Quem é a noiva ?
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Enquanto o mundo estava com os olhos fixos nas telas televisivas acompanhando a aniquilação do Iraque, esquecia-se de atentar para a fascinante e inesquecível lua de mel que Bush e Blair desfrutavam neste final de semana. Como é comum aos que estão enamorados, o par refugiou-se na Irlanda do Norte, onde pode ¨ finalmente a sós ¨ desfrutar as delícias desses dias pejados de paixão e amor.
É sabido, além de necessário, que os casais apaixonados, logo após as núpcias, refugiem-se em locais sonhados para viverem as delícias dos momentos que marcarão, indelevelmente, as suas vidas. Quem já casou conhece perfeitamente o quanto é delicioso esse período, e quem ainda não o fez, suspira ansiando o dia em que isso irá lhe acontecer. É um comportamento por demais natural. Todavia, uma inquietante interrogação angustia-me: quem é a noiva ?
Devo confessar que sou bastante curioso e que os fatos recentes da invasão do Iraque sob a manta de destruir o mal, libertar o povo de um regime ditatorial, erradicar o terrorismo, também me angustiam pela fragilidade do embuste. Porém, chego a ficar atormentado, visto que diante do idílio inconteste, não consigo saber qual o varão e qual a varoa. Que dúvida cruel!
Folheei revistas e fixei mais profundamente o olhar em fotos de jornais. Até mesmo coloquei algumas fitas de vídeo no videocassete nas quais aparecia a imagem dos dois apaixonados, vendo-as pausadamente em càmara lenta, na vã tarefa de identificar algum detalhe ou gesto e nada consegui perceber que pudesse, no mínimo, servir como indício. Conversei com outras pessoas, enviei correios eletrónicos e até o momento não obtive resposta.
Na verdade, estou decepcionado e aborrecido. Decepcionado por constatar que na área da investigação sou péssimo, quando eu gostaria de ser um excelente investigador, um respeitado detetive, mas quedo-me diante da insofismável confirmação de incompetência. Aborrecido por ter que aturar, em pleno século XXI, duas personalidades do mundo ocidental que disfarçam e ocultam da humanidade os seus reais sentimentos afetivos.
Em estudos recentes debrucei-me por vários meses sobre trabalhos de legalização das uniões homo-afetivas. É por demais interessante e gratificante verificarmos o avanço que o mundo vem alcançando, em especial na área do Direito, buscando a justiça e evitando o sofrimento, a dor, a discriminação que determinados segmentos sociais purgavam. O Direito, que sempre se fez presente para harmonizar a convivência social, vem impulsionando uma marcha célere em sua legislação e destruindo antigos conceitos e tabus culturais que hostilizam o ser humano.
Não se fala mais em filhos bastardos ou ilegítimos. Acabou-se com a antiga idéia do chefe de família. Não se conceitua mais o par familiar como necessariamente se exigia, constituída pelo homem e mulher. A sociedade, felizmente, já tem a idéia que a união estável entre dois homens ou duas mulheres pode perfeitamente ser harmónica, feliz e detentora da capacidade de dar aos impúberes todas as condições psicológicas e materiais que garantam um desenvolvimento equilibrado e um futuro normal.
Se eu, pobre mortal, sem títulos honoríficos, reconheço esses avanços sociais como indicadores de que o mundo está melhorando e consigo vencer minhas posturas retrógradas e discriminatórias, não posso admitir que senhores chefes de nações tão cultas e prósperas estejam recuados na história do mundo contemporàneo, buscando refúgios e disfarces e sofrendo desnecessariamente a solidão, amedrontados diante da opinião pública.
Em um outro artigo, já falei aos dois estadistas que o Brasil é uma nação de paz . É um país onde todos desejamos a felicidade de cada ser humano. Nunca acalentamos a agressão, a guerra e o sofrimento. Talvez por a natureza ter sido tão pródiga em nosso vasto território, tenhamos adquirido esta postura de calma, paz e harmonia, muitas vezes confundida com inércia e lassidão.
Por ser brasileiro, dotado desta vontade ímpar de ver todos felizes, recomendo aos dois que busquem imediatamente regularizar suas situações. A Noruega que sempre se destacou como vanguarda nas conquistas sociais e na aplicação do Direito, já realiza casamentos de pessoas do mesmo sexo, garantindo todos os direitos aos dois. E o que é mais importante e indispensável, concretiza com resultados altamente satisfatórios, para o bem estar e alívio do ser humano, operações de mudança de sexo.
No período de convalescença pós operatório, fazemos questão que o par venha deleitar-se com a nossa exuberante fauna e flora : desde a fartura de frutas tropicais a deliciosos frutos do mar e de rios; banhe-se nas águas mornas do nosso atlàntico, abusem de nossas praias paradisíacas, invejem o céu magnífico e estrelado, conheça os animais exóticos e coloridos e saciem-se de tudo que de mais belo existe no mundo. Além de estar no paraíso terrestre, terá tranquilidade e sossego para reflexões, que com certeza o fará pensar em harmonia e criação e jamais em guerra e destruição. Aprenderá quão bela é a natureza e sepultará este instinto perverso e maligno de inveja, rancor, ódio e perseguição.
Sim. Quase ia me esquecendo. Após tamanha tranquilidade, sossego e felicidade, asseguro que o rebento desenvolver-se-á plenamente saudável. Ficaremos todos felizes: os dois por encontrarem a paz, o mundo por ver-se livre da guerra e eu saciado do inquietante desejo de saber quem ficou ¨ de barriga ¨.
Salvador, 08/04/2003
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