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cronicas-->O Príncipe das Trevas -- 11/10/2006 - 10:57 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Príncipe das Trevas

por Ipojuca Pontes (*) em 09 de outubro de 2006

Resumo: A conclusão da fantástica "viagem" de Ipojuca Pontes ao inferno, que pode estar mais próximo do que parece...

© 2006 MidiaSemMascara.org


Mas, como ia dizendo, ao deixar o Plenário do inferno em direção ao monumento onde imperava Satã, o Príncipe das Trevas e Pai da Mentira, conduzido pelo guia Augusto dos Anjos, um especialista no território infernal, nos defrontamos com um novo monumento - de menores proporções, mas não menos imponente - em torno do qual multidões de almas sujas e atormentadas, sob o sol incandescente, aos gritos e brados de revolta, pranto e punhos erguidos, imploravam por justiça, ainda que tardia e falha.

Na porta do monumento, ladeado por dois dragões de sete cabeças a lançar fogo pelas ventas, e de cães hidrófobos espumantes de ódio, um tipo ameaçador, com cabeça de touro e pés de cabra, ao que tudo indica incumbido do cargo de julgar e fazer justiça no reino infernal, afrontava, com a dureza de um verdugo, a multidão enfurecida. Ele era impositivo: - "A lei é dura, mas é lei ("Dura lex sede lex", usava a expressão em latim). A metade de vocês é capaz de tudo e a outra metade de tudo é capaz. Aquela multidão que ali se agita é composta de bandidos, assassinos vis e estupradores. Aquela outra, por ladrões degenerados, traidores, adúlteros, suicidas, sodomitas, viciados e vagabundos. Você aí, que está sendo martirizado pelo cão-coxo e faz cara de sofrimento, você não engana ninguém: é um pervertido confesso e um criminoso contumaz... Eis o veredicto de hoje: todos vão sofrer na eternidade da sede, do fogo inclemente e da sarna da peste negra!"

Quis me aproximar para ouvir melhor o demónio encarregado de fazer justiça, uma reedição do rei Minos no inferno de Dante mas o poeta dos Anjos, sábio e experiente, foi persuasivo: - "Acredite, não vale a pena. O ritual é eterno e monótono. Aqui, um minuto é uma eternidade. Ademais, o tempo urge e o importante é conhecer como o Príncipe das Trevas, o Pai da Mentira, governa o inferno. Vamos".

Num átimo, estávamos diante do monumento central ocupado por Satã, construído no formato de uma caixa de fósforos (marca "Pinheiro"), sustentado por colunas arqueadas, que tinha como entrada uma rampa em torno da qual se vislumbrava um mar de lama putrefato e pestilento. Dentro dele, atolados até a barriga, bandos enfurecidos, enrodilhados por serpentes picantes, portavam cartazes em que se pediam isonomia salarial, mordomias, ar condicionado, descriminalização da droga, incentivos fiscais, empréstimos a fundo perdido - tudo o que não significasse esforço ou trabalho. Em particular, fui atraído, no portal do monumento satànico, pelo aviso lapidar: "É aqui onde a onça bebe água". E, logo abaixo, em letras graúdas: "Reino da luxúria, gula, preguiça, ira, inveja, soberba e avareza".

Quando me divisou junto ao poeta, um diabo de rabo e chifres, ladeado por cães danados e gigantescos dragões de sete cabeças, esbravejou: - "Devagar, invasores temerários! Como se atrevem a vir a este lugar? Aqui quem impera é Satã, aqui só ele domina. Retornem logo ou serão conduzidos agora mesmo às chamas ardentes do nono círculo do inferno!"

Para minha surpresa, a resposta do triste poeta do "Eu" foi veemente e tomou corpo e voz. Ele não pestanejou: - "Cala-te cão abominável! Somos dois visitantes cristãos e não tens poderes para tolher a nossa visita ao reino do Príncipe das Trevas, a quem queremos observar". Dito isto, o diabo de chifres e rabo pipocou entre nuvens de fumaça e enxofre. De súbito, nos vimos transportados para dentro do palácio do Príncipe das Trevas. Acreditem: o ambiente era o oposto do que se via lá fora, refrigerado e limpo, dotado de amplas salas, obras de arte e imensos salões. Num deles, de onde provinham estridentes gargalhadas ao som de um samba de pagode, o ambiente era rumoroso e festivo. De fato, entre demónios aloprados do primeiro escalão, se devorava um churrasco com substanciais nacos de costelas, picanhas, maminhas e filés sangrentos. Fiquei com água na boca, pois não comia há 48 horas. "Não se iluda, nem se deixe levar pela gula" - disse o poeta. "É carne humana, em especial de tenras crianças inocentes".

No centro de uma vasta mesa, ora debochado ora circunspeto, reinava com soberania no banquete a figura de Satã, de ventre protuberante, olhos vermelhos e orelhas pontiagudas. Alternava o riso maroto e o semblante carregado. De resto, todos os presentes o veneravam e o tinham na mais alta conta, enquanto Satã entornava doses de cachaça ("51", uma "boa idéia"), uísque (importado) e vinhos franceses da melhor cepa. Ao cochicho de um cão-vassalo, o Pai da Mentira retornou incisivo: "Dê a eles milho, ou melhor, prometa a cesta básica. Melhor ainda: dê a eles um pouco de esperança - assim eles ficam quietos".

E em seguida, voltando-se para um cão-miúdo, a quem chamava de professor, queixou-se em tom lamuriento: "Sabe, professor, fui informado de que uma corja de Belzebu quer tomar o mando do inferno, custe o que custar. Estão inventando agora que eu digo que `roubo, mas faço´, mas que sou um cabeça-de-bagre que não pode mais ficar no comando, pois, comigo, o inferno não tem futuro. Dá vontade de rir. Essa gente impotente e odienta pensa que pode me afugentar daqui com essa conversinha à toa de batoré. Eles parecem ignorar que eu sou o Diabo - e que, com o Diabo, ninguém brinca!".

E em seguida, depois de tomar longo trago de cachaça, voltou-se para o demoníaco assessor de relações subversivas, especialista em Marx e Engels, e disse:

- "Mac, eu já mandei você tomar no c... hoje?".

Puxei o poeta de lado, agradeci a companhia e encerrei a visita infernal.



Leia também O Inferno de Ipojuca (http://www.midiasemmascara.org/artigo.php?sid=5257&language=pt)


(*) O autor é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.







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