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Contos-->REGRESSO ÀS ORIGENS -- 03/06/2010 - 17:29 (Gabriel de Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando chegaram a Montargil, José Manuel estacionou o carro junto de um restaurante e saiu. Sophie saiu também. Estavam com uma fome dos diabos, pois a última etapa da viagem tinha sido demasiadamente longa. Respiraram fundo e quase que se espreguiçaram simultaneamente, para desentorpecer os músculos. Subiram ao primeiro andar, onde se alinhavam várias mesas. Sentaram-se numa delas e consultaram a ementa. Uma chuva miudinha caía sobre as vidraças das várias janelas que cobriam o lado da sala virado para a rua. Pediram um ensopado de cação e vinho tinto da região. Enquanto esperavam, olharam-se nos olhos e José Manuel disse baixinho, como que falando para si próprio: - Aqui estamos cumprindo o mais forte desejo do meu pai e que ele não conseguiu concretizar. O regresso à “nossa” terra.

Leonardo emigrara na década de 1960. Viveu ainda alguns anos em trabalhos sazonais e mal pagos, mas achava que era uma vida sem futuro. A guerra começara também nos territórios africanos. Os Alentejanos procuravam trabalho no litoral, nas cidades, sobretudo em Lisboa, ou então emigravam. Soubera por amigos que em França se arranjava emprego com facilidade, pois os portugueses eram considerados óptimos trabalhadores. Prometeu aos pais, já velhotes, que tentaria mandar-lhes uma mesada para os ajudar. Custou-lhe muito deixar Montargil, mas a vida que levava não tinha futuro. Um dia voltaria. Passou “a salto”, como então se dizia, as fronteiras portuguesa/espanhola e espanhola/francesa. Teve sorte com os “passadores”, a quem pagara com o dinheirito, que mesmo assim conseguira amealhar. Levava a direcção de uns amigos que habitavam nos arredores de Paris e, assim, mal chegou, conseguiu arranjar trabalho na construção civil. Mais tarde normalizou a sua situação de imigrante ilegal. Conseguia ajudar os pais, enviando-lhes mensalmente alguns francos. Tentava também aforrar algum dinheiro, para poder alugar uma casa decente para constituir família. Durante muitos meses viveu numa barraca de madeira e zinco, situada num dos muitos “bidonvilles”, onde habitavam os portugueses. Os pais entretanto morreram num Inverno e ele fez o seu luto, fechado na barraquita, tiritando de frio e chorando como nunca chorara antes, nem em miúdo. Os transportes para Portugal eram muito demorados de comboio e muito caros de avião, pois as tarifas ainda não tinham sido democratizadas e viajar assim era quase um luxo.

Num domingo, em que passeava sem destino, absorto nas suas cogitações, pensando decerto no seu Alentejo natal, tão diferente e tão pacato, cruzou o seu olhar com uma moça linda de morrer. Sem saber bem porquê disse-lhe “Bom dia”, como se adivinhasse que ela era portuguesa. E era mesmo. Voltou atrás para lhe falar e ela aceitou a companhia. Assim conheceu Leonor. Também imigrante em França, vivendo com os pais que eram porteiros de um dos principais prédios da localidade. Namoraram alguns meses. Leonardo era agora encarregado e homem da confiança do patrão, numa conceituada empresa de construção civil. Já falava um pouco de francês e fazia alguns trabalhos por conta própria para aumentar os seus proventos. Alugou um pequeno apartamento e para lá se mudou. Casaram nesse Verão e, em breve, Leonor ficou grávida. Nasceu o José Manuel.

Em casa só se falava português. Muitas vezes, o pai conversava sobre o seu desejado regresso às origens, nem que fosse numas férias. Por uma razão ou por outra, essa viagem nunca se realizou. O filho, entretanto, estudou e conseguiu licenciar-se em engenharia informática. Sentindo-se quase 100% francês, ficava porém muito contente quando encontrava portugueses e sempre demonstrou a vontade de um dia conhecer a terra do pai de que ele falava a toda a hora. Empregou-se numa importante empresa francesa e ali conheceu Sophie, que era secretária da Direcção. Começaram a sair juntos e em breve ficaram noivos. Uma tragédia viria no entanto toldar esta história feliz. Uma explosão de gás, no apartamento dos pais, mandou os dois para o hospital com graves queimaduras. Não sobreviveram. José Manuel e Sophie, ganhando já bastante bem, resolveram respeitar três meses de luto e só então casar.

José Manuel e Sophie acabaram a refeição com um doce regional e um café. Aproveitaram a tarde para passear e gostaram muito de Montargil. Paisagens lindas e tranquilas. A albufeira devia ser um óptimo local para desportos náuticos e para a pesca. O pai ainda conhecera a barragem, pois ficara concluída em 1958. A região era muito bonita. Passaram por um cemitério e José Manuel teve uma ideia. Talvez estivesse ali um meio de prestar uma homenagem póstuma a seu pai. Pediu a Sophie para esperar um pouco no carro e entrou. Quando regressou, um sorriso iluminava-lhe a face: - Julgo que não vai ser difícil cumprir o desejo que o meu pai tantos anos acalentou. Vou fazê-lo voltar ao Alentejo…

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No Verão seguinte, quem entrasse no cemitério de Montargil, poderia ler numa lápide de mármore branco com letras a negro: «Aqui jaz Leonardo da Silveira, emigrante em França mas, acima de tudo, filho desta terra. Cumpriu-se o seu sonho de regressar a Montargil». A seu lado, noutra campa, estava Leonor. Nem a morte os tinha separado.

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