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Artigos-->A SEPULTURA DO GENERAL -- 19/01/2003 - 17:32 (Mário Ribeiro Martins) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A SEPULTURA DO GENERAL

(REPRODUÇÃO PERMITIDA, DESDE QUE CITADOS ESTE AUTOR E O TÍTULO).



A vitória do general Abreu e Lima sobre o cônego Pinto de Campos, quando da polêmica sobre as bíblias falsas, ficou reconhecida e documentada em jornais e livros da época. Por seu desassombro, porém, teve de pagar o preço. Embora o general não pertencesse a qualquer corporação evangélica dos países por onde andou, foi de tal modo marcado pelo ódio do bispo Cardoso Ayres, pelo simples fato de examinar livremente as Escrituras e disseminar o Novo Testamento, no Recife, que, ao morrer, em 8 de março de 1869, tornou-se alvo do ato episcopal que lhe negou sepultura no Cemitério Público de Santo Amaro, no Recife.



Pelo seu grande valor como paladino da liberdade, a colônia inglesa ofereceu-lhe morada no Cemitério Inglês, onde, como em relicário, ainda estão guardados os seus restos mortais.



Sobre o assunto, disse Pereira da Costa: “No seu cadáver, vingaram-se os seus inimigos e obtiveram arrancar do bispo diocesano D. Francisco Cardoso Ayres, uma ordem que lhe negava um pedaço de terra no Cemitério Público desta cidade!” (Francisco Augusto Pereira da Costa, Diccionário Biographico de Pernambucanos Celebres. Recife: Typ. Universal, 1882, p.568).



A influência do cônego Pinto de Campos sobre o bispo Cardoso Ayres não pode ser negada. A maior autoridade católica de Pernambuco e seus aliados defendiam os mesmos interesses. Apesar de se dizer que o bispo antes de decidir definitivamente sobre a não sepultura do general foi à capela orar, na verdade, ele foi apenas ratificar o que já tinha estabelecido.



Embora o escritor Nilo Pereira argumente que o bispo não podia agir com fanatismo, visto estar em jogo sua consciência, esta justificativa é muito inocente para convencer a quem conhece os desmandos dos papas, bispos e padres, através da história da igreja. É bom perguntar: Onde estava a consciência padresca na queima de bíblias? Ou nas demais perseguições religiosas no Brasil?



O próprio Pinto de Campos, diante dos apertos dos liberais que acusavam de ter influenciado a decisão do bispo, revelou o que o padroado estava acostumado a fazer e sobretudo o seu sentimento de culpa, quando disse: “E verão como eu meto gente na casa de detenção!” (Pinto de Campos, “Comunicados”, Diário de Pernambuco, 13 de março de 1869, p. 2.)



Estava Pernambuco sem autoridade para o cônego ter de fazer justiça com as próprias mãos? Este, porém, era o costume padresco. Foi esse mesmo Pinto de Campos que celebrou o casamento de um maçon, o que era proibido pela igreja, sem ter problemas de consciência e sem atentar para a autoridade superior.



Antes de morrer, Abreu e Lima deu testemunho de sua fé, quando fez ver ao bispo Cardoso Ayres que podia “fazer-lhe as visitas que quisesse, certo de que não admitiria mais discussão sobre os pontos em que era inatacável” (Pinto de Campos, “Comunicados”, Diário de Pernambuco, 12 de dezembro de 1869, p. 2).



O fato é que mesmo antes da morte do general, o bispo diocesano já havia entregue ao administrador do cemitério um envelope lacrado em que se encontrava o ofício negando sepultura a Abreu e Lima, conforme José Carneiro da Rocha, presente naquele momento: “Exigiu S. Exa. que ambos nós guardássemos inteiro segredo sobre sua decisão, que foi em reservado e em ofício lacrado para ser aberto quando aquele falecesse” (José Carneiro da Rocha, “Comunicados” Diário de Pernambuco, 9 de maio de 1869, p. 2).



A ordem do bispo foi assim expressa: “Estando nós certos de que o general José Ignácio de Abreu e Lima não estava considerado em seus últimos instantes de vida por verdadeiro filho da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, nós pelo dever que nos incumbe lhe participamos pelo presente, que não permitimos que se lhe dê sepultura nesse cemitério” (E. R. M., “Publicações Solicitadas”, Jornal do Recife, 27 de julho de 1869, p. 3).



O Conde de Baependy, escrevendo ao Conselheiro Paulino José Soares de Souza, do governo imperial, e narrando sua visita ao bispo, no dia em que morreu o general disse: “À vista desta declaração, disse a V. Exa. Revma. que, respeitando sua decisão cumpria-me providenciar por formas que o cadáver tivesse sepultura decente em outro lugar qualquer e assim resolvia que isso se fizesse no terreno extra-muros do cemitério e a ele pertencente, que não havia recebido as bençãos da igreja, se os parente e amigos do finado não dessem preferência ao cemitério protestante, que existe nesta cidade, a qual me constava já haverem recorrido... efetivamente assim se praticou no dia seguinte (dia 9), sendo a cerimônia religiosa feita pelo respectivo pastor” (Conde Baependy, “Carta ao Conselheiro Paulino José Soares de Souza”, O Apostolo, IV, NÝ 13, 28 de março de 1869, pp. 98-99).



Na verdade, o artigo 857 do título 57 das Constituições do Arcebispado da Bahia, comum à diocese de Pernambuco, acentuava: “Não se dará sepultura eclesiástica aos judeus, hereges, cismáticos e apóstatas da nossa santa fé, que a igreja tem julgado por taes ou por outra via for notório que o são; nem aos que os favorecem ou defendem” (Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, feitas e ordenadas pelo ilustríssimo e Revmo. Senhor D. Sebastião Montero da Vide, Arcebispo do dito Arcebispado e do Conselho de sua Majestade, Lisboa, 1719, p. 299).



Por outro lado o artigo 859 do título 57 dizia: “Com toda a consideração examinem os casos em que se há de negar a sepultura, e as circunstâncias deles; e havendo dúvida, antes se inclinem a concedê-la, do que a negarem” (Ibid, p. 300).



No caso de Abreu e Lima, mesmo que houvesse dúvida, o bispo já tinha o pensamento formado sobre o assunto, daí ter preparado o documento de proibição da sepultura com muita antecedência. Um articulista da época que assinava por “W” atacando o general, embora depois de morto, disse: “Não quis crer e receber tudo o que a santa igreja, como mãe, nos propõe no seu público ensino, como não considerava que depois da redenção, a religião católica é só aquela em que não há salvação” “W”, “Publicações a Pedido”, Diário de Pernambuco, 12 de março de 1869, p. 3).



Como foi mencionado, a sepultura deveria ser concedida sempre que houvesse dúvida. No caso de Abreu e Lima houve dúvida porque até o sacerdote a quem o bispo consultou sobre a condição espiritual do general, apenas “se dizia ter assistido ao moribundo” (Ibid). Não havia certeza, portanto, nem se o sacerdote esteve realmente lá.



Deste modo se conclui que a inclinação do bispo, já formada com muita antecedência, era não permitir a sepultura no cemitério e assim vingar-se daquele que esclareceu tantas famílias com a bíblia.



Alguns dias após a morte do general, “A Opinião Nacional” publicou o seguinte convite: “Os abaixos assinados, amigos do ilustre finado, general José Ignácio de Abreu e Lima, convidam, em nome da RELIGIÃO CHRISTÃ (o grifo está no original), a todos os parentes e amigos desse venerando pernambucano para a visita da cova, hoje, 14 do corrente, pelas 7 horas da manhã, no Cemitério Inglês” (“Convite”, A Opinião Nacional, 14 de março de 1869, p. 2).



Sobre o acontecimento, disse Sebastião Galvão: “No sétimo dia, em desagravo à afronta da autoridade diocesana, um numeroso grupo de pessoas gradas se dirigiu ao cemitério dos Ingleses, a fim de prestar merecida homenagem ao venerando pernambucano, usando então da palavra o escritor Franklin Tavora e o professor de Direito Vasconcelos Drumond” (Sebastião Galvão, Diccionario Chorographico, Histórico e Estatístico de Pernambuco, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908, p. 225).



Diante da intolerância do bispo Cardoso Ayres, Joaquim Antonio Faria de Abreu e Lima dirigiu um recurso à Coroa, solicitando a trasladação dos restos mortais do general para o Cemitério Público.



O resultado à luz da época padresca não poderia ter sido outro, senão a negação ao pedido, apesar da argumentação convincente do suplicante, que acentuou: “A Constituição do Estado dispõe que ninguém pode ser perseguido por motivo de religião uma vez que respeite a do Estado e não ofenda a moral pública” (E. R. M., “Publicações Solicitadas”, Jornal do Recife, 27 de julho de 1869, p. 3).



Em virtude deste recurso impetrado pelo sobrinho do general, o Ministro do Império concedeu ao bispo Cardoso Ayres 15 dias de prazo para responder às acusações.



Em sua resposta, o bispo se mostrou arrogante, revelando as atitudes padrescas: “Permita-me V. Exa. na sua bondade que eu não oculte quão ingrata impressão me causou este decreto de V. Exa, o qual me fixa um prazo de 15 dias para responder” (Livro do Governo do Bispado de Pernambuco, começado em 1867 e terminado em 30 de dezembro de 1870. Recife, 8 de setembro de 1869, pp. 117-118).



Ao findar seu depoimento, o bispo pressionou o Ministro, dizendo: “Pela amisade que lhe tenho não permita, que de modo algum, direta ou indiretamente pareça que V. Exa. participe no triste desenvolvimento desse estranho recurso” (Ibid).



Num ofício do cônego João Crisóstomo, substituto do bispo Cardoso Ayres ao Presidente da Província, em 26 de julho de 1870, pode-se observar com mais intensidade o espírito padresco: “Pode-se remediar este grande inconveniente com uma medida bem acertada, e é fazer-se unido ao Cemitério um suficiente departamento com S. M. recomenda tendo este comunicação com aquele, a fim de ali descansarem os restos mortais das pessoas que tiveram a desventura de morrer privadas da amizade de Deus e do ósculo santo da Igreja... penso também que na mesma área destinada ao jazigo de taes pessoas não devem ser sepultados os PROTESTANTES de profissão” (Oficio do Cônego João Crisóstomo de Paiva Torres ao Presidente da Provincia, em 16 de julho de 1870).



Comumente se diz que Abreu e Lima não teve sepultura no cemitério Público, em virtude de sua discussão com o cônego sobre as bíblias falsas. Isto é verdade.



Mas houve um outro motivo talvez muito mais forte. Abreu e Lima pertencia a uma loja maçônica, e como maçon que era, ameaçou Pinto de Campos de aplicar-lhe o castigo maçônico, conforme suas palavras: “Eis ahi o que eu faria; mas ponde a bom recado as costellas por que ha de ser tanto o pão que vos hão de fazer passar por baixo de uma abobada de aço. Perguntae a um maçon o que isto quer dizer” (Christão Velho, As Bíblias Falsificadas ou Duas Respostas ao Sr. Conego Joaquim Pinto de Campos. Recife: Typ. Commercial de G. H. de Mira, 1867, p. 61).



Sobre o túmulo do general da bíblia foi erguido um monumento com o seguinte epitáfio: “Aqui jaz o cidadão brasileiro general José Ignácio de Abreu e Lima, propugnador esforçado da liberdade de consciência. Faleceu em 8 de março de 1869. Foi-lhe negada sepultura no Cemitério Público pelo bispo Francisco Cardoso Ayres. Lembrança de seus parentes.”



Pelos seus trabalhos literários, o general foi distinguido como patrono de uma cadeira na Academia Penambucana de Letras, na qual foi empossado posteriormente o pastor presbiteriano Jerônimo Gueiros. É certo que se o bispo Cardoso Ayres previsse os efeitos contraproducentes de sua intolerância contra o cadáver de um pernambucano da estirpe do filho do padre Roma, jamais tê-lo-ia praticado, pois a voz da história profligou-lhe um ato medieval.





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MÁRIO RIBEIRO MARTINS

Procurador de Justiça, Escritor. E-Mail:

mariormartins@hotmail.com Caixa Postal, 90, Palmas, Tocantins, 77001-970. Fone:(063) 215 44 96.

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Comentarios

Myriam Lima  - 30/12/2022

Excelente descrição dos fatos, com fontes adequadas. Aprecio do ponto de vista da História do país e das lutas por liberdade e aprecio do ponto de vista da historia da minha família. Meu trisavô, Joaquim Antonio Faria de Abreu e Lima, honrou o General, a família e o Brasil.

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