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Artigos-->Don´t Look Back in Anger -- 21/01/2003 - 08:21 (Márcio Scheel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Don´t Look Back in Anger





Ou





E o Mundo não Acabou...











Às vezes penso que algumas datas carecem de história porque vazias, vazias, meu Deus! Outras, no entanto, criam ou recriam a história, a envolvem, lhe atribuem significados, sentidos, novas formas de vermos, percebermos ou compreendermos o mundo que nos cerca, ainda que nossos olhos custem a acreditar e nossas cabeças a entender.





Os atentados de onze de setembro de 2001 inauguraram o século XXI e potencializaram os sentidos de nossa história contemporânea. Impossível continuar a ver e compreender o mundo da mesma maneira quando, gratuita e inesperadamente, sob o fundo azul de um céu nítido, claro, translúcido, dois aviões de passageiro invadem os maiores edifícios comerciais do mundo, num gesto de violência desumanamente sem rosto.





Impossível continuar a crer no mundo sem fronteiras, globalizado, no convívio fraterno dos povos, na terceira via improvável, em frangalhos, na social democracia fajuta de toucador, no liberalismo político e econômico da boca pra fora, em que o Terceiro Mundo continua sendo o “menino menorzinho”, o “café com leite”, o excluído de todo o processo de enriquecimento e desenvolvimento dos grandes blocos econômicos como o G7 e o Mercado Comum Europeu.





Numa época em que as verdades absolutas entraram em colapso ou declínio, em que vivemos um “tudo é relativo, meu irmão”, embora muitas vezes não haja relatividade alguma que não aquela que cerca os interesses tecnocratas e corporativistas internacionais, onze de setembro abriu uma ferida moral que parece distante de cicatrizar. Mesmo que um ano seja muito pouco tempo para o esquecimento e certos gestos ou atos não devam ser esquecidos.





O dilema moral desencadeado com os vôos trágicos de onze de setembro, com o espetáculo apocalíptico das ruínas de aço, sangue e concreto armado do World Trade Center, não é nem deve ser justificado pelo maniqueísmo frouxo e imbecilizado do caubói doentio George W. Bush, declarando guerra ao “eixo do mal”, como fosse ele o anjo vingador escolhido por Deus para subjugar os heréticos tronos da terra santa árabe.





Foi Dostoievski quem sentenciou que se Deus não existisse tudo seria permitido; eis o dilema moral do drama moderno, da tragédia americana que, quer queiram quer não, nos assola a todos: tudo agora é permitido, com ou sem Deus, e a vida humana ganha contornos estatísticos, se despersonaliza diante da catástrofe, passa a ser o alvo de intenções políticas escusas, de violências e agressões que se legitima através do velho discurso dualista do explorador e do explorado, do burguês imoral, rico e pançudo, abjeto, e do miserável desdentado e beatificado, do primo pobre terceiro mundista e de sua contrapartida “natural”, o primo rico norte-americano ou europeu. Um dilema moral que apaga irascivelmente os valores eternos do homem ao mesmo tempo em que nos transforma em sujeitos da história, embora nos impeçam de agir diretamente sobre nosso próprio destino.





Pela primeira vez na história, os Estados Unidos, ainda que com um certo merecimento, ocupam o lugar da vítima violada. A ética e a moral, então, se esgarçam e flexibilizam a ponto do mundo assistir passivamente a escalada de uma guerra inútil contra os países do Oriente Médio que, de algum modo, pactuam com o “mal” de Osama Bin Laden, como o Iraque de Hussein, por exemplo. E a vitimização norte-americana possibilita e esconde os antigos interesses econômicos e financeiros das potências ocidentais que violam tratados e direitos internacionais em favor de uma guerra cujo personagem central continua sendo o petróleo, o “dólar negro” de todas as civilizações como as entendemos. Sob esta perspectiva, Napoleão Bonaparte, um outro grande imperialista, tinha razão ao afirmar que a história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo.





A ferida moral dói e sangra, purulenta, porque nas demonstrações de força entre a nação rica, dominadora, vingativa e o terrorismo rico, vingativo, imprevisível em seus métodos e atos, sem rosto ou identidade definida, o indivíduo, o homem cotidiano, comum, sufocado por um conflito que sequer lhe pertence por direito, sobre o qual desconhece completamente suas motivações reais, é quem sofre, morre e se desespera.





Nos atentados de onze de setembro só houve derrotados: todos perdedores de um mundo e de uma espécie que começaram a se extinguir em 6 de agosto de 1945, quando os norte-americanos (por que sempre eles?) jogaram sobre Hiroshima a primeira bomba nuclear. De lá para cá, com a bipolarização EUA x União Soviética, com a corrida armamentista, com o crescimento e a aceitação passiva das maiores injustiças, começamos a perecer, lenta e assustadoramente, sem remédios ou salvações possíveis.





Mohamed Atta, Hamza Alghamdi, Hani Hanjour, Ziad Samir Jarrah, os terroristas dos aviões, perderam. Deborah Mordenfeld, Gregory St. John, Marcy Borders, Edward Fine, sobreviventes ou não da catástrofe, perderam. Todos os 2819 mortos perderam, porque não tiveram a chance de escolher, opinar, decidir os caminhos pelos quais o mundo em que viviam deveria seguir. Perderam porque tiveram a vida abortada, os sonhos, os planos e as expectativas, as únicas coisas que dão um sentido real a existência humana, essa antiga. Depois dos aviões apocalípticos, depois de um ano de tensões e incertezas, resta uma tristeza profunda que não pode ser medida ou equacionada, mas que arde mais a cada dia. E às vítimas não podem nem mesmo olhar para trás com raiva, ódio ou desprezo, para que não acabem confundidas com os agressores.





Agora, a barbárie que mergulhou a América do Norte em desespero será a responsável por despertar em minha geração o descobrimento da Tragédia. Pela primeira vez, em vinte anos, nós, os filhos dos hippies, nos sentimos parte integrante do processo histórico. Somos, finalmente, sujeitos da História, e sofreremos, como todos, suas conseqüências mais sérias. A vingança dos fundamentalistas religiosos contra o inimigo ocidental - os EUA -, marcará indelevelmente toda uma geração que, até então, só sabia da crueldade o que era possível aprender através dos livros ou da distância segura da mentira cinematográfica.





A tragédia norte-americana faz um ano e deixa duas sensações distintas: que não há nada para comemorar, e que o mundo, felizmente, ainda não acabou.





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