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Contos-->BAIO, O ANDARILHO. -- 27/11/2010 - 15:37 (Ilário Iéteka) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Numa tarde de verão, logo após o almoço, estávamos brincando no pátio de nossa casa. Arrastando galhos de palmeira, levantando poeira na maior algazarra e a alegria era total. Meus pais na labuta, não se incomodavam com a nossa bagunça porque o lugar era seguro, não existiam os perigos de hoje. A paz reinava naquele lugar.
Nós ouvimos uma buzina de carro, alertando-nos para o cuidado, o patrão estava chegando. Eu gritava para meus irmãos para que a brincadeira fosse interrompida na mesma hora. Todos corremos para o portão para receber o senhor Bonifácio, o qual abriu a porta da caminhonete todo sorridente, desceu perguntando:
_ Onde está o seu pai?
A resposta foi em coro pelas crianças:
_ Na cocheira lidando com animais!
Disse-nos:
_ Eu trouxe um presente para ele.
A curiosidade foi geral, nós queríamos saber do que se tratava, pensamos que era algo saboroso, doces, bolo ou qualquer outra coisa comestível e agradável. Não foi nada do que esperávamos. Senhor Bonifácio se dirigiu até a caminhonete, um belo carro da marca Chevrolet, destravou a porta, abriu com toda a pompa. Parecia que a coisa tinha valor e com todo o cuidado pegou um cachorro. O animal estava assustado no meio de tanto barulho, as crianças estavam em festa com a chegada do novo amigo. Ele parecia maltratado, magro mas foi amor a primeira vista, sentimento inexplicável. Papai queria saber qual era o nome do vira lata e senhor Bonifácio disse:
_ Em vinte dias estarei de volta, vou arranjar um nome especial para ele.
O cachorro tinha o pêlo bege, começamos a chamar de Baio. Ele foi solto no terreiro para dar uma espiada em seu novo lar. Correu de um lado para outro, fez mil e uma peripécias, parecia aprovar o lugar. Nós achávamos que o presente era melhor que doces e assim fomos preparar um pote com água e alimento para o nosso cachorro. O bicho estava com muita fome e sede, parecia estar sem comer o dia inteiro. Papai vendo as feridas que atormentavam o animal, dizia:
_Vou curar esta sarna com enxofre e pólvora.Vai ser um campeão pelo porte que tem! Eu ensinarei a lidar com os animais. Ele veio na hora certa, o Lord, nosso outro cachorro precisa de um ajudante no campo, tenho certeza que vão se dar bem.
Começamos a chamar Baio para lá, Baio para cá, o nome pegou. O patrão acabou gostando e não trocou o nome. Todo orgulhoso dos cuidados que desprendíamos ao animal, dizia:
_ Seu José, este cachorro é de boa raça, tem pedigree!
Como não lidávamos com raças de cachorros, não tínhamos noção do que senhor Bonifácio queria dizer com isso, o tal pedigree. Para nós era um vira lata dos bons. Baio nos divertia, era brincalhão, esperto, hábil, comia muito bem. Em um ano dobrou de tamanho, ficou enorme. Era o nosso cavalo, carregava as crianças para todos os lados e o dia inteiro. Papai resolveu tirá-lo das nossas brincadeiras porque queria ensinar o trabalho com o gado, com as ovelhas e outros animais. O animal aprendeu com facilidade, o cão tinha jeito e em pouco tempo nada escapava de seus olhos. Caso um novilho se desgarrava, ele ia atrás e o animal desgarrado era obrigado a retornar para o rebanho. Os dias iam passando e Baio ia se aperfeiçoando no trabalho. Ele se tornou a estrela da fazenda. Era grande e forte, segurava qualquer animal pelo focinho. Seu deleito era andar de carro quando saía com o patrão, hora dentro da cabine hora na carroceria em pé olhando os lugares por onde passava, talvez apreciando a paisagem, conhecendo novos odores, o vento fazendo cócegas em seu focinho.
Seu Bonifácio tinha outra fazenda, sempre viajava de um lugar para outro. Ele morava em Ponta Grossa, no centro da cidade. O cachorro conhecia suas propriedades, porém seu reduto predileto era nossa casa, sentia-se bem, tratado com carinho, não lhe faltava comida, nem água, espaço para se esbaldar. Seu esporte era lidar com gado, ir para o campo, recolher ovelhas, trazer um bezerro desmamado para o curral. Baio tornou-se esbelto, destemido, companheiro das crianças, acompanhava-nos a todos os lugares. Com seu tamanho, estabelecia limites de respeito, admiração e ninguém se atrevia a enfrentá-lo, tinha mais de um metro de altura.
Certa manhã, o cão sumiu da fazenda sem deixar rastros. Foi um desespero, as crianças desesperadas gritavam:
_ Baiiiiiiiio....Baiiiiiiiio....
Nada. Nenhum sinal. O danado sumiu como por encanto. Papai procurou nos vizinhos, pensamos que alguém tinha roubado o nosso cão, olhamos em todos os buracos, nos foges do campo e nada encontramos. Ficamos tristes, desanimados, saudade de seu latido que parecia mais um trombone de manhã tocando a alvorada, querendo dizer são sete horas vamos ... vamos levantar gente. Passamos mais de uma semana, levantando bem cedo só para ver se o nosso amigo tinha voltado. Era um corre-corre até a porta, na esperança de encontrar Baio descansando embaixo da porteira, onde tinha o costume de tirar uma soneca. A tristeza tomou conta da família toda, a esperança estava acabando. Já haviam passado quinze dias. Senhor Bonifácio chegou na fazenda como de costume e para a nossa surpresa, quem estava na carroceria? O Baio!!
O animal ficou com saudades do patrão e resolveu fazer uma visita. Com sua esperteza, nas viagens que fazia na carroceria, sabia o cheiro, memorizou lugares e foi para a cidade de Ponta Grossa. Sozinho, caminhou mais ou menos cinqüenta e cinco quilômetros, passou por outra cidade chamada Imbituva e parou no destino planejado, a casa dos patrões. Ficava a indagação:
_Como conseguiu localizar a residência no centro da cidade?
O patrão não conseguia acreditar na façanha do cão. Senhor Bonifácio pensou que papai estava na cidade e como não foi até sua residência estranhou o ocorrido. Somente com a chegada na fazenda que o problema foi desvendado. De tantas idas e vindas, Baio decorou o caminho. O cachorro percebendo que havia acertado, depois da primeira aventura, não parou de nos surpreender. Quando batia a saudade, ia da nossa fazenda para a cidade e vice-versa, tornando-se tradição todo mês a mesma proeza. Baio não falava, mas parecia entender tudo. Como exemplo, se uma vaca teimava em não entrar no curral, nós indicávamos com o dedo, gritávamos para Baio ir buscá-la e era só aguardar, em pouco tempo a teimosa desistia da fuga e retornava para o seu devido lugar.
Dez anos se passaram, muito trabalho, caminhadas longas, sua vida não era a mesma, estava velho e cansado, sem ânimo, parou com os passeios, desistiu de lutar, suas forças e virilidades acabaram. Baio queria somente descansar, passear na cidade nem de carro conseguia desejar mais, correr atrás de animais não lhe dava mais prazer, sabia que seu tempo estava no fim, agora queria sombra e água fresca. Aposentado por bons serviços prestados, estava preguiçoso, passava maior tempo deitado próxima á porteira, olhando as crianças brincarem, nós o chamávamos para participar mas não tinha forças para vir. Comia pouco, foi definhando dia a dia.
Numa manhã fatídica, a natureza estava em seu processo normal, uma hora Vida e outra hora Morte, então notamos que o Baio dormia de patas cruzadas com a cabeça apoiada, olhando em direção a nossa casa, parecia estar querendo dizer algo, mas ninguém estava lá para ouvir. Como de costume chamamos e ele não levantou a cabeça. Meu pai nos confortando, disse-nos:
_Crianças, nosso velho amigo descansou!
Choramos em volta do pobre animal acariciando sua cabeça. Até os adultos, nossos pais não contiveram as lágrimas. Era uma pessoa da família, foi uma perda lastimável. Papai lastimava-se, dizendo que um cão como este nunca encontraríamos novamente. Ele foi até o paiol, pegou uma cortadeira, caminhou até uma árvore frondosa de nome Cinamomo, fez uma cova funda e sepultou o pobre animal, saindo de cabeça baixa sem nos dizer nada. O que poderíamos fazer para nosso amigo naquele momento de perda e dor? Corremos para o campo e colhemos flores, queríamos homenagear e mostrar o quanto Baio era amigo amado. Assim colocamos nossos pequenos ramalhetes sobre a sua cova. Não queríamos que se perdesse o local aonde ele iria dormir para sempre e como crianças inocentes, por fim fizemos uma cruz de ripa e nela escrevemos com saudade, BAIO O ANDARILHO.
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