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Contos-->Eles não usam cheviot -- 22/08/2010 - 09:59 (Alfredo Domingos Faria da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eles não usam cheviot
(cheviot é um antigo uniforme militar)

- A salada está muito boa! – elogia um.
- Já o frango “explodido” está terrível – comenta, desanimado, o outro.
Os companheiros se reúnem à mesa da repartição, todos os dias para o almoço. Chegam em horários diferentes, mas há chance de os grupos se formarem.
Há os que ainda estão na ativa e os que já se aposentaram, mas voltaram contratados, são os CMR (Contratação por Mérito Reconhecido). Estes últimos são os “garotos”, que já passaram dos cinquenta, entrando com os causos mais antigos. A experiência conta. Assim, o que não falta é assunto.
Não existe uma “agenda” fixa para as conversas, discussões e brincadeiras. Muito ao contrário, a criatividade domina a cena. O momento é mesmo próprio à descontração. Afinal, o intervalo das tarefas diárias deve ser aproveitado para amenizar a rotina e as preocupações.
As histórias se revestem, normalmente, de comicidade, mas há espaço para as ranzinzices. Os CMR contribuem com aquelas velhas expressões: “porque no meu tempo era diferente” e “hoje está tudo mudado”. Aliás, é uma característica forte da faixa etária achar que viveu tempos melhores; os dias atuais é que são complicados. Vai ver, eles têm razão...
O local é amplo e a mesa que nos cabe, de tamanho avantajado, fica no fundo do refeitório, junto a um quadro de gosto duvidoso, de traços esmaecidos, retrato do Rio antigo.
O futebol entra em campo, mesmo; principalmente por parte dos tricolores das Laranjeiras, que representam a maioria. Somente ali os rubro-negros não dominam, até que enfim! Alívio de vascaíno. A propósito, temos o nosso representante da “paulicéia desvairada”, o Luiz Carlos é são-paulino e dele partem as gozações sobre os desesperados de cá, em direção à “Segundona”.
As segundas-feiras são acaloradas. Os lances do fim de semana são pormenorizados. Falha de árbitro e o famoso “levamos azar” são desculpas. A graça está nos argumentos tendenciosos, com cada um puxando brasa pra sua sardinha ou, melhor, pro seu time.
No terminar do campeonato brasileiro o choro é livre:
- O ex-presidente do Clube deixou as coisas em estado deplorável. O time não tem nem uniforme para usar, como pode?
- este técnico não manja nada, é um perdedor, veio lá do Tainha Futebol Clube, da 5ª Divisão.
- Como pode o Jaburu Luiz jogar no meu time, ele é muito ruim, é o perfeito jogador da roça.
Tantas são as apelações...
Saindo do futebol, o papo migra para a política. São tratados os incômodos do dia a dia, aqueles que estão presentes em nossas vidas. Surgem as bizarrices que todo mundo sabe e que ninguém conserta, ano após ano.
São os “flanelinhas” das vagas de carro. Verdadeiros donos das ruas, que ameaçam a integridade dos carros, quando não recebem os trocados exigidos. Não há planejamento para aumento de vagas dos automóveis na cidade, principalmente no centro, aí brotam as soluções irregulares, os descalabros.
Estão as calçadas em péssima conservação, fazendo estrago nas pessoas. Além disso, têm os fradinhos, as barras de ferro, os canteiros, e tudo o mais que atrapalha e derruba.
A cada túnel, semáforo ou viaduto temos uma surpresa (o que não é mais surpresa para os cariocas). Surgem os assaltos e os arrastões. Pobre gente varonil e desamparada!
Na área das finanças o repertório é extenso.
- Não tem cabimento uma latinha de ração, do meu cachorro alérgico, valer mais do que um quilo de filé mignon. Sei lá se é importada a tal lata – reclamou o Ulisses.
- Meu salário dura até o dia dez do mês, daí em diante o que salva é o cartão de crédito – acrescentou o Jorge “Preá”, colocando mais uma desventura:
- Aliás, a minha mulher, toda vez que volto tarde pra casa, no dia seguinte toma o destino do Shopping, vai esgotar o meu restinho de grana. É este o cenário!
Vêm à tona os altos impostos pagos, os problemas com as empresas de telefonia, a taxa de condomínio escorchante, a mensalidade abusiva dos colégios, sem falar nas propinas que a todo o momento temos que pagar para facilitar a vida difícil.
Para alegrar, porque nem tudo é tristeza, contamos as histórias da juventude, os namoros e os correspondentes.
Na esfera dos correspondentes, tem uma passagem hilária, se não fosse trágica, do amigo Moreira Filho. Ele fez o relato:
- Fui com o Lopes num recinto, eu diria do tipo estimulante do sexo, relaxante, para um pouco de divertimento, quando resolvemos “ficar” com as moças. Porém, a vontade não bastava, era necessária a preparação. Vocês já entenderam?! Perguntei se ele tinha um Viagra, para dar o “plus”. A resposta foi frustrante, somente tinha um comprimido. Não perdi a pose, dizendo: oh, meu, vamos dividir esta joça! Desgraça pouca é bobagem. Dá aqui que eu corto com o dente, e, veja bem, segura o pozinho para não perder nada. A situação exige!
A secretária da Divisão de RH é conhecida como Sandrinha “Tsunami”, apelido dado pelos seus dotes físicos. É uma perfeita deusa! A brincadeira tem sentido de elogio, referindo-se a sua passagem, que derruba o que tem pela frente, tamanha é a sua beleza; comparação com a onda devastadora. Toda vez que ela entra no “rancho”, os nossos olhares se cruzam, indicando a sua chegada agradável. Foi rainha da piscina da Associação Atlética Vila Esperança, em tempos idos, reza a lenda. Não custa acreditar. Aquilo que os olhos veem, faz bem às cabeças dos velhinhos, sem maldade!
Palhares, de múltiplas habilidades e atividades, pratica karatê, participa de maratona, é doutor de diploma tirado em Londres e, nas horas vagas, confecciona, com esmero, vidros de deliciosa pimenta, para regalo dos comensais.
As gentilezas não param dessa forma, o Duarte, decano e guru entre os pares, semana passada, trouxe-nos um queijinho condimentado, delicioso, que delicadamente fatiou e ofereceu como tira-gosto - que bacana!
O Neco tem sua maneira própria de fazer as refeições. Basicamente, preenche o prato com feijão e um pouco de farinha, tudo regado com azeite. Sua alimentação é selecionada, tendo algumas restrições, mas o toque lúdico fica por conta da colher de sopa usada em detrimento do garfo.
Alguns trazem suas próprias guloseimas, para consumo próprio, deixando os outros com água na boca, como azeite especial, farelo de linhaça e maionese “light”.
Castro comentou, certa vez, divertindo o grupo, que espera que esses complementos alimentares, recomendados na atualidade, tenham efeito colateral positivo “na hora do vamos ver com a patroa”. Em acréscimo, disse que, até então, o resultado era nulo; para seu desapontamento. Risos!
Recebemos uma enxurrada de indicações para uso de: castanha do Pará; aveia; brócolis, este em abundância; melancia, chá verde, sem esquecer o branco, que é bom também; e assim, sem fim. Há consistência nestas e em outras receitas? Pode-se ter esperança, como quer o Castro?
As histórias do passado vêm à baila, recheadas de humor ou, até mesmo, de crítica a alguns companheiros pelas façanhas desastrosas.
Contou-se o caso famoso de um servidor, gestor da “caixa 2” da sede da repartição em Recife, que em uma reunião do Conselho Fiscal, quando perguntado pelo balancete da “caixinha” alegou, simplesmente, não haver nada sob sua responsabilidade. Foi uma confusão, cujas consequências sobraram para o chefe, porque deixou de fiscalizar o infiscalizável. Até hoje, não se sabe o destino do dinheiro, quem o levou. Estima-se quantia alta!
A quarta-feira é conhecida como o dia de Aracaju, em função da presença de um componente avulso da mesa, que só está nesse dia, e sua conversa habitual é falar da cidade de Aracaju, onde tem uma casa. Vira e mexe, ele puxa o papo para a cidade nordestina, cantando as maravilhas naturais, os quiosques à beira-mar e os bares noturnos.
A sexta-feira assume traços festivos, a dobradinha (a famosa buchada) aparece triunfal no cardápio, acompanhada de uma batida esperta, dando um toque especial. Há gente que apenas “belisca”, é a forma “zen”; mas não faltam os que vão fundo, dobrando, literalmente, a amarração.
É bastante intensa, entre os componentes da mesa, a troca de e-mails e eles são comentados, dissecados. Trata-se da continuação do relacionamento em outros momentos. Parece que existe a vontade do contato permanente, que se verifica pela amizade consolidada.
Nem tudo, no entanto, é alegria. Por causa da idade avançada (é brincadeira, hein?!), surgem as reclamações acerca do comportamento da saúde, o que representa, na verdade, a falta dela, não é?! A pauta nesse mister é vasta. As queixas vão desde os problemas do fígado às dores na lombar, passando pela pressão arterial alta, desembarcando na próstata combalida.
Os “rapazes”, quem nos dera que fôssemos, têm diversificadas atividades paralelas e recreativas fora do expediente.
Uns dão aula, outros se realizam na culinária, tem os que se dedicam à informática, não faltando os dançarinos de salão e os marceneiros de ocasião. Ainda, surgem os escritores escamoteados, na encolha; sendo que um deles, ao ser chamado de “imortal”, interferiu que pode até concordar com o título, desde que se valendo da artimanha do compositor Cartola, que na sua simplicidade, declarou, em plena fama, aceitar a nobre referência, pois não tinha mesmo aonde cair morto. Cartola navegava confortável na poesia e a manobrava com maestria!
Então... Poderíamos continuar a enumerar, sem cessar, as proezas e as histórias dos nossos almoços. Todavia, é possível já se ter uma ideia de que o prato principal, ali servido, não vem do fogão, nem seus ingredientes são comprados ou mensurados. A iguaria posta à mesa vem do coração e é constituída de emoções.
Alfredo Domingos Faria da Costa
(agradeço e cumprimento os amigos da chamada “Santa Ceia”)
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