Eu Legião
Saveco
Estava debruçado no cais deliciando-me com a visão magnífica do rio. As suas águas caudalosas, barrentas e velozes, fugindo de sua foz ... Buscavam afoitas o oceano. Era uma dessas tardes inebriantes e de intenso calor em Juazeiro e lembro-me que os ponteiros do relógio sugeriam 13 horas. Sugeriam? Sim, pois desde o ano de 1937 as horas não são mais as mesmas, caríssimo leitor. O horário de verão que o diga. Embora o sol esteja no seu ponto específico naquele momento, poderemos ter o relógio marcando o mesmo horário ou não, a depender de decreto governamental. Mas, deixemos isso para estudiosos... Políticos, geógrafos...
O sol implacável tornava modorrenta a cidade. As crianças em desvario lançavam-se da ponte Presidente Dutra para o abraço carinhoso do velho Chico, com certeza à s escondidas dos seus pais. Por um instante me vi também criança, felicíssima, gozando o prazer do banho proibido.
O eu "inquietação", no entanto, roubou aqueles pensamentos saudosistas e afastando-me do cais, conduziu-me à mesa do "la barca", insinuando-me que melhor seria naquela tarde de grande mormaço, beber algumas cervejas e, ato contínuo, passear de carro em outros bares da cidade e pontos de grande movimentação, tais como: bar de Guiomar, varandão, calçadão, primavera, bambuzinho ... Etc... Onde encontraria pessoas a falarem ruidosamente sob o efeito da bebida, os conjuntos a tocarem gostosas músicas onde poderia então participar de toda aquela agitação.
O eu "saudade", atirou-me ao carro, desejando sair e gozar aquela tarde na praia do rodeadouro, onde nostalgicamente, reviveria grandiosas farras com violão, banho refrescante, tira gosto de bode e paqueras.
Já o eu "irreverência" induziu-me a que melhor programação era esquecer os regulamentos e padrões e ir de imediato ao "som lua" ou "shalako", "shangrilá", onde alegres e belíssimas garotas, já empolgadas pelas doses de uísque aguardavam os clientes. Junto aos amigos Zé Ribeiro, Zeinha, Bebeto, contaríamos ousadas piadas e, Ã s gargalhadas, teríamos uma tarde maravilhosa, despudorada e sem proibições. Depois de "queimados", sairíamos para a cachoeira do Salitre, como de costume. Passaríamos pela rua Quintino Bocaiúva (rua que morava com meus pais), carro lotado voando para a curtição etílica.
Quando já dava partida no carro, o eu "religião" repreendendo-me: ordenou refazer a programação, pois esta não se combinava com um jovem Católico, filho de pais Católicos praticantes e que para afastar tais pensamentos mundanos, deveria ir à Igreja N.Sa. das Grotas pedir iluminação e perdão para o corpo e para a alma.
O eu "tranquilidade" irrompeu açodadamente, bradando que eu deveria ir para casa, bater um alegre papo com os familiares ou gozar aquela tarde com uma repousante sesta.
O eu "atoísmo" bradou, por sua vez, exigindo que eu mesmo naqueles trajes: em mangas de camisa, sandália de borracha e calção deveria ir à casa da namorada e levá-la a um restaurante da cidade.
Já o eu "fantasia" mostrou que se eu me acomodasse e não fizesse tantas extravagàncias, poderia fazer alguma reserva em dinheiro e no final do ano realizar aquela tão sonhada viagem à Europa.
O eu "generosidade", inesperadamente, cochichou-me baixinho que atentasse para a data tão significativa para as crianças, (12 de outubro), e que migalhas da vultosa soma de dinheiro gasto em farras, poderia trazer um sorriso nas faces daqueles pequeninos seres, nas creches assistenciais.
Um amigo passou e viu-me a discutir sozinho e, Ã distància, ficou a espreitar-me, convicto que eu estava ficando louco.
Será?
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