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Artigos-->As Eternas Contradições Humanas -- 20/01/2003 - 15:58 (Márcio Scheel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
As Eternas Contradições Humanas



Leio publicações várias que falam, todas, sobre a mesma coisa: viver bem, sinônimo de vida saudável, preservada do inevitável e corrosivo passar do tempo as custas de dietas, privações, exercícios e dinheiro, muito dinheiro aplicado nos caixas de academias de ginástica e similares, um dos poucos empreendimentos comerciais lucrativos nesse país, exceção feita a especulações financeiras na bolsa de valores (para quem pode e não para quem quer), leis de incentivo a cultura (ver Guilherme Fontes e Chato, o Rei do Brasil – o filme que poderia ter sido e que ainda não foi) e posições políticas de alto escalão, moralmente sempre mais baixo que fundilho de cachorro, coisa entediante para quem tem um mínimo de decência ou civilidade.

De repente, todos se convenceram de que o bacana mesmo é ir estendendo os prazos do visto de permanência sobre a terra, numa luta obstinada contra nossa única e inalienável certeza: a de que, mais cedo ou mais tarde, a indesejada das gentes há de nos levar pela mão ao barqueiro caronte, que nos garante – mediante o óbolo sempre oneroso para quem pensa nisso – uma travessia segura ao vale das sombras, nosso Hades particular e intransferível. A morte é o único destino certo e infalível do homem, e morremos um pouco a cada hora, diariamente, sendo que a definitiva é, imagino, a menos dolorosa.

O estranho é que tudo na história do homem esteja fundamentado no excesso. A contracultura, por exemplo, surgida durante os anos sessentas e que atravessou quase toda a década seguinte, tinha como fim último a descoberta e o livre exercício do prazer, absoluto, hedonista, físico: daí a geração beat, a Revolução Sexual, os hyppies, Woodstock e toda uma série de puerilidades e inocências que uma análise fria e racional não seria capaz de explicar ou justificar os motivos do sucesso que causaram entre os indivíduos da época.

A contracultura buscou o prazer no excesso, através dele, dando vazão a um incontável número de instintos e impulsos reprimidos pela moral burguesa puritana (ou católica, ou islâmica, dependendo das crenças, da fé e/ou frustrações, o grau de repressão é o mesmo) – norte-americanos, ingleses e franceses (menos) – para quem tudo era pecado da cintura para baixo. Era natural que os jovens transformassem o sexo no principal veículo de exteriorização desses instintos. O irônico é que desses trapos bandeiras são feitas, tecidas e hasteadas: o movimento hyppie e a Revolução sexual confundiram tudo e transformaram o sexo num gesto mecânico e desapaixonado, ao mesmo tempo que se privavam de qualquer contato real com a cultura clássica, tradicional, porque contestavam justamente a idéia platônica do predomínio do intelecto sobre o corpo, o que é de uma tolice assustadora. O resultado dessa liberação toda da libido, dessa nova forma de “transar” a sexualidade foi que, em poucos anos, o sexo livre causaria náuseas em quem quer que pensasse nele. O excesso esgota a paixão, e, em maior ou menor grau, somos movidos por ela.

O consumo de álcool, drogas e afins também era uma forma de contestar a moral e o poder do pater famílias. E também se excederam nisso! O surgimento dos grandes cartéis e o tráfico indiscriminado de drogas ganham status multinacional, na Califórnia principalmente, durante a década de setenta. Não que já não houvesse consumo nas décadas anteriores – seria inocência acreditar nisso -, notem que digo que a coisa ganhou contornos de negócio a partir da contracultura, isso porque o público consumidor aumentou em progressão geométrica durante os anos de liberação anárquica de impulsos, logo o mercado fornecedor seguiu o mesmo caminho. Economia básica, meus amigos: lei da oferta e da procura, estamos atrelados a ela, inevitavelmente.

A ideologia do sexo, drogas e rock and roll degringolou em permissividade e violência incontinentes na medida em que a inteligência cedeu aos instintos do corpo, se afundando, mais tarde, na Aids, no crime organizado e na barbárie que, hoje, nos ronda a porta, enquanto as hordas esperam o momento definitivo da invasão. E olhem que falo em ideologia com certa bondade – estou generosíssimo esses dias. A contracultura, na verdade, foi incapaz de criar um pensamento organizado, uma teoria que influísse decisivamente sobre os destinos do homem. Ficamos todos a deriva, náufragos e, o que é pior, não há ilhas para todo mundo.

O prazer do excesso, o prazer do prazer simplesmente, leva à revolta do corpo, imperfeito, falho, de uma fragilidade insustentável, contra o intelecto, sempre disposto à abstrações, fugas, a reorganizar o mundo de acordo com nossas experiências adquiridas, à contemplação estética das artes, que nos salva – até quando? – da barbárie desumana instaurada pelo corpo.

Sexo, drogas, álcool – qualquer propaganda em contrário é enganosa – são bons porque significam, em última análise, a realização, a satisfação de um instinto primitivo, o prazer alcançado. Dos três, não topo as drogas porque não gosto de me sentir ausente ou fora do controle de minhas próprias faculdades. Sexo e álcool (uísque de preferência) são bons sempre, em doses regulares e mais ou menos constantes, na medida certa, que não sou estóico o suficiente para recusar.

O maior contra-senso de tudo isso reside no fato de que, pouco mais de vinte anos depois dos hyppies elegerem o corpo e suas mais variadas formas de destruí-lo como veículo para a obtenção do prazer irrestrito, sem limites, os contemporâneos voltam ao corpo e o massacram em exercícios e dietas, tentando prolongar a vida de modo que o prazer do gesto fica abolido ou reprimido pela ditadura da moda, que obriga a perfeição pelo excesso e a prática sequer pode ser pensada ou considerada.

Assim, vive-se uma ditadura do “não” em nome da beleza : contra a carne vermelha, o colesterol, que pode se bom ou ruim, as bebidas, o chocolate, o café, o cigarro, tudo proibido pelo despotismo da perfeição física, do bem-estar, do viver bem, a ditadura do saudável que quer nos obrigar a passar a vida ruminando alface ou outras coisas do gênero, bovinamente. Alface é bom para coelho... mas eu não sou coelho.

Complexo que em pouco menos de trinta anos uma geração procure reconstruir o que a outra, sem muitos pudores ou entendimentos, levou à ruína. Estranho que ambas façam através do excesso e em nome de um prazer que, fundamentado no corpo, é sempre fugaz, transitório. São as eternas contradições humanas. De qualquer forma, fico com Freud, para quem era preferível viver e ter algum prazer do que prolongar a vida em tédio. Ou com Maiakovski, que afirmou com excelente poesia: “Melhor morrer de vodka do que de tédio”. Falaram os sábios.



P.S – Na próxima tem Herbert Marcuse e Revolução Sexual, dois dos maiores engodos da contracultura. O primeiro ela herdou, a segunda, para infelicidade geral da civilização ocidental, nós herdamos...





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