Em 1961 meus pais compraram uma geladeira Steigleder (será esta a grafia correta?), morando no interior do Rio Grande do Sul. Foi o primeiro casal do destacamento militar do 1º Batalhão Ferroviário de Bento Gonçalves na localidade de Santa Teresa(hoje cidade) a possuir a maravilha tecnológica.
Era considerado um luxo para muitas das pessoas que moravam no local, um vilarejo com casas de sargentos e civis a serviço do Exército Brasileiro. Um dos comentários que dava certo status era dizer que haviam passado na casa de meus pais e bebido água gelada, comparar o sabor da água de geladeira com a água dos poços da serra gaúcha, gelada por natureza.
Este era o Brasil de Juscelino Kubstchek, ainda engatinhando pela revolução industrial. Um Brasil que tentava viver a idéia de democracia, com ataques ferozes de uma oligarquia burra assentada nas fazendas, com medo que a industrialização promovesse mudanças radicais, que os operários rurais tivessem salários mínimos registrados em carteiras e reivindicassem direitos que os barões do mato não tinham interesse em atender.
A fábrica Steigleder fechou, os sistemas de refrigeração mudaram, estão na mão de multinacionais em grande parte e geladeira tem em qualquer canto, não servindo de tema para puxar conversa entre vizinhos e bisbilhoteiros.
Só não mudou muito a mentalidade dos barões rurais, que ainda acham que os empregados não têm muitos direitos, que reforma agrária é coisa sem sentido e que não acham ruim invadir terras federais e reivindicar ajuda eterna dos bancos federais.
A questão agrária continua incomodando milhares de pessoas por todo o território nacional, do interior do Rio Grande aos confins da Amazônia, e foram passados 40 anos.
A tecnologia dos refrigeradores, a performance de Juscelino, a dinâmica do tempo parece não ter passado para uma boa parcela dos proprietários rurais, principalmente a dos latifundiários, já que nos minifúndios famílias inteiras trabalham e muitas ainda não sabem o que é uma geladeira, pela falta de energia elétrica suficiente no campo.
Ainda hoje, guardadas as devidas proporções, os operários rurais esperam pelo momento de comprar eletrodomésticos, pela carteira assinada e pela democracia, uma espécie de mito de cidade grande, sonho de quem vive na miséria, esperando que direitos fundamentais se tornem coisa chique.