era um rei.

6
Na minha rede era um rei
e até prantou uma rocinha
quando mataram Lampião
e ele foi mudar de vida.
Cultivávamos mandioca
e criávamos galinhas.

7
E criávamos galinhas,
felizes que nem a gente,
mas Dom Fábio, o Coronel,
disse que a terra era dele.
Meu marido, Gerineldo,
agiu de modo imprudente.

8
Agiu de modo imprudente
matando sete jagunços,
pôs eles tripas pra fora
depois que já eram defuntos,
no fim juntou os cadáver
o os queimou todos juntos.

9
E os queimou todos juntos
fazendo grande fogueira,
muita gente veio ver,
entre eles o Zé Limeira,
estavam interessados
em ver queimar a sujeira.

10
Em ver queimar a sujeira,
que ardia pela cachaça
que aqueles sete jagunços
armazenavam na pança.
O Coronel tinha feito
- na partida - uma festança.

11
Na partida uma festança,
no regresso era um velório,
o Coronel derrotado!
Era grande o falatório;
mas Dom Fábio matutava
sua vingança no escritório.

12
Sua vingança no escritório
planejava com o Juiz,
que era um Doutor de Direito
com um enorme nariz.
Todo dia conseguia
fazer um pobre infeliz.

13
Fazer um pobre infeliz
até que não é complicado
pois o pobre vem ao mundo
com o destino marcado.
Gerineldo foi fugindo
numa mula mal montado.

14
Numa mula mal montado,
velha de dar aflição,
inda bem que meu marido
conhece bem o sertão.
Pra se esconder na caatinga
era como camaleão.

15
Era como camaleão
o Coronel Fábio Brito,
esperto como nenhum
para mudar de partido
e ficar sempre de bem
com os homens lá do Rio.

16
Com os homens lá do Rio
(inda não era de Brasília)
e tinha até um deputado
que cobiçava sua filha.
O Coronel Fábio Brito
era um bom pai de família.

17
Era um bom pai de família,
veio me dizer em casa,
por isso não me despeja
e nem fala de vingança;
despendindo-se gentil
deixa um presente pras crianças.

18
Deixa um presente pras crianças
e outro presente pra mim.
Eu não sabia que rico
era generoso assim.
Por não saber dizer não,
acabei dizendo sim.

19
Acabei dizendo sim,
ou - talvez - não disse nada
aceitando suas visitas
como mulher desonrada,
meia jornada na rede,
meia jornada na enxada.

20
Meia jornada na enxada
até que tu não precisa,
me dizia o Coronel,
descansa mais minha filha
assim fica mais disposta
depois, quando me aacarinha.

21
Depois, quando me acarinha,
depois, quando tu me beija,
teus carinhos são meu pão,
teus beijos minha cerveja.
Eu te amo, sendo rico,
por mais pobre que tu seja.

22
Por mais pobre que tu seja,
Deus te fez rica em sabores,
teu corpo tem leite e vinho,
teu andar, mandioca e flores,
queriam deitar contigo
sacerdotes e doutores.

23
Sacerdotes e doutores,
por que não um Coronel,
a quem canta Zé Limeira
e outros monstros do cordel,
onde menos se esperava
do teu corpo brota mel.

24
Do teu corpo brota mel,
que o Coronel nunca viu,
se contar pros seus convivas
vão dizer que ele mentiu,
pensa até que do demônio
é o milagre que surgiu.

25
É o milagre que surgiu
bem maior que o da Maria,
que, nos confins de Juazeiro,
naqueles tempos sabia
cuspir o sangue de Cristo
quando as hóstias engolia.

26
Quando as hóstias engolia,
o Coronel meditava
que do pecado mortal
disso ninguém o salvava
e que nas chamas do Inferno
os demônios o esperavam.

27
Os demônios o esperavam,
não deixava de pensar
e as palavras engolia
nas horas de confessar,
nenhum padre suspeitava
do mistério em seu pecar.

28
Do mistério em seu pecar
ficam pegadas na sorte:
o Coronel fica velho
e vai pensando na morte;
pra cruzar essa fronteira
não precisa passaporte.

29
Não precisa passaporte,
nem precisa nem queria
um coronel inimigo
que suas terras pretendia:
jagunços contra jagunços,
coisas da democracia.

30
Coisas da democracia,
que não tem explicação:
Andou tomando umas ervas
mas não tem mais tem solução,
o Coronel é tão velho
que já não ganha ereição.

31
Que já não ganha ereição,
na política e na cama,
inda deita do meu lado,
inda dizendo que me ama.
De que aquilo não funciona
faz tempo que nem reclama.

32
Faz tempo que nem reclama,
tá vendo perto seu fim;
velhinho é como criança
(das mesmas coisas tá afim)
Eu fico vendo navios:
Gerineldo volta a mim!

33
Gerineldo, volta a mim,
que o jagunço tá distraído,
afia tua peixeira
e esfola o velho dormido,
depois o enrola na rede,
e joga o corpo no rio.

J. M. Martínez 30/3/2002
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