Usina de Letras
Usina de Letras
103 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62182 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->EU, O OUTRO -- 05/09/2006 - 08:24 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 44ª. crónica da série*. São crónicas independentes não obstante formem uma sequência, na intenção de uma crónica de viagem contínua...)


44
EU, O OUTRO


E havia aquela voz dentro de mim, contradizendo-me. Onipresente. Não sei se era o Anjo da Guarda ou o Coletivo Social, o outro Eu feito à minha dessemelhança e contragosto, desgostando e desgastando o meu entusiasmo.

Houve momentos em que fingi-me de surdo e mudo, fugindo ao diálogo que eu sabia de antemão perdido.

Era uma cobrança constante, um juízo inflexível. Mas eu movia o corpo, assumia a minha ossatura e fazia mover a minha tessitura frágil e obstinada para vencer temores e pudores.

Creio que era a voz do dono, a voz do Outro, soprado em minha alma desde o amanhecer de minha existência. Uma difícil convivência. Na adolescência transformou-se em um tribunal constante. Não obstante, resistia. Fugia, gastava energia e vontade.

Estava possuído, consumido. Era uma voz plural, convencional. Eu não, eu era o anti, o contra, o insubmisso. Isso e o outro. Porque estava em mim, eu sabia se devia, se podia, mas escapava, saltava, descia a uma realidade avessa, torta, tortuosa.

Os livros da infància me cegaram, as lições do colégio me crucificaram.

Eram lições de fora, eram porções de feira, eram textos e preconceitos. Preceitos.

Creio que havia um exemplo a seguir, um ritual a cumprir, um caminho a percorrer. Havia o caminho do Bem e o tortuoso caminho do Mal, que era o melhor de todos.

Disseram-me que morder a hóstia enchia a boca de sangue; que blasfemar contra Deus era condenar-me ao inferno da vida e da outra vida. E eu só queria esta vida, que me era negada ou manipulada, em nome da outra.

Havia o recurso do espelho, para dialogar comigo mesmo. Quando não nos entendíamos eu quebrava a imagem, para superá-la. Falava sozinho, para o meu abandono, nas noites sem sono, almejando espaços impossíveis.

O mundo é cada vez menor! O espaço diminui geometricamente enquanto a humanidade cresce aritmeticamente. Não há espaço para todos. Há regras, há limites. Só é possível crescer para dentro, desalojando este Outro que nos sufoca.

Suicidei-me pela metade para ocupar o meu espaço inteiro e estou condenado à solidão de mim mesmo. É hora de reinventar o espelho, para não cair na submissão aos livros e aos sábios que já têm verdades prontas para o consumo. Valha-me Deus, que sou ateu!

------------------------------------------------------------
Próxima crónica da série: (45) PLENITUDE

Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de crónicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as crónicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".

Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico. Brasília: Asefe, 1996. 115 p.



Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui