Não gosto de escrever sobre Justiça, nem sobre justiça, nem sobre Poder Judiciário, nem sobre poder judiciário. É complicado. Os homens recortam o texto, se não entenderem, ou se entenderem mal, podem achar que o texto é mau. Aí, bem, temos que construir um texto bom.
Mas fui interrompido por uma advogada que pedia para falar sobre o narcotraficante profissional Fernandinho Beiramar, o que debocha, zomba, e sabe mais do que eu diferenciar o que é Justiça Comum e o que é justiça comum.
O Fernandinho tem dinheiro, bons advogados, alguma chance de ganhar uma cela confortável, sobreviver algum tempo, apesar do grande perigo que corre ao respirar num centro onde políticos mandam. Não é Treblinka, Dachau, mas tem componentes perigosos no ar.
O Fernandinho, se não fosse tão teimoso, levado, poderia ter um tratamento melhor, mas ainda que andasse com quilos de droga ilegal nas mãos, ou matasse algum desafeto pela rua, poderia, desde que não fosse lavrado o flagrante, provar que é um cidadão de profissão quase definida, integrante de um seleto grupo, e conseguir permanecer em liberdade para ser julgado pela Justiça. Procedimento corriqueiro.
Já o desconhecido Fernandinho da Valeta, caçador de sapinhos ali do bairro Tancredo Neves, esse age na surdina para evitar o flagrante.
Fernandinho da Valeta sobrevive de caçar batráquios desavisados e anuros, com os quais enche sua imunda panela, pede fósforos emprestados aos vizinhos, e cozinha os bichinhos, integrantes da fauna brasileira e protegidos por rigorosa lei.
Fernandinho da Valeta conhece a justiça comum, e sabe que matar bichos da fauna brasileira é um crime grave, inafiançável.
No seu barraco fedorento e sem iluminação se esconde. Não tem acesso a advogados, e tem medo de ser enquadrado pela lei dos bichos, feita pelo bicho homem, que considera cocaína mais leve que sapinho.
Claro, o Fernandinho da Valeta também come rãs, pererecas, e na falta, cobras e escorpiões. As más línguas incluem tarântulas e borboletas no seu cardápio.
Enfim, um marginal completo, elemento. Incorrigível, mas não burro. Caça de noite, não tem nada a ver com guerrilheiros, desconfia de políticos e nunca bateu foto. Nem tem identidade. Entende a justiça, como o Beiramar entende a Justiça. Alguma coisa os dois têm em comum. |