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cronicas-->Minha experiência extra-corpórea -- 03/09/2006 - 08:23 (Domingos Sávio Fernandes de Souza) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Minha experiência extra-corpórea
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O fantasioso sempre permeia a cabeça infantil, não sendo difícil conhecermos casos em que pais e parentes ficam intrigados com afirmações e idéias ditas por crianças ainda em tenra idade, capazes de embatucarem os adultos. O caso que relatarei foi real, embora saiba perfeitamente que muitos poderão não acreditar ser verdadeiro, mas vamos a ele:

Não posso precisar em que idade aconteceu. Parece-me, contudo, que tinha entre sete a nove anos de idade. Morava em Juazeiro/Ba, na rua Quintino Bocaiúva.

Por minha mãe ser bastante religiosa, as Orações eram constantes em casa: desde o Terço; Ofício de N. Senhora; Novena de N. Senhora, ainda acompanhava minha genitora diariamente às Missas na catedral N. Senhora das Grotas, inclusive na obrigação dominical. O certo é que o clima de religiosidade era permanente dentro de casa.

Também não era afeito a me ausentar de casa para o convívio com outras crianças da rua. O regime severo, sempre com a afirmativa de que em casa tinha com que e com quem brincar, fizeram-me muito caseiro. Creio que esse ambiente de extrema religiosidade e aprofundamento espiritual foi o responsável por inúmeros sonhos meus, de encontros com Anjos e até mesmo com Jesus Cristo e N. Senhora.

Posso afirmar, sem medo de engano, que vivia próximo à condição de um Anjo. Era costume naquela época os pais educarem seus filhos prendendo-os dentro de casa, onde os mesmos resguardados dos pecados do mundo, ignoravam sua existência e sem a imagem de televisão deformando os lares, faziam-nos desconhecedores da malícia, ao tempo em que cada vez mais purificávamos a alma, evitando-se pequeníssimos deslizes.

Uma mesa quadrada, de madeira, meu pai sentado à minha esquerda, à frente meus irmãos Taurino e José e do outro lado Raimundo, era o cenário daquele início de noite. Aguardávamos que minha mãe trouxesse da cozinha a porcelana com a sopa servida diariamente ao jantar.

Com os talheres nas mãos, de repente senti algo estranho no corpo. Um tipo de calafrio, formigamento e a sensação de que alguém invisível apoderava-se de mim fez-me parar os movimentos e refletir sobre a existência do ser humano. Sem que quisesse, senti que estava ficando leve, leve e que o meu espírito abandonava meu corpo até que flutuando foi-se esvaindo pela cabeça e me abandonou. Como um balão de oxigênio meu espírito subiu até as telhas daquele ambiente, fazendo-me flutuar em decúbito frontal, olhando aquele lar: aquela casa simples, aquela mesa de alimentos.

Vi-me na mesa sentado com os talheres nas mãos aguardando o alimento. Olhei para meu pai de lá de cima e tive pena dele pelo seu esforço diário na obrigação de ser o único responsável por trazer o alimento a todos nós. Acompanhei, do alto, os passos de minha querida mãe trazendo a sopa, colocando-a na mesa para que nos servíssemos. Eu passava entre os espaços dos caibros e telhas, deslizando e escoando sem contato físico.

Procurei descer imediatamente para retomar meu corpo e não consegui. Fiquei apavorado. Tentei gritar para todos para que vissem onde eu estava, porém a voz não saiu. Imaginei-me morto, enquanto observava meu corpo estático, sem forças para servir-se. Percebi que ninguém notava nada de estranho e somente eu vivia aquela dualidade esquisita de vida fora do corpo.

Aos poucos fui descendo devagarzinho e retomei meu corpo. Somente daí em diante tive ànimo para me servir da sopa, tempo em que minha mãe retornando da cozinha, já intervinha questionando se eu não queria comer. Se estava com fastio etc., pois percebeu que eu não me manifestara em querer o alimento. Não lhe respondi, nem tampouco tive vontade de revelar-lhe o que acabara de acontecer.

A partir do acontecido, com o gosto da sensação de leveza, comecei a ter uma vontade incrível de ver repetida a façanha, sem, no entanto, deixar de recear não conseguir retomar meu corpo. Fortalecia-me a idéia de que era alguém diferente dos demais. Era um garoto com a capacidade de tornar-se invisível. Infelizmente, todas a vezes que tentei forçar a repetição do acontecido não tive êxito. Chegava bem próximo à levitação. Iniciava-se o formigamento, mas o pavor de ter dificuldades em retornar à naturalidade segurava-me.

Por fim consegui novamente realizar a experiência. Lembro-me que ansioso para que o fato se repetisse rapidamente, numa tarde de domingo, postei-me em frente a um grande espelho que havia no quarto, onde se via o corpo por completo. Passei a filosofar quem era aquele ser que o espelho refletia. Olhei atentamente para o espelho, fixamente para aquela imagem de criança. De repente senti aquela mesma sensação de abandono do corpo. Percebi que se repetiria o que almejava e me vi feliz abandonando novamente meu corpo diante do espelho. Uma sensação gostosa de superioridade veio-me aliviando o temor. Fluí em direção à cumeeira da casa e lá do alto pude me admirar diante do espelho.

Lá de cima, rente ao telhado, flutuei por toda a casa observando os aposentos e meus familiares: um dormia no outro quarto; meu pai trabalhava em sua oficina; minha mãe sentada à frente de uma máquina costurava algumas roupas. Ouvi as vozes da rua, onde a vida transcorria normalmente e senti-me um Anjo com capacidade para passear por toda a casa sem o fardo da matéria. Aterrou-me, inesperadamente, a idéia absurda de que o vento poderia apanhar-me e levar-me para bem distante. Procurei imediatamente descer e retomar minha matéria até que com algum esforço fui descendo vagarosamente até adentrar minha massa corpórea. Aliviado e fascinado com a nova viagem, saí silencioso, guardando comigo o segredo de que havia descoberto uma maneira de tornar-me apenas espírito.

Passei mais algum tempo encabulado com essas experiências, com medo de revelá-las e ser tratado como um mentiroso. Receoso em repeti-las, embora muito gratificante imaginando que por qualquer atitude inexperiente iria voar pelo espaço e jamais encontraria o meu corpo.

Os anos passaram-se e parece-me que o convívio com a adolescência fez-me tirar a pureza da alma, pois quando tentei mais tarde repetir a façanha não mais consegui concentrar-me. Algo em minha mente invadia o pensamento dizendo-me que eu já não era mais digno de tal proeza. Mesmo buscando a religiosidade, a Comunhão e a Igreja, eu não era tão puro a ponto de ser premiado com tão maravilhosa experiência. Meu mundo, parece-me, tornou-se pecaminoso, indecente, tendo eu perdido completamente a ingenuidade e grandeza espiritual.

Lembro-me que certo dia na adolescência, tentando ver-me fora do corpo e não tendo êxito, chorei amargamente lutando para descobrir onde e quando perdi a pureza. Um choro dolorido, solitário, cheio de remorso por ter deixado escapar facilmente a grandiosidade de ser apenas espírito, com o extremo poder de livrar-me, quando bem entendesse, da matéria humana.

Depois de tantos anos passados, guardo com tremenda saudade as duas experiências extra-corpóreas que tive a felicidade de saborear. Luto para me convencer de que o mundo é muito melhor do que pensamos e que nós humanos é que muitas vezes, por ignorància, destruímos o grande poder e força que nos foi doado por Deus. Por isso, ficamos perdidos querendo responsabilizar outros por nossa incapacidade de trilharmos os caminhos da felicidade. No estado mental de plena paz e proximidade do Criador nada é impossível.
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