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Cartas-->Elogio a loucura -- 07/01/2004 - 20:38 (Juca Gado) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Elogio a loucura

O Elogio da loucura, uma das sátiras mais brilhantes da história da literatura, foi escrito por Desidério Erasmo, humanista holandês, no curto espaço de sete dias, quando de uma visita a sua amigo Sir Thomas More, na Inglaterra. O próprio título latino da obra é um trocadilho com o nome de More (Moriae). Erasmo, O Voltaire do século XVI, dominou o ambiente intelectual de sua época; de toda sua volumosa obra, porém, apenas o Elogio da Loucura escapou à obscuridade e ao esquecimento. Um notável historiador americano, Preserved Smith, caracterizou o livro como um inteligente sermão, uma sátira honesta, uma brincadeira com um objetivo ético.

Erasmo já demonstra tom satírico ao explicar o motivo que o levou a escrever o livro:

"Já que a raça humana insiste em ser completamente louca - já que todas as pessoas, do Papa ao mais humilde pároco da aldeia - do mais rico dos homens ao mais miserável dos mendigos - da honrada dama em suas sedas e cetins à mulher vulgar em seu vestido de chita - já que todos se decidiram firmemente a não usar o cérebro que Deus lhes deu, mas insistem em se deixar guiar inteiramente pela ambição, vaidade, ignorância, porque, em nome de uma divindade racional, deveriam as poucas pessoas realmente inteligentes perder seu tempo e esforço, tentando mudar o gênero humano, transformando-o em algo que ele jamais desejou ser? Deixêmo-lo viver feliz em suas loucuras. Não o privemos daquilo que, lhe dá maior prazer - seu infinito poder de se tornar ridículo."

No Elogio da Loucura, Erasmo argumenta que são os desejos tolos e irracionais que fazem girar o mundo. O livro todo é escrito em forma de discurso ou declamação, posta em boca da Loucura, a uma audiência imaginária composta de homens de todas as classes e condições. Usando uma beca, mas com um barrete de bobo na cabeça, a Loucura sobe ao púlpito, seguida por seus ajudantes: o Amor-Próprio, o Esquecimento, a Preguiça, o Prazer, a Sensualidade, o Sono Profundo, a Intemperança e a Demência. A Loucura nos conta que é filha de Plutão e de uma encantadora criatura chamada Juventude, e fora criada por duas ninfas sedutoras: Embriaguez, filha de Baco, e Ignorância, filha de Pã. Na violenta sátira que se segue, Erasmo, falando através da loucura, ridiculariza praticamente todas as instituições, costumes, homens e crenças de seu tempo, inclusive o casamento, a guerra, o nacionalismo, os advogados, cientistas, acadêmicos, teólogos, soberanos e papas.

A Loucura afirma que, sem sua ajuda, a sociedade sucumbiria. Nenhum homem ou mulher de bom senso se arriscaria a casar e a ter filhos, a não ser inspirados pela Loucura e a ela, portanto, deviam a vida, "os arrogantes filósofos e os reis em sua púrpura, os padres piedosos e os papas triplamente santos." "Que fase da vida não é triste, desagradável, desairosa, monótona e penosa", pergunta a Loucura, "a menos que seja acrescido o prazer, isto é, um tempero de loucura?" Enquanto os homens mais sábios, de mais sensatez são considerados desgraçados, os tolos e os idiotas são mais felizes, sem as tormentas e medo do males, sem as angústias de milhares de preocupações às quais nos submete a vida". Até mesmo as mais altamente respeitadas profissões muito devem à Loucura, pois a medicina é sobretudo, charlatanice, e a maioria dos advogados é de chicaneiros. E mais: os governos são bem sucedidos na proporção de sua habilidade de ludibriar o povo, contrariando a crença de Platão de que os filósofos deviam ser reis e os reis, filósofos.

Alguns dos ataques mais contundentes de Erasmo dirigem-se aos acadêmicos e gramáticos e às suas loucuras peculiares.

"Quando algum deles descobre quem era a mãe de Anquises ou depara com alguma palavra antiga e estranha, tal como "busequus", "bovinator", "maticulador", ou outro obsoleto e enrolado da mesma categoria; ou consegue, depois de intenso e minucioso estudo, decifrar a descrição de algum monumento em ruínas. - Senhor! - que alegria, que triunfo, quantos cumprimentos pelo sucesso, como se ele tivesse conquistado a África ou vencido a Babilônia".

Igualmente ridículas, acha Erasmo, são as tentativas dos cientistas de desvendar os segredos da natureza e de descobrir o desconhecido:

"Como deliram deslumbrados quando inventam palavras para seu próprio uso, quando medem o sol, a lua, as estrelas e as esferas com fitas métricas, quando explicam a causa dos trovões, dos ventos, dos eclipses e de outros fenômenos inexplicáveis, sem exatidão alguma, como se fossem os sectários particulares da natureza criadora ou tivessem descido até nós do Conselho dos Deuses! Enquanto isso a Natureza, magnificamente, ri-se deles e de suas conjecturas!"

Erasmo apresenta cada busca da humanidade como sendo acolitada pela Loucura. No teatro: "Destrua-se a ilusão e qualquer peça perde o sentido". Os caçadores "sentem inefável prazer íntimo quando escutam o rouquenho toque das trompas e o ladrar dos cães... e haverá algo mais encantador do que um animal sendo esquartejado?" Igualmente iludidos estão aqueles que se lisonjeiam além da conta com os desprezíveis títulos de nobreza. Um, encontrará as raízes de sua família em Enéias, outro em Brutus, e um terceiro até no Rei Artur. Em cada sala exibem retratos e bustos de seus antepassados". Da mesma forma, o comerciante, labutando por dinheiro, o poeta buscando imortalidade, o guerreiro sonhando grandeza, os jogadores, cujos "corações pulam e começam a bater rapidamente" ao ouvir o chocalhar dos dados - estes e muitos outros têm suas vidas governadas pela Loucura.

Grande parte do Elogio da Loucura é dedicada ao discurso da Loucura sobre a igreja e a doutrina Cristã. A falta de respeito com os nomes e textos sagrados fizeram, na época, com que Erasmo fosse acusado de herege escarnecedor e ateu, apesar de ele ter abandonado a fé católica. Nenhum membro da hierarquia da Igreja escapa ao tratamento satírico da pena de Erasmo, embora seu alvo especial fossem os monges:

"Os monges consideram não saber ler um sinal de santidade. Zurram os salmos nas igrejas como asnos. Não entendem uma só palavra do que dizem, mas imaginam ser o som agradável aos ouvidos do santos. Os frades mendicantes fingem assemelhar-se aos Apóstolos, mas não passam de vagabundos imundos, ignorantes e ousados."

Erasmo satiriza o esplendor e o mundanismo dos papas, cardeais e bispos, contratando-os com a simplicidade do Pescador da Galiléia. Considera ridículas e absurdas as loucuras das superstições e da adoração dos santos. "Mas, que direi", pergunta Erasmo, "das pessoas que, com tanta felicidade, se enganam com os perdões forjados de seus pecados? Esses tolos se convencem de que podem comprar todas as bênçãos e prazeres desta vida, com também o céu, depois da morte, e, por puro amor ao lucro imundo, os padres encorajam-nos em seus erros".

Os contemporâneos de Erasmo receberam o Elogio da Loucura com prazer e louvor, em alguns lugares, e com irados protestos, em outros. A publicação de 43 edições durante a vida do autor atesta, sem dúvida, a imensa popularidade da obra.

Inegavelmente, foi-lhe necessário um alto grau de coragem para expor a corrupção da Igreja de seu tempo, a mais forte e poderosa organização da época. Apesar de sutis e indiretos, seus ataques eram extremamente eficientes. Stephan Zweig, Poe exemplo, ressalta: "No Elogio da Loucura existia, debaixo de sua máscara carnavalesca, um dos livros mais perigosos de seu tempo, um daqueles que se nos apresentam como um inteligente fogo de artifício; e foi, na verdade, uma bomba cuja explosão abriu o caminho para a Reforma Alemã".

Veja outros trechos interessantes da obra:

"As pessoas admiram com prazer maior o que menos compreendem, pois a sua vaidade está nisso interessada. Assim riem, aplaudem, abanam as orelhas como burros, para mostrarem deste modo que compreenderam perfeitamente."

Os próprios estóicos amam o prazer. Bem o dissimulam, bem tentam difamar o prazer aos olhos do povo, mas apenas para afastar os outros, a fim de melhor e mais livremente poderem eles gozar."

"A amizade: o pai cujo filho tem os olhos vesgos e afirma que o filho possui um lindo olhar, não constituirá isto tudo a mais pura loucura?"

"Como veríamos realizarem-se tão poucos casamentos se o noivo se informasse das loucuras que a sua noiva, tão modesta e recatada, praticou antes do casamento! E, mais tarde, que a união se poderia manter, se a conduta de muitas mulheres não fosse ignorada pela negligência e estupidez dos maridos. Tudo isto se atribui à Loucura."

"Toda a gente vê no rei um homem opulento e poderoso. Porém, se não possuir nenhuma qualidade espiritual, nada lhe pertence, é mesmo infinitamente pobre, e, se está sujeito ao domínio dos vícios, é apenas o mais vil dos escravos. Se os atores estão em cena desempenhando o seu papel e um deles tenta arrancar as máscaras para mostrar ao público a sua verdadeira face, conseguirá apenas perturbar toda a representação e deveria ser expulso do teatro como louco. Pois a donzela da peça surgiria aos vossos olhos como um homem; o jovem transformar-se-ia num velho; o rei num escravo e o deus num miserável humano. Destruída toda a ilusão, a obra destrói-se. Era o travesti e o disfarce que atraíam o espectador. O mesmo acontece na vida, que não passa duma comédia, em que cada qual representa o seu papel, conforme a máscara que usa, até que o contra-regra o faz sair de cena. Este, de resto, confia ao mesmo ator papéis muito diversos, de modo que aquele que antes se revestia da púrpura de um rei reaparece agora sob os andrajos de um escravo. Por todo o lado só existe o disfarce, e a comédia da vida representa-se do mesmo modo."

"Velhas revelhas, cadáveres ambulantes, que parecem ter vindo do inferno, a repetir constantemente: A vida é bela! São mulheres quentes que farejam o bode, como dizem os gregos. Seduzem por algumas moedas um jovem qualquer, pintam-se incessantemente, estão sempre a olhar-se ao espelho, depilam-se nas partes mais secretas, estendem as mamas flácidas, solicitam o desejo dos seus amantes com gritinhos trêmulos, querem beber e dançar no meio das jovens e escrever cartas de amor. Todas as troçam e as chamam de arquiloucas. Entretanto, elas estão satisfeitas consigo próprias, nadam num mar de delícias, saboreiam todas as doçuras e são felizes. E só a Loucura permite isso."

"Haverá pelos deuses imortais, espécie mais feliz que os homens a quem o vulgo chama loucos, parvos, imbecis, cognomes belíssimos, na minha opinião? Esta afirmação poderá a princípio parecer insensata e absurda e no entanto, nada há de mais verdadeiro. Tais homens não receiam a morte e, por Júpiter! isso já não representa pequena vantagem! A sua consciência não os incomoda. As história de fantasmas não os aterrorizam, nem os afeta o medo das aparições e espectros, nem os males que os ameaçam ou a esperança dos bens que poderão vir a receber. Nada, em resumo, os atormenta, isentos dos mil cuidados de que a vida é feita. Ignoram a vergonha, o medo, a ambição, a inveja e chegam mesmo, se são suficientemente estúpidos, a gozar o privilégio, segundo os teólogos, de não cometerem pecados."

"Como são felizes os teólogos quando exercem sua atividade e quando descrevem com minúcia o inferno, como se aí tivessem passado anos."

"Haverá algum de vós tão louco que deixe na rua o ouro e as jóias? Ninguém, decerto. Encerrá-los-eis no canto mais secreto e retirado da casa e nos cofres mais bem fechados e guardados. O lixo, porém, é deitado para a via pública. Ora, se o que se tem de mais precioso é que se esconde e o que há de mais vil se expõe à luz do dia, a Sabedoria, que não se esconde, é mais vil do que a Loucura, que nos aconselham a esconder."

Juca Gado

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