A Foto de Zé Bonifácio
Walter Medeiros
Nos anos setenta, um dos políticos mais presentes na mídia era o deputado mineiro José Bonifácio, líder da ARENA e do governo militar. Era através dele que a nação tomava conhecimento de muitas notícias resultado dos interesses do Palácio do Planalto. Tanto que ficou popularmente conhecido como Zé Bonifácio, aquele deputado cujo nome lembrava o nosso período imperial.
A redação do jornal processava diariamente notícias com aquele político, chegada pelo teletipo, telex ou rádio-escuta – as formas mais avançadas de recepção. Mas as fotos eram resultado de cessão do Congresso Nacional, que as enviava pelo correio ou da chamada tesoura press: recortes de revistas e jornais. Mas os arquivos eram satisfatórios.
Aquelas fotos eram transformadas na antiga clicheria, de onde saía natural e logicamente o clichê – a foto cunhada em zinco, para imprimir em seguida no papel jornal. Um trabalho artesanal que incluía o acabamento com pregos e com lima, para que as pontas do zinco não cortassem o papel.
Mas naquela noite havia uma notícia importante e urgente envolvendo o deputado José Bonifácio. Por ter chegado de última hora, o editor nacional não havia feito nenhum preparo. O editor geral era quem fechava a primeira página e mandava providenciar tudo que envolvia aquele espaço do jornal.
Visado pelos militares por editar um jornal de oposição, a Tribuna do Norte de Natal, o jornalista Ticiano Duarte era o editor geral. Toda noite estava lá fechando a primeira página. Sabia o que podia e o que não podia publicar, pois a Polícia Federal freqüentemente enviava telegramas informando sobre notícias cuja divulgação estavam proibidas pela censura.
Apesar de toda tensão em que se vivia, Ticiano tinha um altíssimo astral. Nunca era visto reclamando de nada. Ouvia a todos com a maior atenção e respeito. E era muito discreto, ao ponto de evitar até mesmo críticas panfletárias à ditadura. Mas se divertia com as notícias cujas chamadas preparava.
Pois naquele noite ele queria uma foto de José Bonifácio para acompanhar uma notícia originária de Brasília. Chamou o contínuo e mandou que fosse até o arquivo fotográfico buscar uma foto de Zé Bonifácio. O jovem saiu rápido para cumprir sua missão. Mas começou a demorar e Ticiano estava ficando impaciente, pois queria concluir o serviço para ir embora.
Depois de muito tempo decidiu mandar um colega de redação saber o que estava acontecendo. Nem precisou, pois o jovem vinha chegando de volta, sem a foto.
- Cadê a foto, Pedrinho?
- Tem não, seu Ticiano.
- Impossível! Como não tem? Zé Bonifácio é o homem que tem mais fotos
naquele arquivo, todo dia sai matéria com ele aqui.
- Pois não achei não senhor. Procurei a letra “Z” toda por várias vezes e tenho
certeza.
Zé Bonifácio estava na letra “J”.
