Usina de Letras
Usina de Letras
161 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62225 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22536)

Discursos (3238)

Ensaios - (10364)

Erótico (13569)

Frases (50620)

Humor (20031)

Infantil (5431)

Infanto Juvenil (4767)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140803)

Redação (3305)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6190)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Fluxo -- 27/05/2011 - 17:10 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

“Até aqui nos ajudou o Senhor”.  Uma observação pessimista? Caberia com gosto na boca de um suicida que saltasse do décimo oitavo andar de um prédio no centro da cidade. Lá pela altura do sexto andar, olhando o céu, medo de encarar o chão que cresce em sua direção, o derradeiro viajante conforta-se citando o capítulo 7, versículo 12, do Primeiro Livro de Samuel: “Até aqui nos ajudou o Senhor!”.  A calma de fato vem e dura até o impacto que a tudo finda.   “Derradeiro viajante”, coisa de poeta romântico.
            Enquanto toma seu café preto, puro e pouco na lanchonete, conclui, em caráter irrevogável, que em Samuel está o segredo do destino do homem: até aquele ponto, o Senhor estava ao lado dos mortais. Dali para frente, era com eles. Era com ele. A frase escrita em papel pardo e colada na parede do caixa da lanchonete soa estranha, ameaçadora.  Engole o restinho da quase borra do fundo da xícara e amassa-amassa o pacotinho de açúcar.
            Se, então, estamos por nossa conta, toda a culpa sentida em relação ao que se deveria e o que não se deveria fazer é inútil. O Ofendido não presta mais atenção nos brinquedinhos que criou e, há tempos, tem mais o que fazer.   Bestas são os homens que tem a soberba de achar que há um ser divino olhando por eles.
            Elabora o pensamento sem muito esforço. Sempre que toma café, as ideias fluem com autonomia, pensam-se sozinhas, um rolo de filme desgovernado projetando imagens na tela, sem que o moço da cabine possa interferir.  Acredita até que nem exista mais moço na cabine. “Até aqui nos ajudou o Moço”. Agora o filme roda sem comando. Estamos por nossa conta. Ele está por sua própria conta.  
            Tão certo quanto Deus não ter tempo de cuidar de nós é a vontade que o café bebido tem de cigarro. Fumar é o maior dos pecados nesses tempos de pessoas politicamente certinhas. Proibido fumar em público. Parece pior que “proibido andar pelado em público” ou “proibido copular em público” ou “proibido assaltar em público”.  Só não é mais ofensivo que “pensar em público”. Fuma-se muito. E o pensamento sobe aos céus, como fumaça, encarando o chão que se afasta.  
            Termina o cigarro no canto da calçada e atravessa a rua fora da faixa, bem devagar só para desafiar os carros que se movem em toneladas de ferro e aço, obrigados a reduzir a velocidade diante de míseras dezenas de carne do corpo branco dele. Deus ex machina? Quase para no asfalto e orgulha-se de sua força de David contra os Golias 1.6. Ao pisar na guia, a pequena vitória já está esquecida.
            O banco da praça é um convite para desertar a jornada da tarde.  Quem ficará preocupado se faltar? Não há um chefe hoje. É carnaval. Sumiram-se todos. Ficar largado no banco, porém, é desafiar a ausência do chefe e reconhecer que ele existe, mesmo sem existir.  “Até aqui nos ajudou o Chefe”. Daqui até o escritório são três quadras. Estamos por nossa conta e risco.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui