Eu Estava, Agora Sou
O meu interior pressentia que algo mais existia.
Assistia a um filme que não via.
Mas sabia que havia. Só não o via.
Gastei tintas e canetas a falar do que sentia.
Quando escrevia acontecia.
Às vezes quase via.
Via com os ouvidos, a mente absorvia perfumes
De raros odores.
O paladar exigente saboreava o presente.
A pele falava com um não sei quê, que chegava.
Até o cabelo ficava em pé: como cobre conduzia
uma energia que para dentro de mim fluía.
Consciente, inconsciente perambulava pela vida
Contente, descontente.
O meu real destoava de tudo que no mundo se via.
Não se encaixava em nada.
Eu era um pacote extraviado, que algum anjo descuidado
Mandou para este lugar.
O que escrevia ninguém lia.
Decretei a falência de mim.
Apressei o meu fim.
Só não morri porque vi, agora via o que queria.
Sem o dizer, dizia.
Já não importava para quem escrevia.
Abracei a posteridade.
Algum dia o mundo ia ler, entender, interpretar.
Escrever passou a ser uma boa companhia.
As palavras eram fadas com varinha de condão.
As luzes faiscavam ideias que me fascinavam.
Cítaras a vibrar em sintonia com o bater do coração.
Lita Moniz
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